Intentona Comunista: o que foi, causas e impactos

O que foi a Intentona Comunista de 1935?

A Intentona Comunista de 1935 representa um capítulo dramático e sangrento na história política brasileira, marcando um dos mais significativos levantes armados contra o governo provisório de Getúlio Vargas. Este evento não foi um simples motim, mas uma tentativa coordenada de diversas guarnições militares e civis em diferentes pontos do país, visando a derrubada do regime estabelecido e a instauração de um governo popular. Organizado principalmente pela Aliança Nacional Libertadora (ANL), que possuía forte influência do Partido Comunista do Brasil (PCB), o movimento buscou capitalizar o crescente descontentamento social e a efervescência política da época.

O levante eclodiu em 23 de novembro de 1935 em Natal, Rio Grande do Norte, espalhando-se rapidamente para outras regiões como Recife, Pernambuco, e culminando na capital federal, o Rio de Janeiro, em 27 de novembro. Os rebeldes, muitos deles militares de baixa patente e sargentos, juntamente com civis armados, acreditavam que a tomada de quartéis e edifícios estratégicos geraria uma onda de apoio popular que levaria ao colapso do governo. Essa expectativa, no entanto, não se concretizou na escala esperada, demonstrando uma falha na avaliação da capacidade de mobilização e da lealdade das forças armadas ao regime.

Apesar da audácia da iniciativa, a Intentona foi rapidamente contida pelas forças leais ao governo, que agiram com determinação e considerável força. A repressão que se seguiu foi implacável, resultando na prisão de milhares de pessoas, muitas delas submetidas a tortura e julgamentos sumários. Esse período de perseguição intensificou a polarização política no Brasil, aprofundando as divisões entre as correntes ideológicas e fortalecendo o discurso anticomunista do governo. A Intentona, assim, não apenas falhou em seus objetivos imediatos, mas também serviu de catalisador para medidas ainda mais autoritárias por parte do Estado.

Os idealizadores do movimento, imbuídos de uma visão revolucionária, visavam romper com a estrutura de poder oligárquica e promover uma reforma agrária profunda, além de nacionalizar empresas estratégicas e implementar uma ampla política social. As propostas da ANL, embora radicais para a época, ecoavam sentimentos de injustiça e desigualdade amplamente presentes na sociedade brasileira. A influência soviética, embora presente na orientação ideológica do PCB, não se traduziu em apoio material significativo para a escala da empreitada, revelando uma autonomia relativa da organização interna.

O caráter surpreendente do levante, especialmente em regiões como o Nordeste, demonstrou a capacidade de articulação clandestina do movimento, mesmo sob vigilância governamental. A coordenação, ainda que falha em alguns aspectos logísticos, evidenciou a presença de células organizadas e um plano de ação detalhado. A simultaneidade desejada das ações não se concretizou plenamente, o que permitiu ao governo focar suas forças e esmagar cada foco de rebelião de forma isolada. A falta de um comando central unificado e eficaz em tempo real também contribuiu para a desarticulação das frentes.

Este evento marcou um ponto de virada na trajetória política de Vargas, permitindo-lhe consolidar seu poder e justificar a adoção de medidas de exceção que pavimentariam o caminho para o Estado Novo. A Intentona, portanto, não pode ser compreendida apenas como um fracasso comunista, mas também como um momento crucial que redefiniu o arcabouço legal e institucional do Brasil, com profundas consequências para as liberdades civis e a participação política. A memória deste levante continuaria a ser usada como justificativa para a repressão política por décadas.

As raízes do movimento estavam profundamente entrelaçadas com as tensões sociais e econômicas do período pós-Revolução de 1930, onde as expectativas de mudança não haviam sido plenamente atendidas para amplos setores da população. A ascensão de Vargas ao poder, inicialmente com um discurso reformista, logo se mostrou mais autoritária, criando um caldo de cultura propício para a radicalização política de grupos de esquerda e de direita. A polarização ideológica era uma característica marcante do cenário mundial, e o Brasil não estava imune a essas influências globais da década de 1930.

Quais foram as principais causas e o contexto político para a Intentona?

O Brasil da década de 1930 era um caldeirão de tensões sociais e políticas, um cenário fértil para a radicalização ideológica que culminaria na Intentona Comunista. A Revolução de 1930 havia derrubado a República Velha e trazido Getúlio Vargas ao poder, mas as promessas de democratização e justiça social demoravam a se materializar para muitos. A instabilidade econômica global, com a Grande Depressão, impactava severamente a economia brasileira, baseada principalmente na exportação de café, gerando desemprego e miséria nas cidades e no campo. Essa crise estrutural alimentava o descontentamento popular e a busca por alternativas radicais.

No plano político, o governo Vargas, que começou como provisório, caminhava para uma centralização crescente do poder, com a Constituição de 1934 mantendo um caráter de controle e repressão latente. A polarização entre as forças de esquerda, representadas principalmente pela Aliança Nacional Libertadora (ANL) e o Partido Comunista do Brasil (PCB), e as forças de direita, como a Ação Integralista Brasileira (AIB), acirrava-se dramaticamente. A ANL, com seu discurso antifascista e anti-imperialista, atraía um vasto leque de setores descontentes, incluindo militares, intelectuais e operários, unindo-se em torno de uma plataforma de reformas e soberania nacional.

A ascensão do fascismo na Europa, especialmente na Itália e Alemanha, e a consolidação do comunismo na União Soviética, influenciavam fortemente o debate ideológico no Brasil. O PCB, embora ainda pequeno em número de membros, possuía uma estrutura organizada e uma disciplina partidária que o tornava uma força a ser considerada. A Terceira Internacional Comunista (Comintern) exercia uma orientação estratégica sobre os partidos comunistas ao redor do mundo, incentivando a luta contra o fascismo e a formação de frentes populares, o que influenciou a criação da ANL como uma frente ampla de oposição.

A repressão governamental, que se intensificava gradualmente, também serviu como um catalisador para a revolta. A Lei de Segurança Nacional de 1935, promulgada em abril, conferia amplos poderes ao Estado para perseguir e prender opositores, especialmente aqueles rotulados como subversivos. Essa legislação foi interpretada pelos grupos de esquerda como uma declaração de guerra contra seus direitos e sua existência, alimentando a crença de que a única saída seria a luta armada. A ilegalidade da ANL, decretada em julho de 1935, após um discurso de Luís Carlos Prestes, confirmou a rota de colisão iminente.

As frustrações dos tenentes, militares jovens que haviam participado da Revolução de 1930 e esperavam uma reforma mais profunda do exército e do país, também contribuíram para o caldo da insatisfação. Muitos desses tenentes, desiludidos com os rumos do governo Vargas, passaram a integrar os quadros da ANL e do PCB, trazendo consigo experiência militar e acesso a redes dentro das Forças Armadas. A adesão de figuras como Luís Carlos Prestes, ex-líder da Coluna Prestes e conhecido como o “Cavaleiro da Esperança”, conferiu ao movimento um simbolismo poderoso e um apelo popular significativo, atraindo a atenção de setores urbanos e rurais.

A questão agrária, com a concentração de terras e a miséria no campo, somava-se às demandas urbanas por melhores condições de trabalho e moradia. A desigualdade social era palpável, e as promessas de um “Brasil Novo” pareciam distantes para a maioria da população. Os comunistas exploravam essas fragilidades, apresentando-se como a única força capaz de promover uma verdadeira transformação social. O clima de radicalização ideológica e a percepção de que a via democrática estava se fechando impulsionaram a decisão de alguns setores da esquerda em optar pela ação direta e pela insurreição armada como último recurso.

A decisão de partir para a insurreição foi, portanto, o resultado de uma complexa interação de fatores: crise econômica, polarização ideológica, repressão governamental, influência internacional e o descontentamento generalizado com os rumos políticos do país. O ambiente de grande efervescência política e a crença de que o governo Vargas era vulnerável criaram as condições para que a liderança comunista e seus aliados na ANL vissem na sublevação uma chance real de mudar o cenário político brasileiro de forma abrupta e definitiva, marcando um dos pontos mais tensos da história republicana.

Quem foram os principais líderes e figuras envolvidas no levante?

A Intentona Comunista de 1935 teve diversas figuras centrais, mas sem dúvida Luís Carlos Prestes emerge como a mais proeminente e carismática. Conhecido como o “Cavaleiro da Esperança” desde seus tempos na Coluna Prestes, Prestes havia se exilado na União Soviética, onde aderiu ao comunismo e se tornou uma figura de destaque na Comintern. Sua volta clandestina ao Brasil em 1934, com a missão de organizar a revolução, energizou o movimento comunista e a Aliança Nacional Libertadora (ANL). Sua liderança, embora simbólica e estratégica, foi fundamental para a articulação e o planejamento do levante, imprimindo uma aura de heroísmo e determinação ao projeto revolucionário.

Além de Prestes, que era o líder político-militar, a organização do levante contou com a participação de outros intelectuais e militantes do Partido Comunista do Brasil (PCB). Entre eles, destacam-se Harry Berger, um agente da Comintern de origem alemã, cujo nome verdadeiro era Arthur Ernst Ewert, responsável por trazer instruções e financiamento de Moscou. Berger desempenhou um papel crucial na ligação entre o PCB e a cúpula soviética, além de atuar diretamente na coordenação da revolta. Sua experiência internacional e sua capacidade organizativa eram valorizadas pelos líderes brasileiros, que viam nele um elo com a revolução mundial.

No campo militar, a Intentona envolveu vários oficiais e sargentos do Exército, da Marinha e da Força Pública, descontentes com o governo Vargas. Um dos nomes importantes foi o do capitão Agildo Barata, militar que se aproximou do comunismo e atuou ativamente na organização das células revolucionárias dentro dos quartéis. Sua participação revelava a insatisfação de setores militares com os rumos políticos do país e a crescente centralização do poder. Outro militar de destaque foi o sargento Antônio de Paula, figura atuante no levante do Rio Grande do Norte, demonstrando a capilaridade da ideia revolucionária em diversas patentes.

A ANL, como frente ampla, também atraiu muitos civis, intelectuais e artistas que se identificavam com suas pautas antifascistas e sociais. Embora não fossem líderes militares do levante, figuras como o escritor Jorge Amado e o arquiteto Oscar Niemeyer, ambos simpatizantes da ANL, representavam o apoio de amplos setores da sociedade civil às ideias progressistas da Aliança. Essas figuras, embora não diretamente envolvidas na ação armada, contribuíram para a legitimação intelectual e a ampliação do alcance das propostas da ANL, atraindo a atenção de setores urbanos e intelectuais.

A esposa de Prestes, Olga Benário Prestes, uma militante comunista alemã e agente da Comintern, também teve um papel significativo. Ela veio ao Brasil acompanhando Prestes, atuando como sua segurança e auxiliar na organização. Sua história trágica, culminando em sua deportação para a Alemanha Nazista e morte em campo de concentração, tornou-se um símbolo da brutalidade da repressão e da luta antifascista. A presença de Olga ressalta o caráter internacionalista do movimento e a complexidade das redes de solidariedade e militância da época.

No Nordeste, as lideranças locais desempenharam um papel crucial na eclosão e desenvolvimento dos levantes regionais. Em Natal, João Batista de Lima, sargento do Exército, foi uma figura chave na liderança da revolta. Em Recife, o capitão Carlos da Costa Leite e outros oficiais militares também foram importantes na articulação do movimento, que teve uma adesão considerável em Pernambuco. Essas lideranças regionais mostram que a Intentona não foi apenas um plano centralizado no Rio de Janeiro, mas também uma série de ações coordenadas, embora nem sempre sincronizadas, em diversas partes do país.

A complexa rede de envolvidos incluía ainda muitos militantes anônimos, operários, camponeses e estudantes que, inspirados pelas ideias de justiça social e liberdade, aderiram à causa da ANL e do PCB. Esses indivíduos, muitas vezes com pouca ou nenhuma experiência militar, estavam dispostos a arriscar suas vidas em prol de uma sociedade mais igualitária. A presença desses diversos estratos sociais demonstra a amplitude do apelo revolucionário da época e a capacidade de mobilização da ANL, que conseguiu atrair pessoas de diferentes origens para a causa comunista.

Qual foi o papel da Aliança Nacional Libertadora (ANL) no planejamento?

A Aliança Nacional Libertadora (ANL) desempenhou um papel central e indispensável no planejamento e na execução da Intentona Comunista de 1935. Fundada em março de 1935, a ANL surgiu como uma frente política ampla, aglutinando diversas correntes de oposição ao governo Vargas, desde setores da classe média e intelectualidade até operários, camponeses e militares insatisfeitos. Seu programa, embora inicialmente de caráter antifascista e nacionalista, foi progressivamente influenciado pelo Partido Comunista do Brasil (PCB), que buscava construir uma base de massas para a revolução, seguindo as diretrizes da Comintern de formar frentes populares contra o fascismo.

A ANL, com seu programa que defendia a suspensão do pagamento da dívida externa, a nacionalização das empresas estrangeiras, a reforma agrária, a democratização do ensino e a proteção dos direitos dos trabalhadores, conseguiu atrair um vasto apoio popular. A figura de Luís Carlos Prestes, elevado a presidente de honra da Aliança, conferiu-lhe um prestígio e uma capacidade de mobilização inigualáveis. A ANL, na prática, tornou-se a fachada legal através da qual o PCB operava, buscando angariar simpatizantes e expandir sua influência para além dos círculos restritos da militância comunista.

O planejamento estratégico do levante, embora centralizado na cúpula do PCB e com a orientação de Prestes e Harry Berger, utilizou a estrutura organizativa da ANL para difundir as ideias revolucionárias e para recrutar novos membros, especialmente entre os militares. As células da ANL, presentes em diversas cidades e quartéis, serviram como núcleos de organização e treinamento para os futuros insurgentes. A Aliança promovia comícios, publicava jornais e manifestos, criando um clima de efervescência política e preparando o terreno para a ação armada que se avizinhava.

O discurso de Prestes em 5 de julho de 1935, no qual ele criticava duramente o governo e conclamava à revolução, serviu como o estopim para a ilegalidade da ANL. Após esse evento, o governo Vargas intensificou a repressão, fechando a sede da Aliança e prendendo muitos de seus membros. Essa ação governamental, no entanto, não desmobilizou o movimento; pelo contrário, alguns de seus líderes interpretaram a ilegalidade como a prova de que a via democrática estava esgotada, e a única alternativa seria a insurreição armada. A clandestinidade forçada impulsionou a decisão final de deflagrar o levante.

A estrutura da ANL, com sua capacidade de penetração em diferentes setores sociais, foi vital para a formação das chamadas “frentes de luta”. Estas frentes incluíam operários, camponeses e, crucialmente, militares, que eram os pilares da estratégia de tomada de poder. Os líderes comunistas, através da ANL, buscavam desencadear uma revolução que não fosse apenas militar, mas também social, com a participação ativa das massas populares. A mobilização ideológica e o convencimento foram tarefas contínuas da Aliança, preparando a população para um possível levante.

Apesar de seu papel organizador, a ANL enfrentou desafios significativos, como a falta de recursos materiais suficientes e a dificuldade de manter a coesão ideológica entre suas diversas facções. A pressa na execução do plano, em parte impulsionada pela iminência da repressão e pela impaciência de alguns líderes, comprometeu a coordenação e o sigilo de algumas operações. A sobreposição entre a ANL e o PCB, embora estratégica, também gerou ambiguidades sobre quem de fato controlava as decisões e as ações, evidenciando uma liderança compartilhada e, por vezes, confusa.

O legado da ANL no planejamento da Intentona reside na sua capacidade de congregar forças heterogêneas em torno de um projeto revolucionário, mesmo que este tenha sido abortado. Sua existência demonstra a profundidade da polarização política no Brasil daquele período e a disposição de diversos grupos em recorrer à luta armada para alcançar seus objetivos. A Aliança, mesmo após seu fechamento e a derrota da Intentona, permaneceu como um símbolo da resistência e da luta por transformações sociais, inspirando movimentos posteriores e marcando a memória da esquerda brasileira por muitas décadas.

Como se deu a articulação do levante no Rio Grande do Norte?

A eclosão da Intentona Comunista no Rio Grande do Norte, em 23 de novembro de 1935, marcou o início das ações armadas e surpreendeu o governo federal com sua repentina audácia. A articulação do levante na capital, Natal, foi um exemplo da capacidade de penetração do Partido Comunista do Brasil (PCB) e da Aliança Nacional Libertadora (ANL) em setores militares de baixa patente. A cidade, um ponto estratégico no Nordeste, era vista como um local propício para a deflagração da revolta devido à presença de células organizadas e à insatisfação em alguns quartéis, especialmente entre sargentos e praças.

A liderança local do movimento em Natal estava principalmente nas mãos do sargento João Batista de Lima, que, em coordenação com a cúpula do PCB, preparou a sublevação. A estratégia consistia em tomar os principais pontos de defesa da cidade, incluindo os quartéis, a delegacia de polícia e os correios, garantindo o controle das comunicações e da segurança pública. Os planos foram cuidadosamente elaborados, contando com a adesão de militares do 20º Batalhão de Caçadores e de elementos da Polícia Militar. Acreditava-se que o sucesso em Natal serviria de incentivo e sinal para as outras frentes do levante em todo o país.

Na madrugada do dia 23, os insurgentes agiram. O 20º Batalhão de Caçadores foi tomado pelos rebeldes, que prenderam os oficiais que não aderiram e armaram os soldados que se juntaram à causa. O levante foi caracterizado por uma ação rápida e decisiva, que pegou as autoridades locais de surpresa. Os rebeldes hastearam a bandeira vermelha sobre os quartéis e proclamaram um “governo popular revolucionário”, que duraria apenas alguns dias, mas que representou um momento de esperança para os simpatizantes do movimento comunista na região.

A rapidez da tomada de Natal permitiu aos rebeldes assumir o controle da cidade, estabelecendo uma junta governamental provisória. Eles libertaram prisioneiros políticos, anunciaram medidas populares e tentaram organizar a defesa da cidade contra a provável reação governamental. Essa fase inicial de sucesso, no entanto, foi efêmera e ilusória. A falta de coordenação imediata com as outras frentes, especialmente a de Recife, e a reação governamental rápida e contundente, logo colocariam um fim à insurreição na capital potiguar.

O governo Vargas, ao ser informado da revolta em Natal, agiu com extrema presteza e mobilizou tropas federais para conter o levante. A resposta militar foi imediata e avassaladora, com o envio de aviões e contingentes terrestres para a região. As forças leais ao governo, numericamente superiores e com melhor armamento, cercaram a cidade e iniciaram a ofensiva para retomar o controle. A desigualdade de forças era evidente, e a resistência dos rebeldes, embora valente, estava fadada ao fracasso diante da potência do Estado.

A rebelião em Natal foi sufocada em poucos dias, com os rebeldes sendo derrotados e dispersos pelas tropas governistas. Muitos foram presos, alguns mortos em combate, e outros conseguiram fugir, mas a tentativa de estabelecer um “poder revolucionário” no Rio Grande do Norte foi frustrada rapidamente. O episódio de Natal, apesar de seu desfecho, demonstrou a capacidade de articulação do movimento comunista em diferentes estados e a disposição de alguns militares em aderir à causa revolucionária, subestimando, entretanto, a força da reação governamental.

A experiência de Natal serviu como um alerta para o governo e, ao mesmo tempo, como uma lição amarga para os comunistas sobre a dificuldade de sustentar um levante sem apoio massivo e coordenado. As ações no Rio Grande do Norte, embora pontuais, foram um marco na história da Intentona, simbolizando a audácia da iniciativa e a brutalidade da repressão que se seguiria, deixando uma cicatriz profunda na memória política da região e do país. A rápida derrota em Natal, inclusive, permitiu ao governo Vargas antecipar e preparar-se melhor para os próximos focos de rebelião.

Quais foram os eventos e o desfecho da rebelião em Pernambuco?

A rebelião em Pernambuco, que se concentrou principalmente em Recife, eclodiu em 24 de novembro de 1935, um dia após o levante de Natal. A cidade, um importante centro econômico e político do Nordeste, era vista pela cúpula comunista como um alvo estratégico para a consolidação da revolução na região. A articulação do movimento em Recife contava com a participação de militares do 21º Batalhão de Caçadores e de elementos da Força Pública, além de civis ligados à Aliança Nacional Libertadora (ANL) e ao Partido Comunista do Brasil (PCB). A expectativa era de que o sucesso em Pernambuco, somado ao de Natal, criasse uma base sólida para a propagação da insurreição.

Os rebeldes em Recife, sob a liderança do capitão Carlos da Costa Leite e outros oficiais ligados ao PCB, iniciaram a insurreição com a tomada do 21º Batalhão de Caçadores. A ação foi marcada por confrontos intensos, resultando na morte de oficiais leais ao governo e na prisão daqueles que resistiram. Os insurgentes conseguiram ocupar pontos estratégicos da cidade, como a usina de energia elétrica, a central telefônica e os prédios governamentais. A velocidade e a violência dos primeiros momentos da rebelião pegaram as autoridades de surpresa, gerando um clima de incerteza e pânico na capital pernambucana.

Diferentemente de Natal, a resistência das forças legalistas em Recife foi mais imediata e organizada, apesar do sucesso inicial dos rebeldes. Oficiais e soldados que não aderiram à revolta conseguiram se reagrupar e organizar a defesa. A mobilização de tropas federais de outras regiões, como a Paraíba, também foi rápida, com o governo Vargas enviando reforços significativos para sufocar o levante. A capital pernambucana se tornou palco de combates urbanos, com tiroteios nas ruas e confrontos diretos entre rebeldes e forças governamentais, marcando um dos momentos mais sangrentos da Intentona no Nordeste.

O isolamento geográfico das rebeliões de Natal e Recife, sem uma coordenação logística e militar eficaz entre elas, foi um fator crucial para o seu fracasso. Embora o plano fosse a eclosão simultânea, a falha na comunicação e a resposta rápida do governo impediram que os focos de insurreição se apoiassem mutuamente. O governo federal conseguiu concentrar suas forças em cada cidade, esmagando os levantes um por um. A falta de apoio popular maciço também se mostrou um obstáculo intransponível para os rebeldes de Pernambuco, que não conseguiram ampliar sua base para além dos militares e militantes comunistas.

O desfecho da rebelião em Recife foi a derrota dos insurgentes em menos de 72 horas. As forças legalistas, após intensos combates, conseguiram retomar o controle da cidade, desarticulando os focos de resistência comunista. Muitos rebeldes foram mortos em combate, e um número ainda maior foi preso, submetido a torturas e interrogatórios brutais. A repressão subsequente em Pernambuco foi implacável, com varreduras em bairros e perseguições a quaisquer suspeitos de envolvimento com o movimento, aprofundando o clima de medo e vigilância na região.

O impacto da Intentona em Pernambuco foi profundo, deixando um rastro de destruição e polarização política. A memória do levante serviu, por anos, como justificativa para a perseguição de dissidentes e a consolidação de um regime autoritário. A tragédia dos envolvidos, muitos dos quais eram jovens ideais, ressalta a brutalidade do confronto ideológico na década de 1930. A derrota em Recife, assim como em Natal, expôs as fragilidades do planejamento comunista e a força da máquina repressiva do governo Vargas.

Apesar do fracasso militar, a rebelião em Pernambuco permanece um marco histórico que revela a ousadia do movimento comunista e a disposição de alguns setores militares em lutar por um projeto de transformação radical. A violência dos embates na cidade e a severidade da repressão demonstraram a determinação do governo em sufocar qualquer ameaça à sua autoridade, preparando o terreno para um período de autoritarismo ainda maior no país. A Intentona, em suas diversas manifestações regionais, consolidou a narrativa de uma ameaça comunista iminente, convenientemente utilizada pelo regime varguista.

Como a Intentona se manifestou e foi contida no Rio de Janeiro?

A manifestação da Intentona Comunista no Rio de Janeiro, então capital federal, foi a mais aguardada e, para os líderes do movimento, a mais decisiva para o sucesso da revolução. A deflagração na capital ocorreu em 27 de novembro de 1935, dias após os levantes no Nordeste, o que comprometeu o elemento surpresa e a coordenação geral. Acreditava-se que a tomada do Rio de Janeiro, centro do poder político e militar, com a adesão de importantes guarnições, levaria à derrubada imediata de Vargas e ao triunfo da revolução. O plano era ousado e complexo, envolvendo a sublevação de unidades militares chave.

Os principais focos da rebelião na capital foram os quartéis do 3º Regimento de Infantaria na Praia Vermelha, o Batalhão de Fuzileiros Navais na Ilha das Cobras e a Escola Militar do Realengo. A escolha desses locais não foi aleatória; eles abrigavam militares com simpatia pela causa comunista ou que estavam descontentes com o governo. A ação na Praia Vermelha foi a mais emblemática, com os insurgentes, liderados por militares como Capitão Agildo Barata, tomando o quartel e se entrincheirando, prontos para resistir ao contra-ataque governamental. A batalha da Praia Vermelha tornou-se um dos símbolos da Intentona na capital.

A falha na coordenação foi um fator determinante para o insucesso do levante carioca. A ordem para o início da revolta, que deveria ser simultânea, não foi eficazmente transmitida a todas as unidades, ou foi mal interpretada. Isso permitiu que o governo, já alerta pelos eventos no Nordeste, mobilizasse suas forças e isolasse cada foco de rebelião. A falta de sincronia deu tempo às tropas legalistas para se organizarem e agirem com eficácia e brutalidade, garantindo que a tentativa de golpe fosse contida antes que pudesse se espalhar pela cidade.

A reação do governo Vargas foi imediata e implacável. Unidades do Exército e da Marinha leais ao regime cercaram os quartéis rebeldes, utilizando artilharia pesada e aviões para sufocar a resistência. A batalha na Praia Vermelha, em particular, foi sangrenta, com os rebeldes entrincheirados sendo bombardeados e fuzilados. A superioridade numérica e de armamento das forças governamentais rapidamente sobrepujou a resistência dos insurgentes, que, apesar da bravura, estavam em desvantagem gritante. A rapidez da resposta governamental foi crucial.

O elemento surpresa, fundamental para qualquer levante, havia sido perdido. A informação sobre os planos do Partido Comunista do Brasil (PCB) e da Aliança Nacional Libertadora (ANL) já estava nas mãos das autoridades há algum tempo, permitindo que o governo se preparasse para a repressão. A infiltração de agentes nos círculos comunistas também contribuiu para a desarticulação do movimento antes mesmo de seu clímax. A Intentona no Rio de Janeiro foi, assim, mais uma tentativa desesperada do que um ataque planejado e coordenado com sucesso, demonstrando as falhas de inteligência dos rebeldes.

Em questão de horas, a Intentona no Rio de Janeiro foi totalmente sufocada. Muitos rebeldes foram mortos em combate, outros foram presos e submetidos a julgamentos sumários e torturas brutais. A derrota na capital marcou o fim da Intentona Comunista em todo o país, consolidando a vitória do governo Vargas e abrindo caminho para uma repressão ainda mais intensa. O levante na capital, apesar de seu insucesso, deixou uma marca indelével na memória política brasileira, simbolizando a profundidade do conflito ideológico da época.

As consequências para os envolvidos foram severas, com a prisão de Luís Carlos Prestes e outros líderes, além de milhares de militantes e simpatizantes. O governo utilizou o levante como justificativa para endurecer o regime, suspendendo garantias constitucionais e perseguindo impiedosamente qualquer forma de oposição. A narrativa oficial de uma “ameaça comunista” foi amplamente difundida, contribuindo para a legitimação de medidas autoritárias que culminariam no golpe do Estado Novo em 1937. A Intentona, portanto, teve um papel central na virada autoritária do regime varguista.

Qual foi a resposta do governo Vargas e das forças armadas?

A resposta do governo Vargas à Intentona Comunista foi rápida, enérgica e implacável, demonstrando sua determinação em sufocar qualquer tentativa de subversão. Desde os primeiros sinais de agitação e a deflagração dos levantes em Natal e Recife, o regime agiu com decisão e brutalidade. A notícia do levante no Rio Grande do Norte, ocorrido em 23 de novembro de 1935, imediatamente acionou os mecanismos de defesa do Estado, que já estavam em alerta devido às crescentes atividades da Aliança Nacional Libertadora (ANL) e do Partido Comunista do Brasil (PCB).

As Forças Armadas, em sua maioria, mantiveram-se leais ao governo, o que foi um fator decisivo para a derrota dos rebeldes. O Exército, a Marinha e as Forças Públicas estaduais foram mobilizadas para conter as rebeliões, agindo com rapidez e eficácia. A superioridade numérica e de armamento das tropas governamentais foi avassaladora, garantindo a retomada dos quartéis e o controle das cidades onde houve insurreição. Generais como Eurico Gaspar Dutra e Goés Monteiro, figuras-chave no alto comando militar, desempenharam papéis importantes na coordenação da repressão, agindo com extrema lealdade ao presidente.

O governo Vargas declarou Estado de Guerra, suspendendo as garantias constitucionais e conferindo plenos poderes às autoridades para reprimir o movimento. Essa medida legal permitiu a prisão de milhares de suspeitos sem mandado judicial, a suspensão de direitos civis e a aplicação de medidas de exceção. A propaganda oficial foi intensamente utilizada para demonizar os comunistas e justificar a repressão, criando um clima de medo e de apoio às ações do governo. A Lei de Segurança Nacional, já existente, foi utilizada como instrumento legal para a perseguição.

A repressão não se limitou ao campo de batalha. Uma vez controlados os levantes militares, o governo lançou uma vasta operação de caça aos envolvidos e simpatizantes do comunismo em todo o país. A Polícia Política (DOPS) atuou com veemência, prendendo e torturando militantes, intelectuais e qualquer um considerado uma ameaça ao regime. A severidade da repressão atingiu não apenas os combatentes, mas também suas famílias e redes de apoio, com inúmeras prisões arbitrárias e perseguições políticas em grande escala.

A perseguição judicial também foi uma ferramenta poderosa. Milhares de pessoas foram levadas a tribunais militares, sem direito a uma defesa adequada, resultando em condenações sumárias a longas penas de prisão. Nomes como Luís Carlos Prestes e Harry Berger foram condenados a décadas de prisão, tornando-se símbolos da repressão. A justiça militar foi instrumentalizada para legitimar as ações do governo e desmantelar completamente a estrutura do Partido Comunista e da ANL, garantindo que não houvesse mais ameaças armadas em curto prazo.

A resposta do governo Vargas à Intentona consolidou sua posição e fortaleceu seu discurso anticomunista. O levante serviu como a justificativa perfeita para a adoção de medidas autoritárias cada vez mais severas, pavimentando o caminho para o golpe do Estado Novo em 1937. A narrativa de uma “ameaça vermelha” iminente foi exaustivamente explorada para legitimar a ditadura que se estabeleceria, marcando o início de um período de grande centralização de poder e de supressão das liberdades democráticas no Brasil. A imagem do governo como “salvador da pátria” foi meticulosamente construída.

A unidade das Forças Armadas em torno do governo foi um pilar fundamental da vitória sobre a Intentona. Apesar de ter havido adesões significativas de praças e sargentos, a cúpula militar permaneceu coesa e leal a Vargas. Essa lealdade assegurou que a resposta militar fosse eficaz e coordenada, impedindo que o levante ganhasse força e se espalhasse por outras regiões. A Intentona, apesar de um revés para o projeto comunista, paradoxalmente, serviu para fortalecer a autoridade e o controle do poder por parte do governo Vargas e de seus aliados militares, que saíram do episódio com prestígio e influência consideráveis.

Que papel desempenhou a Lei de Segurança Nacional na repressão?

A Lei de Segurança Nacional (LSN) de 1935 desempenhou um papel central e instrumental na repressão à Intentona Comunista, fornecendo o arcabouço legal que legitimou as ações autoritárias do governo Vargas. Promulgada em 4 de abril de 1935, meses antes do levante, esta legislação já sinalizava a intenção do regime de cercear as liberdades e combater qualquer forma de oposição que pudesse ser rotulada como “subversiva” ou “ameaça à ordem”. A LSN definia uma série de crimes contra a segurança do Estado, com penas severas, e ampliou os poderes da polícia e da justiça militar para atuar na perseguição de dissidentes políticos.

Com a eclosão da Intentona em novembro, a LSN foi imediatamente invocada e aplicada com máxima rigidez. Ela permitiu ao governo suspender garantias individuais, como o habeas corpus, e realizar prisões em massa sem a necessidade de mandados judiciais detalhados. A lei conferia às autoridades a prerrogativa de conduzir interrogatórios prolongados e muitas vezes brutais, com a utilização de métodos de tortura para extrair informações e confissões dos presos. Essa moldura legal forneceu a fachada de legitimidade para a violência do Estado contra os insurgentes e seus simpatizantes.

A LSN também estabeleceu os Tribunais de Segurança Nacional (TSN), que foram criados especificamente para julgar os crimes contra a segurança do Estado. Esses tribunais, compostos por militares e civis leais ao regime, operavam com procedimentos sumários e muitas vezes ignoravam os direitos básicos dos acusados. A defesa era limitada, e as sentenças eram frequentemente predeterminadas, resultando em condenações em massa e longas penas de prisão para milhares de pessoas. A instrumentalização da justiça foi uma tática eficaz do governo para desmantelar a oposição.

O caráter repressivo da LSN não se limitou apenas aos participantes diretos da Intentona. Ela foi utilizada para perseguir e prender uma vasta gama de indivíduos considerados inimigos do regime, incluindo intelectuais, jornalistas, artistas e sindicalistas que eram apenas simpatizantes de ideais progressistas ou que haviam criticado o governo. Essa ação repressiva ampla visava intimidar a sociedade e eliminar qualquer potencial foco de oposição. A atmosfera de medo criada pela aplicação da lei contribuiu para o silenciamento de vozes críticas e a conformidade política.

A propaganda governamental, alinhada à aplicação da LSN, reforçou a narrativa de que os comunistas representavam uma ameaça existencial à nação brasileira. A lei foi apresentada como um instrumento necessário para “salvar o Brasil do perigo vermelho”, justificando a violência estatal e a supressão das liberdades civis em nome da “ordem”. Essa retórica de segurança nacional se tornaria um tema recorrente na política brasileira, reaparecendo em outros momentos de crise e repressão, solidificando um legado autoritário para a legislação.

A LSN de 1935, embora criada antes da Intentona, encontrou no levante a justificativa perfeita para sua aplicação mais severa. A Intentona, de certa forma, “validou” a existência da lei, permitindo que o governo Vargas a utilizasse como uma arma poderosa contra seus adversários. O uso da LSN foi um passo crucial na centralização do poder e na pavimentação do caminho para o golpe do Estado Novo em 1937, que aprofundaria ainda mais o regime de exceção. A legislação repressiva se tornaria um pilar da ditadura que se seguiria, afetando a vida de inúmeros cidadãos.

O legado da Lei de Segurança Nacional de 1935 é complexo e duradouro. Ela não apenas permitiu a repressão brutal da Intentona, mas também estabeleceu um precedente para futuras legislações de segurança nacional no Brasil, que seriam utilizadas em períodos posteriores de autoritarismo. A lei representou um golpe significativo nas liberdades democráticas e na capacidade de organização política da sociedade civil, deixando uma cicatriz profunda na história dos direitos humanos e da justiça no país, reforçando a ideia de que o Estado podia usar meios excepcionais para manter a ordem.

Quais foram as consequências imediatas para os envolvidos?

As consequências imediatas para os envolvidos na Intentona Comunista de 1935 foram severas e dramáticas, marcadas por uma repressão estatal de proporções inéditas e brutalidade. Milhares de pessoas, desde os líderes mais proeminentes até os mais humildes participantes e meros simpatizantes, foram presos e encarcerados em condições desumanas. O governo Vargas, utilizando a recém-promulgada Lei de Segurança Nacional, agiu com extrema violência e um senso de urgência para desmantelar completamente o movimento comunista e a Aliança Nacional Libertadora (ANL). A ação policial e militar foi implacável.

Os principais líderes, como Luís Carlos Prestes, Harry Berger (Arthur Ernst Ewert) e outros membros da cúpula do Partido Comunista do Brasil (PCB), foram capturados e submetidos a interrogatórios exaustivos, muitas vezes acompanhados de tortura física e psicológica. As prisões de alto perfil serviram para desmoralizar o movimento e enviar um claro recado àqueles que ousassem desafiar o regime. Prestes, por exemplo, seria condenado a longos anos de prisão, permanecendo encarcerado até o fim do Estado Novo, tornando-se um símbolo da resistência e do sacrifício.

A prisão de Olga Benário Prestes, esposa de Luís Carlos Prestes e militante comunista alemã, é um dos episódios mais trágicos e simbólicos da repressão. Grávida, Olga foi deportada ilegalmente para a Alemanha Nazista em 1936, onde foi entregue à Gestapo e posteriormente morta em um campo de concentração. Sua deportação, considerada uma violação dos direitos humanos e da soberania nacional, gerou protestos internacionais, mas o governo Vargas permaneceu irredutível, demonstrando a ferocidade de sua postura anticomunista. Esse ato cruel marcou a história do país.

Além das prisões, muitos envolvidos foram mortos em combate ou executados sumariamente durante os dias do levante e nas semanas seguintes. Aqueles que sobreviveram aos combates enfrentaram tribunais militares, que agiram com rapidez e rigor, proferindo condenações baseadas em provas muitas vezes fabricadas ou obtidas sob coação. As sentenças variaram de longos anos de prisão a deportações para ilhas remotas ou exílio forçado. A justiça de exceção operou sem clemência, garantindo a aniquilação judicial dos rebeldes.

Os militares envolvidos, de sargentos a capitães, foram submetidos a conselhos de guerra, resultando em expulsões das Forças Armadas, degradação de patentes e longas penas de reclusão. A Intentona, para esses militares, significou o fim de suas carreiras e, muitas vezes, de suas vidas. A punição exemplar visava desencorajar futuras tentativas de insurreição dentro das fileiras militares. A lealdade das Forças Armadas ao governo Vargas foi um dos pilares da repressão, permitindo que a resposta fosse rápida e eficiente.

As famílias dos envolvidos também sofreram pesadas consequências. Mulheres e crianças foram frequentemente alvo de perseguição, vigilância e estigmatização social. Muitos perderam seus empregos, suas casas e foram marginalizados em suas comunidades. A desestruturação familiar e social foi uma tática secundária, mas eficaz, da repressão, visando isolar e punir indiretamente os que apoiaram a Intentona. A onda de medo se espalhou por todo o país, inibindo qualquer forma de manifestação política contrária ao regime.

A Intentona Comunista e a brutal repressão que se seguiu tiveram um impacto imediato profundo na sociedade brasileira, consolidando a polarização política e aprofundando o autoritarismo do governo Vargas. O evento serviu como uma justificativa perfeita para o endurecimento do regime, abrindo caminho para o golpe do Estado Novo em 1937 e para um longo período de ditadura. As cicatrizes deixadas pela repressão imediata marcaram uma geração de brasileiros, moldando a memória coletiva sobre a luta política e a relação com o Estado por muitos anos. O número de mortos e presos da Intentona nunca foi totalmente oficializado, mas estima-se em milhares.

Como a Intentona impactou a política de segurança e repressão do Estado Novo?

A Intentona Comunista de 1935 serviu como o pretexto ideal e o catalisador definitivo para a consolidação de uma política de segurança e repressão ainda mais draconiana, que culminaria no Estado Novo (1937-1945). Antes mesmo do golpe de 1937, o levante permitiu a Vargas um endurecimento progressivo do regime, utilizando a “ameaça comunista” como justificativa para centralizar o poder e sufocar qualquer forma de oposição. A narrativa oficial do governo, amplamente difundida, apresentava a Intentona como uma prova irrefutável do perigo vermelho, exigindo medidas excepcionais para a “defesa da ordem”.

A política de segurança foi reformulada para ser mais abrangente e eficaz na perseguição de dissidentes. A Lei de Segurança Nacional de 1935, já existente, foi aplicada com rigor, e posteriormente, com o Estado Novo, viria a ser a base para um arcabouço legal ainda mais repressivo. A criação de órgãos como o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) foi fortalecida após a Intentona. O DOPS, com suas seções estaduais, tornou-se o principal braço da polícia política do regime, responsável pela vigilância, investigação, prisão e tortura de opositores, operando com ampla autonomia e sem controle judicial efetivo.

Os Tribunais de Segurança Nacional (TSN), estabelecidos após a Intentona, continuaram a operar durante o Estado Novo, julgando crimes políticos com base em procedimentos sumários e condenações pré-determinadas. A militarização da justiça política se aprofundou, com a justiça militar assumindo um papel cada vez mais proeminente na repressão. Milhares de pessoas foram julgadas e condenadas, transformando o Brasil em um grande campo de prisioneiros políticos. As sentenças frequentemente eram longas, visando anular a capacidade de atuação dos adversários do regime.

A perseguição ideológica se intensificou dramaticamente, estendendo-se para além dos comunistas declarados. Liberais, socialistas e qualquer um que expressasse ideias consideradas subversivas ou contrárias aos ideais do regime foram alvo de vigilância e repressão. O Estado Novo instituiu uma censura rígida aos meios de comunicação, à imprensa, ao rádio e ao cinema, controlando a informação e a narrativa pública. O Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) foi criado em 1939 para gerenciar a propaganda do governo e a censura, garantindo a homogeneidade do discurso e a supressão de vozes dissonantes.

As prisões e torturas tornaram-se práticas sistemáticas e rotineiras durante o Estado Novo. Delegacias e quartéis se transformaram em centros de detenção e interrogatório onde os direitos humanos eram rotineiramente violados. A brutalidade contra os presos políticos, muitos dos quais já haviam sido detidos após a Intentona, demonstrava a determinação do regime em esmagar qualquer forma de resistência. A perseguição aos familiares dos opositores também se tornou uma tática comum, visando a desmoralização e o isolamento dos presos, gerando um clima de pavor em toda a sociedade.

A Intentona também fortaleceu o papel das Forças Armadas no cenário político. A lealdade da cúpula militar a Vargas durante o levante consolidou sua influência e poder, transformando-as em um pilar essencial do Estado Novo. O Exército e a Marinha passaram a ter um papel ainda mais ativo na segurança interna e na repressão política, com a criação de novas unidades e o aumento de seu orçamento. A doutrina de segurança nacional, centrada no combate ao comunismo, tornou-se um elemento definidor da política militar brasileira por décadas.

Em síntese, a Intentona Comunista foi o divisor de águas que permitiu a Vargas justificar e implementar um regime de exceção com características fascistas, o Estado Novo. A “ameaça comunista” tornou-se a pedra angular da política de segurança e repressão do regime, legitimando a centralização do poder, a supressão das liberdades civis e a perseguição sistemática de opositores. O evento, portanto, não foi apenas um fracasso do comunismo, mas um marco fundamental na história do autoritarismo brasileiro, com consequências de longo alcance para a vida política e social do país.

Que mudanças ocorreram no cenário político e social brasileiro após o levante?

A Intentona Comunista de 1935 provocou mudanças profundas e duradouras no cenário político e social brasileiro, reconfigurando as relações de poder e as liberdades civis. A principal alteração política foi a consolidação do autoritarismo de Getúlio Vargas. O levante forneceu o pretexto ideal para Vargas endurecer seu regime, que já caminhava para uma centralização. A narrativa do “perigo comunista” foi amplamente explorada para justificar medidas de exceção, pavimentando o caminho para o golpe do Estado Novo em 1937 e a instauração de uma ditadura formal.

No plano institucional, houve um fortalecimento significativo dos órgãos de repressão e segurança. O Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) expandiu suas atividades, tornando-se o principal instrumento de vigilância e perseguição política. Os Tribunais de Segurança Nacional (TSN), criados logo após a Intentona, atuaram implacavelmente, sentenciando milhares de pessoas e desmantelando a oposição organizada. A justiça militar ganhou proeminência, e os direitos individuais foram drasticamente reduzidos, resultando na supressão do habeas corpus e na ampliação dos crimes contra a segurança nacional.

A polarização ideológica, que já era uma característica do período, acentuou-se drasticamente. O anticomunismo se tornou a bandeira oficial do governo, e a perseguição não se limitou apenas aos membros do Partido Comunista do Brasil (PCB) e da Aliança Nacional Libertadora (ANL), mas estendeu-se a qualquer grupo ou indivíduo considerado “subversivo”. Essa onda de repressão afetou sindicatos, associações de classe, intelectuais e artistas, inibindo a liberdade de expressão e de organização. A Ação Integralista Brasileira (AIB), de cunho fascista, também se beneficiou da polarização, inicialmente alinhando-se ao discurso anticomunista do governo, antes de ser também perseguida posteriormente.

No âmbito social, o levante resultou em um clima de medo e desconfiança generalizada. A população, especialmente os setores mais ligados aos movimentos sociais e políticos, sentiu o peso da repressão. As prisões em massa, as torturas e os julgamentos sumários serviram como um alerta para a sociedade, desencorajando qualquer forma de dissidência. A liberdade de imprensa foi severamente limitada, e o controle estatal sobre a informação se intensificou, moldando a opinião pública e garantindo a hegemonia da narrativa governamental sobre a “ameaça vermelha”.

A Intentona também teve um impacto na política externa brasileira. O governo Vargas, ao se posicionar firmemente contra o comunismo, fortaleceu seus laços com regimes conservadores e autoritários, especialmente no contexto da ascensão do fascismo na Europa. A retórica anticomunista brasileira se alinhava com as políticas de países como a Alemanha nazista e a Itália fascista, embora o Brasil mantivesse relações complexas com diversas potências. Essa postura facilitou o recebimento de apoio militar e tecnológico de alguns desses países, contribuindo para o fortalecimento do aparato repressivo.

A questão trabalhista também foi reconfigurada. O governo Vargas utilizou a repressão aos comunistas para desmobilizar os movimentos sindicais independentes e fortalecer o controle estatal sobre as organizações operárias. A CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), promulgada em 1943, embora trazendo avanços sociais, também visava a peleguismo sindical, integrando os sindicatos à estrutura do Estado e coibindo a autonomia dos trabalhadores. As lideranças sindicais combativas foram perseguidas e neutralizadas, garantindo a paz social imposta pelo regime.

As mudanças pós-Intentona não foram meramente conjunturas, mas estruturais. A Intentona Comunista marcou a transição de um governo provisório para um regime autoritário de Estado, com consequências que se estenderam por décadas na história brasileira, influenciando regimes posteriores e a memória política do país. O evento, portanto, não só encerrou um capítulo de efervescência revolucionária, mas abriu um período de profunda centralização e repressão política, redefinindo as bases da organização estatal e da sociedade brasileira por muitos anos.

Qual foi a percepção pública e a propaganda governamental sobre o movimento?

A percepção pública sobre a Intentona Comunista de 1935 foi fortemente moldada e manipulada pela intensa e eficaz propaganda governamental. Getúlio Vargas e seu regime aproveitaram o levante para criar uma narrativa oficial que demonizava os comunistas, apresentando-os como uma ameaça existencial à nação brasileira e à ordem social. O objetivo era gerar pânico moral e garantir o apoio da população às medidas repressivas e autoritárias que seriam implementadas. A propaganda foi uma arma poderosa na batalha pela opinião pública.

A Intentona foi retratada como um “plano diabólico” e “subversivo”, orquestrado por agentes estrangeiros para implantar o caos e a desordem no Brasil. A imagem de Luís Carlos Prestes, o “Cavaleiro da Esperança”, foi distorcida para a de um traidor da pátria, um agitador irresponsável a serviço de Moscou. Jornais, rádios e cinemas foram mobilizados para difundir a versão oficial dos fatos, com matérias sensacionalistas, caricaturas pejorativas e noticiários alarmistas que destacavam a violência dos rebeldes e a necessidade de uma resposta firme do Estado. A figura do comunista foi associada à desordem e à destruição.

O governo Vargas investiu pesadamente na propaganda anticomunista, criando cartazes, folhetos e filmes que alertavam sobre os perigos da “ameaça vermelha”. Imagens de destruição, mortes e desrespeito à religião e à família eram constantemente associadas ao comunismo, explorando o medo e os valores conservadores da sociedade. A intenção era associar o comunismo à barbárie e à negação dos valores tradicionais brasileiros, solidificando a ideia de que o governo era o único garantidor da civilidade e da ordem.

A narrativa governamental também se concentrava na ideia de que a Intentona era uma conspiração estrangeira, minimizando a participação de brasileiros e as causas internas do levante. Isso permitia desviar a atenção das tensões sociais e econômicas que de fato existiam no país e que poderiam ter alimentado o descontentamento. A presença de Harry Berger e Olga Benário Prestes, estrangeiros na cúpula do movimento, foi explorada para corroborar a tese de uma intervenção externa, reforçando o sentimento nacionalista e o apoio à repressão interna.

A repercussão da Intentona na imprensa internacional foi cuidadosamente monitorada e, sempre que possível, manipulada pelo governo brasileiro. A imagem do Brasil como um país estável e seguro para investimentos era crucial, e a narrativa de uma ameaça comunista contida com sucesso servia a esse propósito. Internamente, a propaganda também visava desmoralizar a oposição política como um todo, agrupando diferentes vertentes sob o rótulo de “subversivas” e “antipatrióticas”, preparando o terreno para a consolidação da ditadura.

O sucesso da propaganda governamental foi tal que a “ameaça comunista” se tornou um dispositivo retórico poderoso, utilizado por Getúlio Vargas para justificar a centralização do poder e, posteriormente, a decretação do Estado Novo em 1937. O famoso “Plano Cohen”, uma farsa criada pela inteligência militar em 1937, foi apresentado como prova de uma nova e iminente conspiração comunista, fornecendo o pretexto final para o golpe e a instauração da ditadura. A Intentona, portanto, criou o terreno ideológico para essa manobra política.

A percepção pública, inicialmente dividida e cética em alguns setores, foi gradualmente absorvendo a versão oficial, especialmente com a censura e a ausência de vozes alternativas. O medo do comunismo, alimentado pelo Estado, contribuiu para a passividade de parte da sociedade diante do avanço do autoritarismo. A Intentona, nesse sentido, não foi apenas um evento militar frustrado, mas uma vitória propagandística para o governo Vargas, que conseguiu capitalizar o pânico para consolidar seu poder e silenciar a oposição de forma efetiva.

Como a Intentona Comunista é vista pela historiografia brasileira?

A Intentona Comunista de 1935 é um dos temas mais estudados e debatidos na historiografia brasileira, gerando diferentes interpretações e abordagens ao longo do tempo. Inicialmente, a visão predominante, especialmente durante o Estado Novo e o período da Guerra Fria, foi a versão oficial do governo Vargas: o levante era uma conspiração estrangeira, um ato de traição de agentes comunistas que tentaram subverter a ordem nacional. Essa perspectiva, hegemônica por décadas, consolidou a imagem de um “perigo vermelho” real e iminente, justificando a repressão e o autoritarismo.

Com a redemocratização e o acesso a novos arquivos, especialmente a partir dos anos 1960 e 1970, a historiografia começou a questionar essa interpretação simplificada. Pesquisadores passaram a investigar as causas internas do levante, as tensões sociais e econômicas do período e a real capacidade de mobilização do Partido Comunista do Brasil (PCB) e da Aliança Nacional Libertadora (ANL). O papel da Comintern e a influência soviética foram analisados com maior profundidade, sem, no entanto, reduzir o movimento a uma mera marionete externa. A figura de Luís Carlos Prestes e a tragédia de Olga Benário Prestes também foram revisitadas sob uma ótica mais crítica e humana.

Uma corrente historiográfica mais recente, especialmente a partir dos anos 1980, tem focado na análise do contexto social e político em que a Intentona ocorreu. Essa abordagem busca entender como as frustrações da Revolução de 1930, a centralização do poder por Vargas e o crescimento da polarização ideológica no mundo contribuíram para a radicalização de parte da esquerda. A Intentona é vista, portanto, não apenas como um complô comunista, mas como o resultado de um processo complexo de efervescência política e social, onde a ação estatal repressiva também desempenhou um papel crucial.

Há também debates sobre a efetividade e a organização do levante. Alguns historiadores argumentam que a Intentona foi mal planejada, com falhas de comunicação e coordenação, o que contribuiu para seu rápido fracasso. Outros, por sua vez, ressaltam a coragem e o idealismo dos participantes, apesar das condições adversas e da força do aparato repressivo. A desigualdade de forças entre os rebeldes e o Estado, e a lealdade da maioria das Forças Armadas a Vargas, são pontos consensuais para explicar a derrota, mas a interpretação sobre o grau de periculosidade real do movimento ainda varia.

A questão da participação popular na Intentona é outro ponto de controvérsia. Enquanto a propaganda governamental minimizava a base de apoio, alguns estudos apontam para a adesão de operários, estudantes e militares de baixa patente em diversas cidades. No entanto, a maioria concorda que o movimento não conseguiu mobilizar as massas na escala esperada, o que foi fatal para sua sobrevivência. A subestimação do poder do Estado e a superestimação da capacidade de levante espontâneo da população são vistas como erros estratégicos da liderança comunista.

A historiografia contemporânea busca uma abordagem mais matizada, reconhecendo a Intentona como um evento multifacetado. Ela é vista tanto como uma tentativa audaciosa de revolução social, impulsionada por ideais de justiça e igualdade, quanto como um erro estratégico que forneceu o pretexto para o endurecimento do regime. A análise da Intentona também se insere no contexto mais amplo da Guerra Fria e da polarização ideológica global, que influenciou a escrita da história por muitos anos. O evento é um laboratório para entender as tensões políticas da época.

O legado da Intentona na historiografia é que ela continua a ser um ponto de inflexão na compreensão do período Vargas e da ascensão do autoritarismo no Brasil. A pesquisa histórica tem se esforçado para ir além das versões oficiais e das ideologias, buscando uma compreensão mais complexa dos atores, dos motivos e das consequências do levante. A Intentona Comunista, portanto, é um testemunho da efervescência política de uma época, um evento que continua a ser revisitado e reinterpretado à medida que novas fontes e perspectivas são trazidas à tona, enriquecendo o debate histórico sobre a formação do Brasil moderno.

Qual a relação entre a Intentona e o golpe do Estado Novo em 1937?

A relação entre a Intentona Comunista de 1935 e o golpe do Estado Novo em 1937 é de causa e consequência, ou, mais precisamente, de pretexto e legitimação. Embora o Estado Novo tivesse raízes mais profundas na ambição de Getúlio Vargas de centralizar o poder e na instabilidade política da Primeira República, a Intentona forneceu o argumento perfeito e o gatilho final para a instauração da ditadura. O levante comunista foi explorado habilmente pelo governo para justificar a necessidade de um regime forte e autoritário, capaz de “proteger o Brasil” contra a ameaça da subversão.

Desde a derrota da Intentona, Vargas e seus aliados militares e civis iniciaram uma intensa campanha anticomunista. A repressão brutal aos envolvidos na Intentona não foi apenas uma resposta à insurreição, mas também uma forma de criar um clima de medo e polarização, essencial para a aceitação de medidas de exceção. A mídia, controlada pelo governo, incessantemente martelava a ideia de que a Intentona era a prova de um perigo iminente, exigindo um governo com plenos poderes para “salvar a nação” da desordem e do caos representados pelos “vermelhos”.

A Lei de Segurança Nacional de 1935, já existente, foi utilizada após a Intentona para suspender garantias constitucionais e perseguir opositores. Em 1936, foi declarado o Estado de Sítio, que se prolongou, permitindo ao governo governar por decretos e restringir ainda mais as liberdades civis. O Congresso Nacional, que se tornou um obstáculo aos planos autoritários de Vargas, teve suas funções esvaziadas, com as discussões políticas sendo progressivamente sufocadas. A Intentona serviu como munição retórica para justificar esse avanço sobre as instituições democráticas.

A escalada autoritária atingiu seu clímax em 1937, quando, com a proximidade das eleições presidenciais e o fim do mandato constitucional de Vargas, foi forjado o famoso “Plano Cohen”. Este documento falso, supostamente um plano comunista para a tomada do poder, foi divulgado amplamente pelas Forças Armadas e pela imprensa. O “Plano Cohen” foi a farsa perfeita, usada como prova cabal da “ameaça comunista” e do “perigo iminente” que justificaria a dissolução do Congresso, a anulação da Constituição de 1934 e a instauração do Estado Novo em 10 de novembro de 1937.

A Intentona, portanto, não causou diretamente o golpe de 1937, mas foi o elemento catalisador que permitiu a Vargas e seus generais consolidarem a narrativa da ameaça comunista, pavimentando o caminho para o regime ditatorial. Sem a Intentona, a justificativa para um golpe tão drástico talvez não tivesse a mesma força persuasiva junto à opinião pública e a importantes setores das Forças Armadas e elites conservadoras. A memória do levante foi reativada e explorada intensamente para criar um clima de aceitação para a ditadura que se impunha.

O Estado Novo, uma vez instaurado, aprofundou as políticas de repressão e controle iniciadas após a Intentona. A censura foi institucionalizada, a polícia política ganhou poderes ainda maiores, e a perseguição a opositores, não apenas comunistas, mas também integralistas e liberais, tornou-se sistemática. A Intentona, assim, não foi apenas um fracasso do comunismo, mas uma vitória estratégica para Vargas, que a utilizou como a principal arma ideológica para legitimar a ditadura e o período de centralização de poder que se seguiu por oito anos.

A análise histórica revela que o Estado Novo já estava em gestação na mente de Vargas e de seus aliados autoritários, mas a Intentona foi o elemento que acelerou e tornou viável a sua implementação. O “perigo comunista”, real ou fabricado, serviu como o argumento definitivo para que o regime militar-civil de Vargas impusesse sua vontade sobre as instituições democráticas fragilizadas. A relação é, portanto, de um evento que forneceu o alibi e a conveniência para uma transformação política que já estava nos planos de alguns setores da elite brasileira, demonstrando a interconexão entre crises e oportunidades autoritárias.

1. O levante de 1935 permitiu ao governo Vargas intensificar a repressão e restringir as liberdades civis.
2. A propaganda governamental utilizou a Intentona como prova de uma ameaça comunista iminente.
3. Essa narrativa anticomunista foi fundamental para justificar a centralização do poder e o Estado de Sítio.
4. O “Plano Cohen”, uma farsa, foi o pretexto final para o golpe de 1937, fundamentado na narrativa de segurança nacional reforçada pela Intentona.
5. O Estado Novo aprofundou o autoritarismo e a perseguição política, dando continuidade e ampliando as medidas iniciadas após o levante.

Que legados a Intentona deixou para a esquerda e o movimento sindical no Brasil?

A Intentona Comunista de 1935, apesar de seu fracasso militar e da brutal repressão que se seguiu, deixou legados complexos e duradouros para a esquerda e o movimento sindical no Brasil. Um dos legados mais imediatos foi a desarticulação e enfraquecimento das organizações de esquerda e do movimento sindical independente. A perseguição implacável do governo Vargas desmantelou a estrutura do Partido Comunista do Brasil (PCB) e da Aliança Nacional Libertadora (ANL), levando à prisão, tortura, morte ou exílio de milhares de militantes. Isso resultou em um período de clandestinidade forçada e grande dificuldade de atuação.

No entanto, a Intentona também contribuiu para a mitificação de algumas figuras e a consolidação de um simbolismo revolucionário. Luís Carlos Prestes, mesmo preso por anos, tornou-se um mártir e um ícone para a esquerda brasileira, o “Cavaleiro da Esperança” que havia ousado desafiar o regime. Sua trajetória e a história de Olga Benário Prestes inspiraram gerações de militantes, conferindo um caráter heroico e sacrificial à luta comunista. A memória da Intentona serviu como um componente formador da identidade da esquerda.

Para o movimento sindical, o pós-Intentona foi um período de profunda transformação. O governo Vargas utilizou a repressão aos comunistas como justificativa para exercer um controle ainda maior sobre as organizações operárias. A estrutura sindical corporativista, que viria a ser formalizada na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em 1943, já estava em gestação, visando cooptar e controlar o movimento. O sindicalismo de Estado, com a proibição de greves e a subordinação das entidades ao Ministério do Trabalho, foi um legado direto da necessidade de Vargas em neutralizar qualquer foco de oposição trabalhista, especialmente de inspiração comunista.

Apesar da repressão, a experiência da Intentona, ainda que traumática, deixou lições importantes para a esquerda. A principal delas foi a necessidade de uma maior organização, de uma análise mais realista da conjuntura política e da capacidade de mobilização popular. O movimento percebeu que a dependência de um levante militar isolado não seria suficiente sem um apoio de massas mais consistente. Isso levou a uma reavaliação das táticas e estratégias, buscando uma maior inserção social e um trabalho de base mais aprofundado no futuro, influenciando o caminho de luta pela legalidade.

O anticomunismo de Estado, fortalecido após a Intentona, tornou-se uma marca da política brasileira por décadas, afetando profundamente a esquerda em todas as suas manifestações. A criminalização do comunismo e a vigilância permanente imposta pelo DOPS e outros órgãos de segurança dificultaram a atuação política e a organização de novos movimentos. A polarização ideológica, reforçada pela propaganda governamental, contribuiu para que a esquerda vivesse em um estado de permanente cerco e desconfiança por parte de amplos setores da sociedade.

No longo prazo, a Intentona contribuiu para a formação de uma memória coletiva da esquerda brasileira, que oscilou entre o heroísmo dos que lutaram e o aprendizado com os erros. Ela se tornou um ponto de referência para debates sobre a luta armada, a legalidade, a relação com o Estado e a estratégia revolucionária. O evento, portanto, não foi apenas um fracasso, mas um momento de formação ideológica e tática, influenciando as gerações futuras de militantes e a construção da identidade da esquerda no Brasil, especialmente durante o período da redemocratização.

A luta pela anistia e pela reparação dos danos causados pela repressão da Intentona e do Estado Novo também se tornou um elemento unificador para a esquerda e para os movimentos de direitos humanos em períodos posteriores. A memória dos “anos de chumbo” de 1935 se entrelaçou com a memória de outras ditaduras, servindo como um alerta constante sobre os perigos do autoritarismo e da supressão das liberdades. O legado da Intentona é, portanto, multifacetado: trauma, aprendizado, inspiração e um lembrete perene da resistência às opressões.

Houve participação estrangeira ou influência externa na Intentona?

A questão da participação estrangeira e da influência externa na Intentona Comunista de 1935 é um ponto crucial e amplamente debatido na historiografia. A propaganda governamental do Estado Novo explorou exaustivamente a tese de que o levante era uma conspiração totalmente orquestrada e financiada por Moscou, minimizando as causas internas e a participação brasileira. No entanto, análises mais aprofundadas revelam uma realidade mais complexa, onde a influência externa existiu, mas não anulava a autonomia e as motivações nacionais do movimento.

A principal fonte de influência externa foi a Terceira Internacional Comunista (Comintern), com sede em Moscou. A Comintern, que congregava os partidos comunistas de todo o mundo, tinha a prerrogativa de orientar e, por vezes, de financiar as atividades revolucionárias em diversos países. A diretriz da Comintern, especialmente após o 7º Congresso em 1935, era a formação de frentes populares antifascistas, o que influenciou a criação da Aliança Nacional Libertadora (ANL) no Brasil. A vinda de Luís Carlos Prestes da União Soviética, onde havia se exilado e aderido ao comunismo, foi uma decisão da Comintern, que o via como o líder ideal para a revolução brasileira.

Além de Prestes, a presença de agentes da Comintern no Brasil foi um fato. O mais conhecido foi Harry Berger, cujo nome verdadeiro era Arthur Ernst Ewert, um militante comunista alemão com experiência em organização internacional. Berger foi enviado ao Brasil com a missão de auxiliar na articulação do levante, trazendo consigo instruções e alguns recursos financeiros de Moscou. Sua atuação, juntamente com a de Olga Benário Prestes, sua compatriota, demonstrava uma conexão direta entre a cúpula do movimento no Brasil e o centro do comunismo internacional, evidenciando uma orientação estratégica.

No entanto, a extensão dessa influência é controversa. Muitos historiadores argumentam que, embora a orientação ideológica e parte do planejamento viessem de fora, o movimento possuía raízes profundas nas tensões sociais e políticas do Brasil da época. O descontentamento com Vargas, a crise econômica, a questão agrária e a polarização política eram fatores internos que impulsionaram a adesão de muitos brasileiros à causa da ANL e do Partido Comunista do Brasil (PCB). A Intentona, assim, não pode ser vista como uma mera execução de ordens externas, mas sim como uma adaptação das diretrizes internacionais às realidades nacionais.

A ajuda financeira da Comintern, embora real, era limitada e insuficiente para a escala de uma revolução. Os recursos eram modestos e não seriam capazes de sustentar uma luta armada prolongada ou de grande envergadura. A dependência de recursos internos e a falta de apoio material substancial de Moscou foram, inclusive, fatores que contribuíram para as limitações do levante. A propaganda governamental, no entanto, superdimensionava essa ajuda para deslegitimar o movimento como “estrangeiro” e “antipatriótico”, criando uma narrativa conveniente para a repressão.

A influência ideológica, por sua vez, era inegável. O PCB, como parte da Comintern, seguia as linhas do marxismo-leninismo e as orientações estratégicas de Moscou. Isso se refletia na concepção de revolução, na análise de classes e nas propostas políticas. Contudo, essa orientação ideológica era processada e reinterpretada pelos militantes brasileiros, que tentavam aplicá-la à realidade local. O grau de autonomia do PCB em relação a Moscou é um tema complexo, mas é evidente que as decisões finais para a Intentona foram tomadas no Brasil, com base nas percepções locais da conjuntura.

A participação estrangeira, portanto, existiu principalmente na forma de orientação ideológica, presença de agentes e alguma ajuda financeira limitada. No entanto, seria um erro reduzir a Intentona a uma simples “conspiração estrangeira”, como queria o governo Vargas. O levante foi um produto de uma combinação de fatores internos e externos, onde as aspirações de transformação social e as tensões políticas brasileiras se encontraram com as diretrizes do comunismo internacional, resultando em um episódio trágico e complexo da história do Brasil, revelando a interconexão de eventos globais e locais.

1. A Terceira Internacional Comunista (Comintern) forneceu orientações ideológicas e táticas.
2. Luís Carlos Prestes foi enviado ao Brasil pela Comintern para organizar o levante.
3. Agentes como Harry Berger (Arthur Ernst Ewert) auxiliaram na coordenação e trouxeram recursos limitados.
4. A presença de estrangeiros como Olga Benário Prestes reforçou a conexão internacional.
5. Apesar da influência, o levante tinha raízes profundas nas condições sociais e políticas brasileiras.

Quais foram os principais erros e acertos dos comunistas na Intentona?

A Intentona Comunista de 1935, ao ser analisada sob a ótica dos seus principais idealizadores, o Partido Comunista do Brasil (PCB) e a Aliança Nacional Libertadora (ANL), revela uma série de erros estratégicos e, em menor medida, alguns acertos táticos. Um dos erros mais cruciais foi a subestimação da capacidade de reação e da brutalidade do governo Vargas. Os líderes comunistas, embalados por uma retórica revolucionária e pela crença na fraqueza do regime, não anteciparam a velocidade e a força com que as Forças Armadas leais ao governo iriam esmagar o levante. A força do Estado foi imensamente subestimada.

Outro erro significativo foi a falha na coordenação dos levantes em diferentes cidades. O plano previa uma eclosão simultânea, mas a execução foi desigual, com Natal e Recife se levantando dias antes do Rio de Janeiro. Essa descoordenação permitiu ao governo Vargas focar suas forças e sufocar cada foco de rebelião isoladamente, sem que houvesse apoio mútuo entre eles. A precariedade das comunicações e a falta de uma cadeia de comando unificada em tempo real contribuíram para essa fragmentação, comprometendo o elemento surpresa e a eficácia da ação.

A falta de apoio popular maciço também se mostrou um erro de cálculo. Os comunistas e a ANL acreditavam que a população, cansada da crise econômica e do autoritarismo, se levantaria em massa em apoio à insurreição. No entanto, esse apoio não se materializou na escala esperada. A maioria da população permaneceu passiva ou não se engajou na luta armada, demonstrando uma desconexão entre a vanguarda revolucionária e as massas. A propaganda governamental anticomunista, já atuante, também contribuiu para a alienação de setores da sociedade.

Do ponto de vista tático, a Intentona cometeu o erro de concentrar-se excessivamente na tomada de quartéis, esperando que isso bastasse para desestabilizar o governo. Embora crucial, a ocupação de edifícios militares não foi acompanhada de uma estratégia eficaz para mobilizar a sociedade civil e garantir o abastecimento e a sustentação dos combatentes. A insuficiência de armamento e de suprimentos para os rebeldes foi outro fator limitante, que contrastava com o poderio bélico das forças governamentais, evidenciando uma precariedade logística fundamental.

Entre os poucos acertos, pode-se apontar a capacidade de articulação clandestina do PCB e da ANL em diferentes regiões do país. A organização conseguiu infiltrar-se em algumas unidades militares e mobilizar militantes em cidades distantes como Natal e Recife, demonstrando uma certa capilaridade e determinação. A rapidez com que o levante eclodiu em Natal, pegando as autoridades locais de surpresa, pode ser vista como um sucesso tático inicial, embora efêmero. A ousadia da iniciativa, mesmo que imprudente, revelou a coragem de muitos envolvidos.

A escolha de Luís Carlos Prestes como líder, apesar de ter sido uma imposição da Comintern, conferiu ao movimento um caráter carismático e um apelo popular que, por um tempo, galvanizou parte da esquerda. Sua figura era um símbolo de resistência e esperança, o que atraiu muitos militares e civis para a ANL. O discurso antifascista e anti-imperialista da ANL também era um acerto, pois ecoava sentimentos reais de parte da população e da intelectualidade da época, que viam com preocupação a ascensão de regimes autoritários no mundo.

Em retrospectiva, os erros superaram largamente os acertos, levando ao fracasso retumbante da Intentona e a consequências desastrosas para o movimento comunista no Brasil. A principal lição, embora amarga, foi a necessidade de uma análise mais realista da conjuntura política, do poder do Estado e da capacidade de mobilização das massas. A Intentona, assim, serviu como um aprendizado forçado para as futuras gerações da esquerda brasileira, que passariam a buscar outras formas de luta e de organização diante da dureza da repressão do regime varguista.

De que forma a memória da Intentona foi construída e reconstruída ao longo do tempo?

A memória da Intentona Comunista de 1935 é um campo de disputa constante na história brasileira, sendo construída e reconstruída por diferentes atores sociais e políticos ao longo do tempo. Imediatamente após o levante, durante o Estado Novo, a memória foi hegemonizada pelo governo Vargas. A Intentona foi sistematicamente retratada como um “golpe vermelho”, uma conspiração estrangeira e um ato de traição à pátria. Essa narrativa, difundida por uma intensa propaganda e pela censura, visava demonizar o comunismo e legitimar o autoritarismo do regime, silenciando vozes e impedindo outras interpretações dos fatos.

Com o fim do Estado Novo em 1945 e a redemocratização, a memória da Intentona começou a ser revisitada, mas ainda sob o peso da Guerra Fria e do anticomunismo latente. A esquerda, que emergiu da clandestinidade, buscou resgatar a figura de Luís Carlos Prestes e o idealismo dos combatentes, transformando o levante em um símbolo de resistência e luta por um projeto de nação. Nesse período, a Intentona era frequentemente idealizada, com ênfase no heroísmo dos mártires e nas aspirações de justiça social, em contraposição à narrativa oficial de traição.

Durante a Ditadura Militar (1964-1985), a memória da Intentona foi novamente instrumentalizada pelo Estado. O regime militar reviveu a tese da “ameaça comunista” para justificar sua própria existência e a repressão aos movimentos de oposição. A Intentona foi utilizada como exemplo histórico do perigo da subversão, reforçando a necessidade de um Estado forte para manter a ordem e a segurança nacional. Essa abordagem repressiva buscou apagar as motivações internas do levante, focando apenas no seu caráter “subversivo” e “antipatriótico”, buscando legitimar a violência estatal.

A partir da abertura política e da redemocratização nos anos 1980, a historiografia acadêmica e os movimentos sociais começaram a promover uma revisão mais crítica e profunda da Intentona. A abertura de arquivos, o depoimento de sobreviventes e a produção de novas pesquisas permitiram uma análise mais complexa dos eventos, dos atores e das consequências. A figura de Olga Benário Prestes, em particular, tornou-se um ícone da luta pelos direitos humanos e contra o autoritarismo, com sua deportação e morte na Alemanha Nazista sendo amplamente divulgadas e lamentadas. A Justiça de Transição passou a abordar o tema com mais profundidade.

Atualmente, a memória da Intentona é vista sob uma perspectiva multifacetada. Reconhece-se a ousadia do movimento e o idealismo de seus participantes, mas também são apontados os erros estratégicos e táticos que levaram ao seu fracasso. A Intentona é compreendida como parte de um processo mais amplo de polarização política e de luta por transformações sociais na década de 1930. A sua memória não é mais unidimensional, mas um espaço de diálogo entre diferentes interpretações históricas, buscando uma compreensão mais completa e menos ideológica.

O debate sobre anistia e reparação aos perseguidos políticos da Intentona e do Estado Novo também contribuiu para a reconstrução da memória. A promulgação da Lei da Anistia em 1979 e as políticas de reparação nos anos 2000 buscaram reconhecer as violações de direitos humanos e a injustiça da repressão. Essas ações, embora tardias, permitiram a reabilitação de nomes e a ressignificação do papel de muitos envolvidos na Intentona, retirando o estigma de “traidores” e recolocando-os como atores políticos em um contexto complexo, buscando a pacificação social através do reconhecimento dos erros do passado.

A memória da Intentona, portanto, continua viva na sociedade brasileira, seja em livros didáticos, filmes, documentários ou na própria política. Ela serve como um lembrete constante dos perigos do autoritarismo, da importância das liberdades democráticas e da complexidade das lutas sociais no Brasil. A reconstrução dessa memória é um processo contínuo, que reflete as transformações da própria sociedade e as novas questões que surgem no debate público, demonstrando que a história é um campo dinâmico de interpretações e revisões, sempre em diálogo com o presente.

A Intentona Comunista foi um evento isolado ou parte de um movimento maior?

A Intentona Comunista de 1935 não pode ser compreendida como um evento isolado, mas sim como um episódio crucial dentro de um movimento maior de efervescência política e ideológica que marcava o Brasil e o cenário mundial da década de 1930. O levante foi uma manifestação específica da polarização extrema que se estabelecia entre as forças de esquerda, influenciadas pelo comunismo, e as de direita, que flertavam com o fascismo, em um contexto de profunda crise econômica global e instabilidade política pós-Revolução de 1930.

A criação da Aliança Nacional Libertadora (ANL) em 1935 é um exemplo claro de que a Intentona era parte de um movimento mais amplo. A ANL congregava diversas forças de oposição ao governo Vargas, desde militares descontentes até intelectuais, operários e camponeses, unindo-se em uma plataforma antifascista e anti-imperialista. Essa frente ampla demonstrava a existência de um sentimento de insatisfação generalizado e a busca por alternativas políticas radicais, que não se limitavam apenas aos círculos estritos do Partido Comunista do Brasil (PCB). A influência da Comintern, que preconizava frentes populares contra o fascismo, também inseria a ANL em um contexto internacional de luta.

Globalmente, a década de 1930 foi marcada pela ascensão de regimes totalitários de direita (fascismo e nazismo) e pelo avanço do comunismo na União Soviética. Essa disputa ideológica reverberava em diversos países, e o Brasil não era exceção. A Intentona pode ser vista, nesse sentido, como a tentativa de parte da esquerda brasileira de se alinhar a esse contexto revolucionário mundial, buscando replicar no país a experiência soviética ou, ao menos, resistir ao avanço de forças conservadoras e autoritárias que se fortaleciam internamente.

No plano nacional, a Intentona foi o clímax de um processo de radicalização política que vinha se desenvolvendo desde a Revolução de 1930. A decepção com os rumos do governo Vargas, que se tornava cada vez mais centralizador e autoritário, gerou um caldo de cultura propício para a ação direta. As greves operárias, os movimentos camponeses e as articulações militares dissidentes que precederam a Intentona já indicavam a presença de um descontentamento latente e uma busca por mudanças que, para alguns, só poderiam vir pela via revolucionária, demonstrando a efervescência social.

A brutal repressão que se seguiu à Intentona, com a instauração do Estado Novo em 1937, também demonstra que o levante foi apenas um marco em um processo contínuo de autoritarismo. A “ameaça comunista”, real ou exagerada, serviu como o pretexto ideal para Vargas consolidar sua ditadura, o que prova que a Intentona se inseria em um contexto político mais amplo de avanço do Estado sobre as liberdades democráticas. O governo utilizou o evento para legitimar sua agenda de centralização de poder e perseguição política, marcando um período de profundas mudanças no arcabouço legal e institucional brasileiro.

Mesmo após o fracasso da Intentona, a ideia de luta revolucionária e a influência do comunismo não desapareceram no Brasil. O PCB, embora na clandestinidade, continuou a atuar, e a memória da Intentona serviu como um referencial histórico para as futuras gerações da esquerda brasileira. O evento, portanto, foi um elo em uma cadeia de lutas e transformações políticas que se estenderam por todo o século XX, influenciando os movimentos sociais e políticos posteriores, incluindo a luta pela redemocratização e os movimentos de resistência às ditaduras.

A Intentona Comunista foi, assim, um ponto de inflexão, mas não um isolado. Ela foi o resultado de uma complexa interação de fatores internos e externos, e suas consequências se estenderam muito além do seu desfecho imediato, moldando a política de segurança nacional, a relação entre Estado e sociedade e a trajetória da esquerda brasileira por muitas décadas. Compreender a Intentona nesse contexto mais amplo é essencial para desvendar as dinâmicas políticas do Brasil da época e seus legados para o presente, revelando a complexidade das interconexões históricas.

1. A Intentona foi influenciada por diretrizes da Comintern de formação de frentes antifascistas.
2. A ANL, aglutinando diversas forças, demonstrava um movimento de oposição mais amplo ao governo Vargas.
3. O levante refletiu a polarização ideológica global entre comunismo e fascismo.
4. As tensões sociais e políticas internas do Brasil, após a Revolução de 1930, alimentaram o descontentamento.
5. A repressão pós-Intentona e a instauração do Estado Novo revelam que o levante foi um catalisador para uma guinada autoritária já em curso.

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