Ascensão da China como Potência Mundial: o que foi, causas e impactos

Qual foi o ponto de partida para a ascensão econômica da China?

A jornada da China rumo ao status de potência mundial teve um marco crucial na virada da década de 1970 para 1980, após a morte de Mao Tsé-Tung e o fim da Revolução Cultural. Este período de transição abriu espaço para uma profunda reavaliação das políticas econômicas e sociais que haviam regido o país por décadas. A nação estava economicamente estagnada, com grande parte da população vivendo em condições de pobreza e uma agricultura ineficiente. A necessidade de uma mudança radical era evidente para a liderança emergente, que percebia o abismo entre o padrão de vida chinês e o de outras nações asiáticas que já experimentavam rápido crescimento. A desorientação ideológica e a busca por um novo caminho estratégico tornaram-se prioridade máxima.

A ascensão de Deng Xiaoping ao poder foi o catalisador decisivo para essa transformação. Longe de ser um mero sucessor, Deng representava uma facção pragmática dentro do Partido Comunista Chinês (PCC) que advogava por uma abordagem mais flexível e aberta à economia. Sua visão era de que a China deveria “buscar a verdade nos fatos”, abandonando dogmas ideológicos rígidos em prol do desenvolvimento material. Essa filosofia pavimentou o caminho para uma série de reformas que viriam a ser conhecidas como “socialismo com características chinesas”, uma fusão inovadora de planejamento central e mecanismos de mercado. O desmonte das comunas populares e a introdução de incentivos individuais na agricultura foram os primeiros sinais dessa guinada.

Antes das reformas, a economia chinesa era caracterizada por uma rígida centralização e um isolamento quase total do mercado global. A produção era ditada por planos quinquenais, e a iniciativa individual era desencorajada, quando não reprimida. A falta de inovação e a baixa produtividade eram consequências diretas desse modelo. A população rural, que compreendia a vasta maioria dos chineses, enfrentava dificuldades crônicas, e a segurança alimentar era uma preocupação constante. A infraestrutura era rudimentar e defasada, incapaz de suportar um crescimento industrial significativo. A economia era, em essência, de subsistência, com pouca capacidade de gerar excedentes ou acumular capital.

A decisão de Deng Xiaoping de priorizar o desenvolvimento econômico sobre a ortodoxia ideológica marcou uma ruptura fundamental com o passado. Ele compreendeu que a legitimidade do PCC dependia, em grande parte, da sua capacidade de melhorar as condições de vida da população. Essa mudança de paradigma não foi isenta de riscos e resistências internas, mas a memória dos anos de privação e caos da Revolução Cultural forneceu um poderoso argumento para a necessidade de transformação. A busca pela “modernização das quatro áreas” – agricultura, indústria, defesa e ciência e tecnologia – tornou-se o objetivo nacional primordial, direcionando todos os esforços do governo e da sociedade.

A primeira fase das reformas se concentrou no setor agrícola, o mais vital para a subsistência da população. A dissolução do sistema de comunas e a introdução do “Sistema de Responsabilidade Familiar” permitiu que as famílias camponesas cultivassem suas próprias terras e vendessem o excedente no mercado. Isso gerou um enorme aumento na produtividade agrícola e na renda rural, liberando milhões de trabalhadores para outras atividades. Essa reforma, aparentemente simples, teve um impacto revolucionário, pois não só garantiu a segurança alimentar, mas também criou as bases para a emergente força de trabalho industrial urbana. A experiência rural serviu como um laboratório experimental para futuras reformas de mercado.

A subsequente criação das Zonas Econômicas Especiais (ZEEs) em cidades costeiras como Shenzhen, Zhuhai, Shantou e Xiamen representou a próxima etapa crucial da abertura. Essas áreas foram designadas para atrair investimento estrangeiro direto (IED) e tecnologia, oferecendo incentivos fiscais e regulatórios. As ZEEs funcionaram como “janelas” para o mundo exterior, permitindo que a China experimentasse o capitalismo sem comprometer seu sistema político central. Essa estratégia de “cruzar o rio sentindo as pedras” – uma metáfora popular de Deng – demonstrou a praticidade e a cautela com que as reformas foram implementadas. O sucesso inicial das ZEEs forneceu o modelo para a expansão gradual da abertura econômica para outras regiões do país, atraindo capital e conhecimento.

O contexto geopolítico também influenciou a decisão de se reformar. A China observava o sucesso econômico de seus vizinhos asiáticos – os “Tigres Asiáticos” (Coreia do Sul, Taiwan, Hong Kong, Singapura) e o Japão – que haviam adotado modelos orientados para a exportação e o investimento estrangeiro. Essa comparação desfavorável ressaltou a urgência de modernizar a própria economia. A normalização das relações com os Estados Unidos no final da década de 1970 também abriu portas para o comércio e a transferência de tecnologia, essenciais para o desenvolvimento industrial. A necessidade de acompanhar o ritmo global e garantir a própria segurança nacional incentivou essa profunda reestruturação interna.

Como as reformas de Deng Xiaoping transformaram a economia chinesa?

As reformas introduzidas por Deng Xiaoping, a partir de 1978, representaram uma guinada estratégica sem precedentes na história econômica chinesa. Em vez de uma revolução abrupta, foi um processo gradual de “reformas e abertura” (gaige kaifang), caracterizado por experimentação e adaptação. A filosofia pragmática de Deng, que afirmava “não importa se o gato é branco ou preto, contanto que cace ratos”, ilustrava a prioridade dada aos resultados econômicos sobre a pureza ideológica. Essa abordagem permitiu a coexistência de elementos de mercado com o planejamento centralizado, criando um sistema híbrido que se mostraria incrivelmente dinâmico. A prioridade era a geração de riqueza e a melhoria das condições de vida.

A descoletivização agrícola foi o ponto de partida, introduzindo o “Sistema de Responsabilidade Familiar”. Este sistema concedia às famílias o direito de cultivar parcelas de terra em usufruto, mantendo a propriedade coletiva da terra, mas permitindo que os camponeses vendessem o excedente de sua produção no mercado. Esta simples mudança de incentivo teve um efeito transformador na produtividade agrícola e na renda rural, tirando milhões de pessoas da pobreza. A oferta de alimentos no país aumentou drasticamente, e a liberdade econômica nas áreas rurais preparou o terreno para o surgimento de empresas de pequeno porte e indústrias vilarejas e municipais (TVES), que viriam a ser um motor de crescimento.

Simultaneamente, o governo iniciou a criação das Zonas Econômicas Especiais (ZEEs) em 1980. Essas áreas costeiras, como Shenzhen, Zhuhai, Shantou e Xiamen, serviram como laboratórios para a economia de mercado, atraindo investimento estrangeiro direto (IED) e permitindo a experimentação com políticas capitalistas, incluindo incentivos fiscais, regulamentações flexíveis e liberdade para a repatriação de lucros. As ZEEs foram cruciais para a China absorver tecnologia, capital e conhecimento gerencial do exterior, transformando-se rapidamente em centros de manufatura para exportação. A experiência bem-sucedida das ZEEs levou à sua expansão para outras cidades e regiões, ampliando a integração global da China.

A reforma das empresas estatais (SOEs) foi um processo mais complexo e gradual. Inicialmente, as SOEs receberam maior autonomia gerencial e foram incentivadas a operar com base em princípios de mercado, embora mantivessem forte ligação com o Estado. Posteriormente, muitas foram reestruturadas, privatizadas parcialmente ou fechadas, resultando em milhões de demissões, mas também em maior eficiência e competitividade. O surgimento de um setor privado vibrante, especialmente em áreas como o varejo, serviços e manufatura leve, complementou as SOEs e se tornou uma força motriz para a criação de empregos e a inovação. Essa dupla trilha de desenvolvimento, com o Estado e o setor privado operando lado a lado, é uma característica distintiva do modelo chinês.

A China também investiu massivamente em infraestrutura básica – estradas, ferrovias, portos, aeroportos e redes de energia – o que foi fundamental para apoiar o crescimento industrial e facilitar o comércio. A construção de uma infraestrutura moderna e eficiente reduziu os custos de transporte e logística, tornando a China um destino mais atraente para a manufatura global. Além disso, a priorização da educação e da formação profissional ajudou a criar uma força de trabalho abundante e cada vez mais qualificada. Essas políticas de longo prazo foram essenciais para sustentar as taxas de crescimento extraordinárias que o país viria a experimentar.

O governo também demonstrou uma notável flexibilidade para ajustar e refinar as reformas conforme necessário. Ao contrário de modelos de “choque” de outras transições econômicas, a China optou por uma abordagem incremental, aprendendo com os erros e adaptando as políticas. A centralidade do PCC na supervisão do processo garantiu uma estabilidade política essencial para a implementação de mudanças tão profundas. A combinação de liberalização econômica controlada e forte autoridade política permitiu que a China navegasse por complexas transições sem colapsos sistêmicos, um feito notável em comparação com outros países em transição.

O impacto cumulativo dessas reformas foi o lançamento das bases para um crescimento econômico sem precedentes. A China transformou-se de uma economia agrária e isolada em uma potência industrial global. A renda per capita aumentou exponencialmente, tirando centenas de milhões de pessoas da pobreza. As exportações chinesas inundaram os mercados globais, e o país se tornou o “fábrica do mundo”. Essa reconfiguração fundamental da estrutura econômica chinesa, liderada pelas visões pragmáticas de Deng Xiaoping, pavimentou o caminho para a sua ascensão como uma das maiores economias e influências geopolíticas do século XXI, redefinindo o equilíbrio de poder mundial.

Quais foram os pilares da estratégia de abertura ao exterior?

A estratégia chinesa de abertura ao exterior foi multifacetada, construída sobre pilares interconectados que visavam a atração de capital, tecnologia e conhecimento gerencial. Um dos primeiros e mais visíveis foi a criação das Zonas Econômicas Especiais (ZEEs), iniciadas em 1980. Essas áreas costeiras, como Shenzhen, Zhuhai, Shantou e Xiamen, eram laboratórios de mercado onde se ofereciam incentivos fiscais robustos, isenções aduaneiras e condições mais flexíveis para empresas estrangeiras. O objetivo era atrair investimento estrangeiro direto (IED) e facilitar a exportação de produtos manufaturados, absorvendo a tecnologia e as práticas de gestão ocidentais.

O segundo pilar foi a liberalização do comércio, que começou gradualmente e acelerou após a adesão da China à Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2001. Antes disso, o comércio exterior era rigidamente controlado pelo Estado. A abertura significou a redução de barreiras tarifárias, a eliminação de cotas de importação e a simplificação de procedimentos aduaneiros. Essa política transformou a China em um polo de manufatura global, impulsionando suas exportações e importações a níveis sem precedentes. A demanda por produtos chineses baratos e a necessidade de matérias-primas impulsionaram uma interdependência econômica crescente com o resto do mundo.

A atração de investimento estrangeiro direto (IED) foi um pilar central. O governo chinês ofereceu um ambiente de negócios cada vez mais receptivo para empresas multinacionais, que buscavam acesso a um mercado consumidor vasto e uma força de trabalho abundante e de baixo custo. As políticas de “joint venture” eram frequentemente exigidas, o que forçou a transferência de tecnologia e know-how para empresas chinesas locais. Este intercâmbio foi crucial para o aprimoramento da capacidade industrial e tecnológica da China, permitindo que as empresas chinesas aprendessem e eventualmente competissem com as próprias multinacionais estrangeiras em novos mercados.

A estratégia também incluiu a formação de capital humano e o intercâmbio educacional. O governo incentivou estudantes chineses a buscar formação em universidades ocidentais, especialmente em áreas científicas e tecnológicas. Muitos desses estudantes retornaram à China com conhecimento avançado e experiência, fundando startups e trabalhando em empresas estatais, contribuindo para a inovação e o desenvolvimento. Esse “brain drain” revertido tornou-se uma vantagem estratégica, acelerando a capacidade de pesquisa e desenvolvimento (P&D) do país e a criação de uma força de trabalho globalmente competitiva.

A construção de uma infraestrutura de classe mundial foi um facilitador indispensável. Portos, aeroportos, ferrovias de alta velocidade e uma extensa rede de rodovias foram construídos em tempo recorde, facilitando o transporte de mercadorias e o acesso a mercados internos e externos. Essa infraestrutura logística reduziu drasticamente os custos de produção e distribuição, tornando a China um local ainda mais atraente para a instalação de cadeias de suprimentos globais. A eficiência operacional alcançada através dessa modernização de infraestrutura foi um fator-chave para a competitividade das exportações chinesas.

A participação em organizações internacionais e o aprimoramento da diplomacia econômica também foram essenciais. A China buscou ativamente integrar-se em instituições globais como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e, de forma mais significativa, a OMC. Essa participação proporcionou à China um plataforma para influenciar as regras do comércio global e garantir um ambiente internacional mais estável para seu crescimento econômico. A adesão à OMC, em particular, sinalizou o compromisso da China com um sistema comercial baseado em regras, embora o cumprimento de todas as suas obrigações tenha sido, e ainda seja, objeto de debate internacional, impactando a confiança de parceiros comerciais.

As políticas de promoção do setor exportador, incluindo subsídios e apoio estatal, foram complementares à abertura. Embora frequentemente criticadas por distorcerem o comércio, essas políticas permitiram que as empresas chinesas ganhassem escala e competitividade global rapidamente. A combinação de mão de obra barata, infraestrutura eficiente, incentivos governamentais e acesso a vastos mercados externos transformou a China no “fábrica do mundo”, redefinindo as cadeias de valor globais e consolidando sua posição como um ator econômico indispensável, impulsionando uma nova ordem econômica global.

De que maneira a industrialização impulsionou o crescimento chinês?

A industrialização foi, sem dúvida, o motor central do crescimento econômico vertiginoso da China. A transição de uma economia predominantemente agrária para uma potência industrial global ocorreu em um ritmo e escala sem precedentes históricos. A mobilização massiva de mão de obra do campo para as cidades, combinada com investimentos colossais em capacidade produtiva, transformou o panorama econômico do país. A capacidade de produzir bens em grande volume e a baixo custo tornou a China um fornecedor indispensável para os mercados mundiais, atraindo mais investimentos e fomentando um ciclo virtuoso de crescimento. Essa transformação foi facilitada por políticas governamentais estratégicas e uma população adaptável.

Inicialmente, a industrialização chinesa concentrou-se na manufatura de bens de consumo leves, como têxteis, brinquedos e eletrônicos de baixo valor agregado. A capacidade de produção em massa e os baixos custos de mão de obra deram à China uma vantagem competitiva esmagadora nesse setor. Com o tempo, houve uma progressiva sofisticação da base industrial, passando para produtos de maior valor, como eletrônicos avançados, automóveis e máquinas. Essa evolução refletiu tanto a acumulação de capital quanto a assimilação de tecnologia estrangeira, o que permitiu à China escalar a cadeia de valor global e competir em segmentos mais complexos e lucrativos.

O governo chinês desempenhou um papel ativo e diretivo nesse processo. Por meio de investimentos estatais em setores estratégicos, subsídios a empresas exportadoras e a criação de parques industriais e tecnológicos, o Estado guiou a alocação de recursos e incentivou o desenvolvimento de indústrias chave. As empresas estatais (SOEs), embora muitas vezes criticadas por sua ineficiência, foram fundamentais na construção das bases da infraestrutura pesada e em setores considerados de segurança nacional, como energia e telecomunicações. A coordenação centralizada permitiu uma implementação rápida e em larga escala de projetos industriais.

A integração nas cadeias de valor globais foi um aspecto crucial. Empresas multinacionais ocidentais estabeleceram fábricas na China para aproveitar a mão de obra barata e o acesso ao vasto mercado consumidor. Isso levou à transferência de tecnologia, conhecimento gerencial e padrões de qualidade. A China não apenas montava produtos, mas também aprendia e absorvia as técnicas de produção mais avançadas. Essa colaboração, embora às vezes tensa, foi uma catapulta para o desenvolvimento industrial chinês, permitindo que as empresas locais se tornassem fornecedores e competidores globais, dominando nichos de mercado e ganhando experiência valiosa.

A rápida urbanização, impulsionada pela industrialização, gerou um enorme mercado interno. À medida que os trabalhadores rurais migravam para as cidades e suas rendas aumentavam, a demanda por bens de consumo, habitação e serviços também crescia exponencialmente. Esse mercado interno em expansão forneceu um amortecedor para as flutuações da demanda externa e incentivou o investimento em novas indústrias voltadas para o consumo doméstico. A crescente classe média chinesa se tornou uma força econômica poderosa, mudando o foco da produção de “para o mundo” para “para a China e o mundo”, uma transição estratégica na política econômica.

O investimento maciço em infraestrutura, como já mencionado, foi intrinsecamente ligado à industrialização. Redes de transporte eficientes, portos modernos e uma vasta capacidade energética foram essenciais para sustentar a produção industrial em larga escala e a logística de exportação. Sem essa infraestrutura, o crescimento industrial teria sido estrangulado. O investimento contínuo em pesquisa e desenvolvimento (P&D), embora com um início mais tardio, também começou a impulsionar a inovação local, permitindo que a China não apenas copiasse, mas também criasse suas próprias tecnologias e marcas, solidificando sua posição de liderança.

O resultado da industrialização chinesa foi uma transformação radical da sua economia e do seu lugar no mundo. De um país pobre e agrário, a China emergiu como a maior potência manufatureira do planeta e a segunda maior economia. A capacidade industrial chinesa não só sustentou seu próprio crescimento, mas também reconfigurou as cadeias de suprimentos globais e o comércio internacional. A profunda interdependência econômica gerada pela sua industrialização massiva cimentou o papel da China como um ator indispensável na economia global, com impactos que reverberam em todos os cantos do planeta.

Como a adesão à OMC acelerou a integração global da China?

A adesão da China à Organização Mundial do Comércio (OMC) em dezembro de 2001 foi um momento divisor de águas para sua integração na economia global. Este evento, resultado de um processo de negociações árduo que durou 15 anos, não foi apenas uma formalidade, mas um compromisso profundo e estratégico com as regras e normas do comércio internacional. Ao ingressar na OMC, a China se comprometeu a reduzir barreiras tarifárias e não-tarifárias, abrir seus mercados em vários setores e adotar um sistema comercial mais transparente e baseado em regras. Isso proporcionou uma confiança sem precedentes aos investidores estrangeiros e aos parceiros comerciais, acelerando a globalização de sua economia.

A principal consequência imediata foi um salto exponencial nas exportações chinesas. A redução de tarifas e a garantia de acesso a mercados estrangeiros impulsionaram as indústrias manufatureiras da China, que se beneficiaram de economias de escala massivas e custos de produção competitivos. De repente, produtos chineses puderam competir de forma mais equitativa em mercados globais, levando a um boom de exportações que consolidou a China como a “fábrica do mundo”. Esse fluxo de mercadorias também intensificou a demanda global por matérias-primas e componentes, beneficiando países exportadores ao redor do mundo e criando novas dependências comerciais.

A adesão à OMC também resultou em um aumento substancial no investimento estrangeiro direto (IED) na China. Empresas multinacionais, agora mais confiantes na estabilidade e previsibilidade do ambiente regulatório chinês, investiram pesadamente em fábricas, centros de pesquisa e desenvolvimento e redes de distribuição. Esse IED não apenas trouxe capital, mas também tecnologia avançada, conhecimento gerencial e melhores práticas de negócios, o que acelerou a modernização das indústrias chinesas. A transferência de know-how foi um benefício imenso, ajudando as empresas locais a aprimorar seus produtos e processos, e muitas vezes permitindo que elas, eventualmente, competissem diretamente com as firmas estrangeiras originais.

Internamente, a adesão à OMC forçou a China a implementar reformas estruturais adicionais em sua legislação e regulamentação. O país teve que revisar milhares de leis e regulamentos para se alinhar com as regras da OMC, promovendo maior transparência e previsibilidade no ambiente de negócios. Embora o cumprimento total dessas regras tenha sido frequentemente questionado por parceiros comerciais, a direção geral era clara: a China estava se movendo em direção a um sistema econômico mais aberto e alinhado com as normas internacionais, o que gerou pressão para aprimorar a governança e a eficácia jurídica.

A integração na OMC também aumentou a interdependência econômica da China com o resto do mundo. A economia chinesa tornou-se mais sensível às flutuações da demanda global e às políticas comerciais de outros países. Essa interdependência criou tanto oportunidades quanto vulnerabilidades. A China, por sua vez, ganhou maior poder de barganha nas negociações comerciais internacionais e maior influência em fóruns multilaterais, à medida que sua importância econômica se tornava inegável. A capacidade de influenciar normas e padrões globais cresceu em paralelo com seu volume de comércio, redefinindo o papel diplomático e econômico do país.

A tabela a seguir ilustra o crescimento do comércio chinês antes e depois da adesão à OMC:

Os dados mostram um crescimento exponencial nas exportações e importações chinesas após 2001, o que sublinha a significância da OMC na integração econômica.

A adesão à OMC, portanto, foi um catalisador poderoso para a ascensão econômica da China. Não apenas abriu mercados e atraiu investimentos, mas também forçou reformas internas que tornaram a economia chinesa mais eficiente e competitiva. Esse evento consolidou a China como um ator indispensável no sistema de comércio multilateral e acelerou sua transformação em uma potência econômica global, reconfigurando fundamentalmente as dinâmicas de produção e consumo em escala planetária, e gerando tanto oportunidades quanto novos desafios geopolíticos para o futuro.

Qual o papel da infraestrutura massiva no desenvolvimento chinês?

O desenvolvimento de uma infraestrutura maciça e moderna foi um pilar fundamental e muitas vezes subestimado da ascensão econômica chinesa. Desde o início das reformas, o governo chinês reconheceu que sem uma rede robusta de transporte, energia e comunicações, o crescimento industrial e comercial seria severamente limitado. Investimentos gigantescos foram direcionados para a construção de estradas, ferrovias, portos, aeroportos e redes de energia, transformando o país em um centro logístico e produtivo de classe mundial. Essa visão de longo prazo permitiu a eficiência e a escala necessárias para a economia chinesa.

As ferrovias de alta velocidade representam um dos maiores sucessos da infraestrutura chinesa. A China construiu a maior rede ferroviária de alta velocidade do mundo em poucas décadas, conectando grandes cidades e centros econômicos. Isso não apenas facilitou o transporte de pessoas, impulsionando o turismo e o comércio interno, mas também permitiu o movimento rápido de mercadorias, reduzindo os custos logísticos e aumentando a competitividade das empresas. A capacidade de mover milhões de pessoas e toneladas de carga eficientemente pelo país foi um multiplicador de crescimento significativo.

Os portos marítimos chineses também passaram por uma expansão e modernização sem precedentes. Cidades como Xangai, Shenzhen e Ningbo-Zhoushan se tornaram alguns dos maiores e mais movimentados portos de contêineres do mundo. Essas instalações portuárias de ponta, juntamente com a infraestrutura de apoio (estradas, ferrovias e armazéns), foram cruciais para o sucesso da China como uma potência exportadora. A eficiência e a capacidade desses portos permitiram que a China movesse um volume colossal de mercadorias de e para o resto do mundo, sustentando o boom de manufatura e comércio.

A construção de uma vasta rede de rodovias expressas e aeroportos também foi vital. As rodovias conectaram centros de produção a portos e mercados, facilitando a distribuição de bens internamente e para exportação. O número de aeroportos e a capacidade de transporte aéreo cresceram exponencialmente, apoiando o turismo, viagens de negócios e o transporte de cargas de alto valor. Essa conectividade física robusta permitiu que as cadeias de suprimentos operassem com maior fluidez e eficiência, integrando diferentes regiões do país na economia nacional e global.

A capacidade energética também foi uma prioridade. Para alimentar seu crescimento industrial, a China investiu massivamente em usinas termelétricas (carvão, gás), hidrelétricas (como a Barragem das Três Gargantas) e, mais recentemente, em energia renovável. A garantia de um suprimento de energia estável e acessível foi fundamental para a expansão das fábricas e cidades. Embora tenha gerado desafios ambientais significativos, essa infraestrutura energética foi indispensável para sustentar o ritmo acelerado de industrialização e urbanização, garantindo o fornecimento contínuo de energia para as indústrias.

O investimento contínuo em infraestrutura não se limitou apenas ao transporte e energia. A China também investiu pesadamente em telecomunicações, construindo uma vasta rede de internet de banda larga e, mais recentemente, liderando o desenvolvimento do 5G. Essa infraestrutura digital tem sido essencial para o crescimento do comércio eletrônico, da inovação tecnológica e da conectividade geral da sociedade e da economia. A capacidade de comunicação rápida e disseminada é um componente moderno crucial para a competitividade econômica de um país no século XXI, e a China priorizou a expansão digital como parte integral de seu desenvolvimento.

Em resumo, a infraestrutura massiva chinesa foi mais do que apenas um facilitador; foi um componente estratégico ativo do seu desenvolvimento. Ela reduziu custos de produção, aumentou a eficiência, conectou mercados, atraiu investimentos e sustentou a urbanização. Essa abordagem proativa à construção de infraestrutura permitiu à China superar gargalos e escalar sua economia em um ritmo extraordinário, consolidando sua posição como uma potência industrial e comercial global e fornecendo uma base sólida para futuras ambições tecnológicas e geopolíticas.

Como a política governamental de investimento em ciência e tecnologia contribuiu?

A transição da China de uma economia manufatureira de baixo custo para uma potência inovadora tem sido impulsionada por uma política governamental ambiciosa e de longo prazo de investimento em ciência e tecnologia (C&T). Reconhecendo que a dependência de tecnologias estrangeiras limitava seu potencial de crescimento e sua segurança nacional, o governo chinês embarcou em uma estratégia para se tornar autossuficiente e líder global em setores de alta tecnologia. Essa visão estratégica permeou desde o planejamento educacional até os incentivos para a pesquisa e desenvolvimento (P&D). O investimento maciço e coordenado tem sido a chave.

O governo chinês tem investido somente em P&D uma parcela crescente de seu PIB, visando superar nações desenvolvidas. Esse investimento é direcionado a áreas consideradas estratégicas, como inteligência artificial (IA), biotecnologia, computação quântica, energia renovável e semicondutores. Além de financiamento direto, o Estado oferece incentivos fiscais robustos para empresas que investem em P&D e estabelece parques tecnológicos e incubadoras para fomentar startups inovadoras. Essa abordagem holística cria um ecossistema de inovação que nutre tanto a pesquisa básica quanto o desenvolvimento comercial de novas tecnologias.

A tabela acima demonstra o crescimento notável do investimento chinês em P&D, embora ainda esteja atrás de alguns líderes tecnológicos como Coreia do Sul e EUA em termos percentuais.

Um componente crucial dessa estratégia é a formação de capital humano. A China tem investido pesadamente na expansão e melhoria de suas universidades e instituições de pesquisa, produzindo um número crescente de graduados em ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM). O país também tem buscado atrair de volta seus talentos que estudaram no exterior (o chamado “brain gain”) e até mesmo cientistas estrangeiros, oferecendo condições atraentes de pesquisa e oportunidades de carreira. Essa reserva de talentos é um recurso inestimável para a inovação.

A estratégia “Made in China 2025”, embora controversa internacionalmente, ilustra a ambição da China de dominar setores manufatureiros de alta tecnologia. O plano visa aumentar a autossuficiência em componentes e sistemas essenciais, bem como alcançar a liderança global em áreas como robótica, inteligência artificial, veículos elétricos e equipamentos aeroespaciais. Essa política envolve subsidios e apoio estatal a empresas domésticas, visando reduzir a dependência de tecnologia estrangeira e estabelecer a China como uma líder inovadora, gerando competição acirrada em muitos setores.

O governo também tem sido proativo em estabelecer padrões tecnológicos globais, especialmente na área de telecomunicações com o 5G, onde empresas como Huawei se tornaram líderes. Essa capacidade de definir normas e tecnologias futuras não apenas confere vantagem comercial, mas também influência geopolítica. A colaboração entre o setor público, universidades e empresas privadas é incentivada, criando um modelo de inovação que, embora por vezes criticado por práticas como a transferência forçada de tecnologia, tem sido eficaz em acelerar o desenvolvimento tecnológico.

O surgimento de gigantes tecnológicos chineses como Alibaba, Tencent, Baidu e ByteDance é um testemunho do sucesso dessa política. Essas empresas, muitas vezes com forte apoio governamental e acesso a um vasto mercado doméstico, não apenas replicaram modelos de negócios ocidentais, mas também inovaram e criaram suas próprias plataformas e tecnologias. Elas estão na vanguarda da transformação digital da China, com impacto que se estende desde o comércio eletrônico e pagamentos móveis até a inteligência artificial e computação em nuvem, impulsionando a economia de dados e a modernização.

A política de investimento em ciência e tecnologia tem sido crucial para a China ascender na cadeia de valor global, afastando-se da mera manufatura de baixo custo para se tornar uma potência em inovação e alta tecnologia. Essa mudança estratégica não só impulsiona o crescimento econômico e a competitividade, mas também é vista como essencial para a segurança nacional e a capacidade da China de exercer sua influência no cenário mundial, configurando o país como um competidor tecnológico formidável para as próximas décadas.

De que forma a urbanização transformou a sociedade e a economia?

A urbanização massiva na China é um dos fenômenos sociais e econômicos mais impressionantes da história recente, reconfigurando profundamente a sociedade e impulsionando o crescimento. Em poucas décadas, centenas de milhões de pessoas migraram das áreas rurais para as cidades, transformando a China de uma sociedade predominantemente agrária para uma urbana. Essa migração impulsionou a demanda por habitação, infraestrutura e serviços, criando um enorme motor de investimento e consumo. A paisagem chinesa foi alterada drasticamente, com o surgimento de megacidades dinâmicas e redes urbanas interconectadas.

A migração rural-urbana forneceu uma oferta abundante de mão de obra barata para as indústrias emergentes nas cidades costeiras e centros manufatureiros. Esses trabalhadores, conhecidos como nongmingong (trabalhadores migrantes), foram a espinha dorsal do boom industrial chinês, permitindo que as fábricas produzissem bens em massa a custos competitivos para o mercado global. Embora as condições de vida e trabalho fossem frequentemente desafiadoras, a urbanização ofereceu a esses migrantes a oportunidade de melhorar significativamente suas rendas e perspectivas de vida em comparação com a agricultura de subsistência, criando uma nova mobilidade social.

A urbanização também foi um grande impulsionador da demanda interna. À medida que as populações urbanas cresciam e as rendas aumentavam, a demanda por bens de consumo, moradias, infraestrutura de transporte e serviços de saúde e educação disparou. Esse consumo doméstico crescente se tornou um contrapeso importante para a economia orientada para a exportação, especialmente durante períodos de desaceleração da demanda global. O surgimento de uma vibrante classe média urbana transformou o perfil de consumo da China, gerando novas oportunidades de negócios em setores como varejo, entretenimento e turismo, atraindo novos investimentos.

Para acomodar essa explosão populacional urbana, o governo chinês embarcou em um programa de construção maciço de cidades, edifícios e infraestrutura. Isso incluiu a construção de novos arranha-céus, sistemas de transporte público eficientes, redes de saneamento e parques. Embora tenha gerado uma bolha imobiliária em algumas cidades e desafios de planejamento urbano, esse investimento também criou milhões de empregos no setor da construção civil e indústrias correlatas. A transformação física das cidades chinesas é um testemunho visível do rápido desenvolvimento do país, com centros urbanos se tornando modernos e multifuncionais.

A tabela a seguir mostra a evolução da taxa de urbanização na China:

Os dados evidenciam o salto notável na proporção da população vivendo em áreas urbanas em poucas décadas.

Apesar dos benefícios econômicos, a urbanização também trouxe desafios sociais e ambientais significativos. A disparidade de renda entre as áreas urbanas e rurais aumentou, assim como entre os próprios habitantes das cidades (migrantes versus moradores locais). O sistema de registro de domicílios (hukou) restringiu o acesso dos migrantes a serviços públicos essenciais em suas cidades de adoção, gerando uma camada de cidadãos de segunda classe. Além disso, a rápida expansão urbana e industrial contribuiu para uma severa poluição do ar e da água, bem como a escassez de recursos, exigindo ações urgentes do governo para mitigar os custos ambientais.

A urbanização chinesa, portanto, foi um fenômeno complexo e transformador. Ela impulsionou o crescimento econômico ao fornecer mão de obra, criar demanda interna e fomentar o investimento em infraestrutura. Ao mesmo tempo, apresentou desafios sociais e ambientais que a China continua a enfrentar. O processo de urbanização é um testemunho da capacidade da China de gerenciar mudanças em uma escala sem precedentes e continua a ser um elemento dinâmico na evolução de sua sociedade e economia no cenário global, com implicações para o planejamento futuro do país.

Quais os desafios sociais e ambientais surgidos com o rápido crescimento?

O crescimento econômico espetacular da China, embora tenha tirado centenas de milhões da pobreza, não veio sem um custo significativo em termos sociais e ambientais. A busca desenfreada por desenvolvimento material gerou uma série de desafios complexos que o governo chinês e a sociedade estão agora lutando para enfrentar. A disparidade de renda, a poluição ambiental e as pressões sobre a saúde pública são algumas das consequências mais proeminentes dessa trajetória de rápido avanço. A sustentabilidade se tornou uma preocupação crescente.

Um dos desafios sociais mais prementes é a crescente desigualdade de renda. Embora o PIB per capita tenha disparado, a distribuição da riqueza tornou-se cada vez mais desigual. As áreas costeiras e urbanas prosperaram muito mais rapidamente do que as regiões rurais e o interior do país. Isso criou uma lacuna substancial entre ricos e pobres, gerando tensões sociais e um sentimento de privação em algumas camadas da população. O coeficiente de Gini da China, uma medida de desigualdade, aumentou significativamente nas últimas décadas, indicando uma concentração de riqueza, apesar dos programas de alívio da pobreza.

A poluição ambiental representa uma ameaça existencial para a saúde pública e a sustentabilidade. Décadas de industrialização pesada, uso intensivo de carvão e regulamentação ambiental frouxa resultaram em níveis alarmantes de poluição do ar em muitas cidades, com impactos diretos na saúde respiratória da população. A poluição da água também é generalizada, com muitos rios e lagos contaminados por resíduos industriais e agrícolas, comprometendo o abastecimento de água potável. A degradação do solo e a perda de biodiversidade são outras preocupações ambientais sérias que exigem medidas drásticas.

A pressão sobre os recursos naturais é outro efeito colateral do crescimento. A China é o maior consumidor mundial de carvão, aço, cimento e outros minerais. Essa demanda massiva tem levado à exaustão de recursos domésticos e à crescente dependência de importações, com implicações para a segurança energética e a sustentabilidade global. A escassez de água, especialmente no norte da China, é uma preocupação crescente que pode limitar o desenvolvimento futuro e exige estratégias complexas de gestão de recursos hídricos para evitar uma crise iminente.

No âmbito social, a segurança alimentar e a saúde pública também são questões importantes. Escândalos alimentares, como o do leite contaminado em 2008, abalaram a confiança pública e evidenciaram as deficiências na regulamentação e fiscalização. O sistema de saúde, embora tenha melhorado, ainda enfrenta desafios em termos de acesso equitativo e qualidade, especialmente nas áreas rurais e para os trabalhadores migrantes. A explosão de doenças crônicas e não transmissíveis, muitas vezes relacionadas ao estilo de vida urbano e à poluição, adiciona pressão sobre o sistema de saúde.

A corrupção, embora o governo tenha lançado campanhas vigorosas para combatê-la, permanece um desafio persistente. A complexidade do sistema político-econômico e a falta de transparência em algumas áreas criam oportunidades para a corrupção, o que mina a confiança pública e pode distorcer a alocação de recursos. Essa questão é vista como uma ameaça à legitimidade do Partido Comunista e à estabilidade social, exigindo um esforço contínuo de fiscalização e reformas institucionais profundas.

Apesar dos desafios, o governo chinês tem demonstrado uma crescente conscientização sobre essas questões e tem implementado políticas para mitigá-las. Investimentos em energia renovável, controle da poluição, programas de bem-estar social e esforços anticorrupção são sinais de um reconhecimento da necessidade de um crescimento mais equilibrado e sustentável. A transição para uma “civilização ecológica” e um modelo de crescimento de “alta qualidade” indica uma mudança de prioridade, buscando equilibrar o desenvolvimento econômico com a sustentabilidade ambiental e a equidade social para o futuro.

Como a China expandiu sua influência geopolítica e diplomática?

A ascensão econômica da China foi acompanhada por uma expansão notável de sua influência geopolítica e diplomática, transformando-a de um ator regional recluso em um protagonista global. Essa expansão não se deu apenas através do poderio militar, mas, principalmente, por meio de uma estratégia abrangente de diplomacia econômica, soft power e participação ativa em instituições multilaterais. O objetivo tem sido remodelar a ordem internacional de forma mais favorável aos seus interesses e valores, criando uma rede complexa de alianças e parcerias.

Um dos principais veículos dessa expansão tem sido a diplomacia econômica. A Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI), lançada pelo Presidente Xi Jinping em 2013, é o exemplo mais proeminente, envolvendo investimentos massivos em infraestrutura em dezenas de países da Ásia, África, Europa e América Latina. A BRI não é apenas um projeto de desenvolvimento; é uma ferramenta estratégica para conectar a China a mercados e recursos, fomentar laços econômicos e, por extensão, políticos. Através de empréstimos e investimentos, a China cria dependências econômicas e influencia as decisões de política externa dos países parceiros.

• Investimentos maciços em infraestrutura global.
• Incentivo ao comércio bilateral e multilateral.
• Aumento da assistência ao desenvolvimento.
• Fortalecimento de alianças em fóruns como BRICS e G20.
• Uso de sua capacidade de fabricação para influência econômica.

Esses pontos destacam a natureza multifacetada da abordagem diplomática econômica chinesa.

A participação ativa em organizações internacionais e a criação de novas instituições também são componentes cruciais. A China tem se tornado cada vez mais vocal e influente em fóruns como a Organização das Nações Unidas (ONU), o Conselho de Segurança da ONU (onde é membro permanente), a Organização Mundial do Comércio (OMC) e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Além disso, Beijing liderou a criação de novas plataformas, como o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB) e o Banco de Desenvolvimento do BRICS, que oferecem alternativas às instituições dominadas pelo Ocidente e ampliam sua capacidade de financiamento e influência normativa.

O soft power, a capacidade de influenciar através da atração e persuasão em vez de coerção, também tem sido cultivado. A China promove sua cultura através dos Institutos Confúcio em todo o mundo, oferece bolsas de estudo para estudantes estrangeiros e investe na mídia estatal global para moldar a narrativa sobre a China. Embora o sucesso do soft power chinês seja debatido, esses esforços visam melhorar a imagem internacional da China e promover uma visão positiva de seu desenvolvimento e modelo de governança, contrapondo críticas sobre direitos humanos e práticas comerciais.

A China também tem aumentado sua presença diplomática em regiões estratégicas, como a África e a América Latina. Não apenas como fonte de recursos naturais, mas também como mercados para seus produtos e parceiros políticos. A diplomacia chinesa é caracterizada por uma política de “não interferência nos assuntos internos” de outros países, o que a torna atraente para regimes que desconfiam da condicionalidade ocidental. Essa abordagem, contudo, é por vezes criticada por ignorar questões de governança e direitos humanos em nome de parcerias puramente econômicas.

No âmbito da segurança, a China tem buscado resolver disputas de fronteira com alguns de seus vizinhos e tem se engajado em iniciativas de segurança regional, embora suas ações no Mar do Sul da China permaneçam uma fonte de tensão. A participação em missões de paz da ONU e o aumento da cooperação em questões como o combate ao terrorismo e a pirataria demonstram um maior engajamento em questões de segurança global, refletindo seu crescente status de grande potência e a necessidade de proteger seus interesses em constante expansão.

A ascensão da China como potência geopolítica e diplomática é um fenômeno complexo e multifacetado. Ela combina poderio econômico, investimento em infraestrutura, participação em instituições multilaterais e uma busca calculada por soft power. Essa expansão visa solidificar a posição da China como um líder global e reformar a governança internacional de acordo com seus próprios interesses e valores, marcando uma mudança fundamental no equilíbrio de poder mundial e gerando novas dinâmicas de competição e cooperação internacional.

Qual a evolução do poderio militar chinês e suas implicações globais?

A modernização e expansão do poderio militar chinês, especialmente do Exército de Libertação Popular (ELP), é uma das consequências mais significativas da ascensão econômica da China. Por décadas, o ELP foi uma força numerosa, mas tecnologicamente defasada. No entanto, o rápido crescimento econômico permitiu à China financiar um programa de modernização ambicioso, transformando-o em uma força militar cada vez mais sofisticada e capaz de projeção de poder além de suas fronteiras. Essa evolução tem profundas implicações para a segurança regional e global.

A modernização tem se concentrado na capacidade naval e aérea, bem como em tecnologias avançadas. A Marinha do ELP (PLAN) passou de uma força costeira para uma “marinha de águas azuis”, com a construção de porta-aviões, destróieres modernos, submarinos e fragatas. A Força Aérea do ELP (PLAAF) também modernizou sua frota com caças de quinta geração (como o J-20), bombardeiros de longo alcance e aeronaves de transporte. Esses investimentos visam não apenas a defesa territorial, mas também a projeção de poder e a proteção dos crescentes interesses marítimos e comerciais da China, especialmente no Mar do Sul da China.

A China também tem feito avanços significativos em tecnologias militares de ponta, como mísseis hipersônicos, armas antissatélite, guerra cibernética e inteligência artificial aplicada à defesa. Esses desenvolvimentos representam um desafio estratégico para potências militares estabelecidas, como os Estados Unidos, pois podem alterar o equilíbrio de poder em áreas-chave. A capacidade cibernética chinesa, em particular, é vista como uma ameaça crescente à infraestrutura crítica e à segurança de dados em todo o mundo.

Os gastos com defesa da China têm crescido consistentemente, tornando-o o segundo maior orçamento militar do mundo, embora ainda significativamente menor que o dos EUA em termos absolutos e per capita. Esse investimento reflete a determinação de Beijing em proteger seus interesses, tanto internos quanto externos, e em projetar sua influência. A opacidade dos gastos militares chineses, no entanto, gera preocupações sobre a verdadeira extensão de suas capacidades e intenções, contribuindo para a incerteza e desconfiança regional.

A China também tem expandido sua presença militar além-fronteiras, embora de forma limitada em comparação com os EUA. A base militar chinesa em Djibouti, no Chifre da África, é um exemplo de sua crescente capacidade de apoiar operações navais e proteger suas rotas comerciais. A participação chinesa em missões de paz da ONU também aumentou, demonstrando um engajamento mais ativo em questões de segurança global, ao mesmo tempo em que serve como experiência para suas forças armadas.

As implicações globais do poderio militar chinês são multifacetadas. Por um lado, levanta preocupações entre seus vizinhos e nos Estados Unidos sobre a estabilidade regional, especialmente em relação a Taiwan, ao Mar do Sul da China e às disputas territoriais. Por outro lado, a China defende sua modernização como uma necessidade legítima para sua defesa e para proteger seus interesses econômicos e de segurança em um mundo complexo. O equilíbrio de poder na Ásia-Pacífico está mudando, e isso exige uma reavaliação das estratégias de segurança por parte de todos os atores envolvidos.

Os dados mostram a segunda posição da China em gastos militares globais, refletindo seu forte investimento na área.

A evolução do poderio militar chinês é um fator-chave na reconfiguração da ordem internacional. A China não é mais apenas uma potência econômica; está se tornando uma potência militar de primeira linha, com a capacidade de projetar poder e proteger seus interesses globalmente. Essa mudança tem levado a uma corrida armamentista regional e a um aumento da competição estratégica com os EUA, moldando as dinâmicas de segurança e estabilidade para as próximas décadas e exigindo uma diplomacia cuidadosa para evitar escaladas.

De que maneira a Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI) redefiniu as relações internacionais?

A Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI), também conhecida como “Nova Rota da Seda”, lançada pelo Presidente Xi Jinping em 2013, é o projeto de infraestrutura e investimento mais ambicioso da história moderna. Ela visa conectar a China à Ásia, África e Europa através de uma vasta rede de rotas marítimas e terrestres, portos, ferrovias, estradas e oleodutos. A BRI não é meramente um projeto econômico; é uma ferramenta geopolítica estratégica que está redefinindo as relações internacionais, criando novas esferas de influência e alterando a dinâmica global de poder e comércio.

A BRI representa uma abordagem fundamentalmente diferente do modelo ocidental de desenvolvimento e cooperação. Em vez de condicionalidades políticas ou foco em direitos humanos, a China oferece financiamento e expertise em infraestrutura com poucas amarras aparentes, tornando-se uma alternativa atraente para países em desenvolvimento que buscam investimento e conectividade. Isso permitiu à China expandir sua influência em regiões onde a presença ocidental era limitada ou percebida como excessivamente intervencionista, preenchendo um vácuo de financiamento para grandes projetos.

Economicamente, a BRI busca fortalecer os laços comerciais e de investimento entre a China e os países participantes. Ao melhorar a infraestrutura de transporte e logística, a iniciativa visa reduzir os custos de comércio e aumentar a conectividade, facilitando o fluxo de bens, capitais e pessoas. Isso beneficia a China ao garantir o acesso a matérias-primas e novos mercados para seus produtos e serviços, ao mesmo tempo em que exporta sua capacidade excedente de construção. No entanto, a sustentabilidade financeira dos projetos e a capacidade de pagamento dos países receptores são preocupações constantes.

A BRI também tem implicações geopolíticas significativas. Ao criar dependências econômicas e fortalecer laços com dezenas de países, a China aumenta sua influência política e diplomática. A iniciativa é vista por alguns analistas como uma tentativa de Beijing de construir uma ordem internacional mais centrada na Ásia e menos dominada pelos EUA, estabelecendo uma “esfera de coprosperidade” com a China no centro. As bases militares chinesas, como em Djibouti, e o controle de portos estratégicos, como Hambantota no Sri Lanka, levantam preocupações sobre as intenções estratégicas de longo prazo.

Apesar dos benefícios potenciais, a BRI tem enfrentado críticas e controvérsias. Preocupações com a “diplomacia da dívida” são frequentes, onde países de baixa renda podem se endividar excessivamente com a China, potencialmente perdendo controle sobre ativos estratégicos caso não consigam pagar. Há também questionamentos sobre a transparência dos contratos, a sustentabilidade ambiental dos projetos e a contratação de mão de obra chinesa em detrimento de trabalhadores locais. Essas críticas têm levado a uma reavaliação e, em alguns casos, renegociação de projetos da BRI.

A tabela a seguir apresenta alguns exemplos de projetos da BRI:

Estes exemplos ilustram a diversidade geográfica e tipológica dos investimentos da BRI.

A Iniciativa do Cinturão e Rota, portanto, não é apenas um plano de desenvolvimento de infraestrutura; é uma expressão ambiciosa do poder e da visão da China para uma nova ordem global. Ela está moldando paisagens econômicas e políticas em continentes, desafiando a hegemonia ocidental e redefinindo as relações internacionais ao criar uma rede de interdependência centrada em Beijing. Seu impacto de longo prazo ainda está se desenrolando, mas é inegável que a BRI é uma das forças mais transformadoras da geopolítica contemporânea.

Como a China se posiciona na corrida tecnológica global, especialmente em IA e 5G?

A China se posiciona de forma cada vez mais assertiva na corrida tecnológica global, com ambições claras de se tornar um líder mundial, especialmente em áreas como Inteligência Artificial (IA) e 5G. Essa prioridade reflete a compreensão de que o domínio tecnológico é fundamental para o poder econômico, a segurança nacional e a influência geopolítica no século XXI. A abordagem chinesa combina um vasto mercado doméstico, forte apoio governamental e um ecossistema de inovação dinâmico.

No campo da Inteligência Artificial (IA), a China tem investido pesadamente em pesquisa e desenvolvimento, atraindo e formando talentos, e aplicando a IA em uma vasta gama de setores. Empresas chinesas como Baidu, Alibaba, Tencent e SenseTime estão na vanguarda da inovação em IA, desenvolvendo desde reconhecimento facial e processamento de linguagem natural até cidades inteligentes e veículos autônomos. A China tem uma vantagem de dados devido à sua enorme população e menos restrições à coleta de dados, o que é crucial para o treinamento de algoritmos de IA. O governo também estabeleceu um plano nacional de desenvolvimento de IA, visando a liderança global até 2030, direcionando recursos e políticas para este objetivo.

Quanto ao 5G, a China, através de empresas como Huawei e ZTE, emergiu como uma líder mundial no desenvolvimento e implantação dessa tecnologia de rede de última geração. A infraestrutura de 5G é vista como a espinha dorsal para a próxima era da conectividade e da “Internet das Coisas” (IoT). A Huawei, em particular, alcançou uma posição dominante no mercado global de equipamentos 5G, apesar das crescentes pressões e sanções dos Estados Unidos, que citam preocupações de segurança. Essa liderança permite à China influenciar os padrões tecnológicos globais e posicionar suas empresas no centro da futura economia digital.

A estratégia tecnológica chinesa também envolve a autossuficiência em áreas-chave, especialmente em semicondutores. A dependência de tecnologia de chips estrangeira é vista como uma vulnerabilidade estratégica, levando a investimentos maciços e políticas de apoio para desenvolver uma indústria de semicondutores doméstica robusta. Embora ainda haja um longo caminho a percorrer para alcançar a paridade com líderes como Taiwan e Coreia do Sul nesse setor, o compromisso do governo em reduzir essa dependência é inabalável, com grandes subsídios e planos de longo prazo sendo implementados.

A China busca estabelecer seus próprios padrões tecnológicos e promover seu modelo de desenvolvimento digital, que integra controle estatal e empresas privadas. Isso se manifesta na promoção de sua própria internet e plataformas digitais (o “Grande Firewall” e a ausência de empresas de tecnologia ocidentais como Google e Facebook). Essa abordagem permite ao governo chinês manter um maior controle sobre a informação e a inovação, ao mesmo tempo em que nutre um ecossistema digital doméstico vasto e inovador, gerando uma dinâmica única de desenvolvimento.

A competição tecnológica com os Estados Unidos é um aspecto central dessa corrida global. Os EUA têm respondido à ascensão tecnológica da China com restrições comerciais, proibições de tecnologia e esforços para convencer seus aliados a evitar o uso de equipamentos chineses, especialmente o 5G da Huawei. Essa “guerra tecnológica” entre as duas maiores economias do mundo tem implicações globais para as cadeias de suprimentos, a inovação e o futuro da internet, com países menores muitas vezes forçados a escolher lados ou equilibrar interesses.

A posição da China na corrida tecnológica global é de um competidor feroz e ambicioso. Com uma estratégia clara, vastos recursos e um ambiente propício à inovação (apesar das restrições políticas), a China está rapidamente se consolidando como uma potência tecnológica líder. O seu sucesso em IA e 5G não só impulsiona a sua própria economia e modernização, mas também tem o potencial de redefinir as estruturas de poder global e a natureza da economia digital para as próximas décadas, com impacto em diversos setores.

Quais as características do modelo de governança política que sustenta a ascensão?

O modelo de governança política da China, um sistema unipartidário dominado pelo Partido Comunista Chinês (PCC), é uma característica central e distintiva que sustentou sua ascensão. Ao contrário de muitas nações que adotaram democracias liberais para impulsionar o crescimento, a China manteve um controle político rígido e centralizado, combinando-o com reformas econômicas de mercado. Essa “ditadura do desenvolvimento” tem sido crucial para a estabilidade, a capacidade de implementar políticas de longo prazo e a mobilização massiva de recursos.

A legitimidade do PCC, após as reformas, passou a depender fortemente de sua capacidade de entregar crescimento econômico e melhorar as condições de vida da população. Essa “performance legitimacy” (legitimidade de desempenho) incentivou o Partido a priorizar o desenvolvimento e a modernização, resultando em um foco pragmático em resultados. O controle sobre os meios de comunicação e a internet, através do “Grande Firewall”, permite ao PCC moldar a narrativa pública e conter dissidências, mantendo a estabilidade social e política, mesmo em face de profundas transformações.

A capacidade de planejamento de longo prazo e a implementação de políticas em larga escala são vantagens inerentes a um sistema autoritário. O governo chinês pode embarcar em megaprojetos de infraestrutura, planos industriais de décadas (como o “Made in China 2025”) e reformas sociais complexas sem as interrupções ou vetos de múltiplos partidos ou eleições periódicas. Essa coordenação centralizada e a capacidade de direcionar recursos maciços para objetivos estratégicos permitiram a rápida industrialização e modernização tecnológica. A visão unificada do PCC direciona a nação.

O PCC também implementou um sistema de meritocracia seletiva na promoção de quadros. Embora as lealdades políticas sejam cruciais, há uma ênfase crescente na capacidade técnica e na experiência em gestão para ascender nas fileiras do Partido e do governo. Isso visa garantir que a liderança tenha a competência necessária para gerir uma economia e uma sociedade complexas. No entanto, a ausência de mecanismos de responsabilização democráticos e a opacidade do processo de tomada de decisões são fontes de preocupação, gerando desafios para a transparência governamental.

A combinação de controle político e liberalização econômica permitiu ao PCC experimentar com políticas de mercado sem perder o controle sobre a direção geral da economia. As empresas estatais (SOEs) ainda desempenham um papel dominante em setores estratégicos, e