Afinal, por que existem duas Coreias?

A Península Coreana, um pedaço de terra com uma história milenar e uma cultura singular, carrega uma das cicatrizes mais profundas e duradouras do século XX: a divisão em duas nações completamente distintas. De um lado, a República da Coreia, vibrante e globalizada, conhecida por sua tecnologia e cultura pop; do outro, a República Popular Democrática da Coreia, um regime hermético e isolado, que ainda evoca imagens de Guerra Fria. Essa dicotomia não é um acaso da natureza, mas o resultado complexo de forças históricas colossais, decisões políticas e conflitos ideológicos que se desenrolaram ao longo de décadas, transformando um povo único em duas realidades antagônicas que, mesmo com o passar do tempo, mantêm uma fronteira militarizada e uma separação quase intransponível.

Como a Coreia era antes da divisão?

Antes de se tornar a cena de uma das divisões mais emblemáticas do século XX, a Coreia existia como uma nação unificada por séculos, uma entidade política e cultural coesa. Era um império com uma identidade própria, rica em tradições, arte e filosofias, que se desenvolveu independentemente de seus vizinhos poderosos como a China e o Japão. Durante o período da dinastia Joseon, que durou de 1392 a 1897, a Coreia cultivou uma sociedade altamente hierarquizada e confuciana, com um forte senso de coesão nacional, mesmo com a presença constante de ameaças externas que, de tempos em tempos, forçavam-na a se proteger. Essa dinastia, inclusive, foi responsável por grandes avanços culturais e científicos, como a criação do Hangul, o alfabeto coreano, uma ferramenta de unificação linguística que transcendeu barreiras sociais e alfabetizou a população de forma notável.

No final do século XIX, a Coreia tentou manter sua independência e neutralidade no cenário geopolítico, adotando uma política isolacionista conhecida como “Reino Eremita”. Contudo, essa estratégia, que funcionou por muito tempo para proteger a cultura coreana das influências externas, tornou-se insustentável diante do avanço do imperialismo ocidental e da expansão japonesa. A Coreia se viu, então, presa em um jogo de xadrez entre potências maiores, principalmente Rússia, China e Japão, todas cobiçando sua posição estratégica na Ásia Oriental. Essa disputa de interesses, que culminou em guerras como a Sino-Japonesa (1894-1895) e a Russo-Japonesa (1904-1905), selou o destino da península, tornando-a um alvo fácil para a ambição expansionista.

Apesar de todas as pressões e tentativas de manter a soberania, a balança pendeu de forma decisiva para o Japão. Após vencer as guerras contra China e Rússia, o Japão consolidou sua influência sobre a Coreia, culminando na anexação formal da península em 1910. Esse foi o ponto de inflexão, o fim de milênios de independência e o início de um período de dominação estrangeira que marcaria profundamente a memória e a identidade coreanas. A partir desse momento, a Coreia deixou de ser um reino independente para se tornar uma província do Império Japonês, sujeita a uma política de assimilação cultural e exploração econômica que visava apagar sua identidade nacional e integrá-la forçosamente ao Japão.

Portanto, quando falamos da Coreia antes da divisão, estamos nos referindo a um país com uma profunda história de unidade e um forte senso de pertencimento, que, apesar das intrigas regionais e da proximidade com gigantes imperiais, conseguiu manter-se como uma nação soberana por um período considerável. A divisão que vemos hoje não é uma herança de desunião interna, mas sim uma ferida aberta pela intervenção externa e pelas grandes guerras do século XX, que pegaram um povo unificado e o rasgaram ao meio, criando duas realidades que, embora compartilhem raízes profundas, parecem mundos completamente diferentes. A tragédia da divisão só pode ser entendida plenamente quando se compreende a unidade que a precedeu.

Qual foi o impacto do colonialismo japonês na península?

O período de domínio japonês, que durou de 1910 a 1945, foi uma das eras mais brutais e repressivas na história coreana, deixando cicatrizes profundas que ainda ressoam hoje e que são cruciais para entender a divisão subsequente. Para o Japão, a Coreia não era apenas um território a ser administrado, mas uma fonte de recursos naturais, mão de obra e uma base estratégica para sua expansão militar no continente asiático. A política colonial japonesa foi caracterizada pela exploração econômica, pela supressão da identidade cultural coreana e pela imposição de uma estrutura política e social que visava desmantelar qualquer vestígio de soberania. Era um verdadeiro processo de assimilação forçada, onde tudo o que era coreano, desde a língua até os nomes de família, era sistematicamente atacado e substituído por elementos japoneses.

Economicamente, a Coreia foi transformada em uma colônia de exploração. Os japoneses investiram em infraestrutura, sim, mas com um propósito muito claro: facilitar a extração de recursos como arroz, carvão e minerais, que eram enviados para o Japão para alimentar sua indústria e sua população. Grandes fazendas coreanas foram expropriadas e sua produção, em grande parte, desviada. O sistema agrário foi reestruturado para atender às demandas japonesas, deixando muitos agricultores coreanos na miséria e sem terras. A industrialização que ocorreu foi seletiva, focando em indústrias que servissem aos interesses japoneses, como fábricas de armamentos e processamento de matérias-primas, concentrando-se principalmente na parte norte da península, onde havia mais recursos naturais. Essa disparidade no desenvolvimento industrial entre o norte e o sul teria consequências duradouras.

Culturalmente, o domínio japonês foi uma tentativa sistemática de erradicar a identidade coreana. A língua coreana foi banida das escolas e da esfera pública, forçando os coreanos a aprender japonês. Nomes coreanos foram substituídos por nomes japoneses em uma campanha chamada Soshi-kaimei. Os coreanos eram forçados a adorar em santuários xintoístas japoneses e a adotar costumes japoneses, com o objetivo de transformá-los em súditos leais do imperador japonês. Milhões de coreanos foram recrutados para trabalhar em condições análogas à escravidão em minas e fábricas no Japão e em outras partes do império, e mulheres foram forçadas a servir como “mulheres de consolo” (escravas sexuais) para o exército japonês, um trauma que ainda hoje é uma ferida aberta nas relações entre os dois países.

Essa repressão gerou um profundo ressentimento e um forte sentimento nacionalista entre os coreanos, mas também criou divisões internas. Enquanto alguns colaboraram com os japoneses por conveniência ou necessidade, outros se engajaram em movimentos de resistência, tanto dentro da Coreia quanto no exílio, muitos deles com inclinações ideológicas diversas, de nacionalistas a comunistas. Quando o Japão finalmente se rendeu no final da Segunda Guerra Mundial, em agosto de 1945, a Coreia estava exausta, empobrecida, e com sua sociedade fragmentada, mas livre da opressão colonial. A ironia é que a libertação não trouxe a unidade esperada, mas sim o início de uma nova forma de divisão, um legado daquele período sombrio, onde as sementes da desconfiança e dos ideais políticos antagônicos já haviam sido plantadas por diferentes grupos de resistência que, agora, buscariam preencher o vácuo de poder.

Como a Segunda Guerra Mundial mudou o destino da Coreia?

A Segunda Guerra Mundial foi o catalisador que, paradoxalmente, libertou a Coreia do jugo japonês ao mesmo tempo em que preparava o terreno para sua divisão. A península estava sob o domínio japonês desde 1910, e a derrota do Japão era a única esperança para a soberania coreana. Com o avanço das forças aliadas e o enfraquecimento do Eixo, o fim da guerra se aproximava, e o destino da Coreia, até então uma questão interna japonesa, tornava-se uma preocupação internacional. As grandes potências vitoriosas, principalmente os Estados Unidos e a União Soviética, começaram a vislumbrar o vácuo de poder que surgiria na Ásia Oriental.

No Cairo, em 1943, e posteriormente em Potsdam, em 1945, os líderes aliados – Franklin D. Roosevelt, Winston Churchill e Chiang Kai-shek (e mais tarde Joseph Stalin) – começaram a discutir o futuro dos territórios ocupados pelo Japão. Foi nessas conferências que a ideia de uma Coreia independente, mas inicialmente sob uma “tutela” ou “administração fiduciária” das potências vitoriosas, começou a tomar forma. A ideia era que a Coreia passaria por um período de transição supervisionada antes de se tornar plenamente independente, mas ninguém especificou como isso aconteceria ou quem exatamente a administraria. A realidade é que havia pouca compreensão ou prioridade para a Coreia em meio à complexidade de reconstruir o mundo pós-guerra.

A virada decisiva veio com a entrada da União Soviética na guerra contra o Japão. Seguindo o acordo feito em Yalta, a URSS declarou guerra ao Japão em 8 de agosto de 1945, apenas dois dias após o bombardeio atômico de Hiroshima. As tropas soviéticas avançaram rapidamente pela Manchúria e, em poucos dias, entraram na Coreia pelo norte, encontrando pouca resistência japonesa. Diante desse avanço soviético e para evitar que toda a península caísse sob a influência comunista, os Estados Unidos, que se preparavam para invadir o Japão pelo sul, agiram rapidamente para garantir uma fatia do território. Foi nesse contexto de corrida militar e de definição de esferas de influência que a proposta de dividir a Coreia temporariamente ganhou força.

Quando o Japão anunciou sua rendição em 15 de agosto de 1945, a Coreia estava, pela primeira vez em 35 anos, livre. Mas essa liberdade veio com um custo inesperado: a divisão imposta pelas potências vitoriosas. A Segunda Guerra Mundial, portanto, não apenas encerrou o colonialismo japonês, mas também abriu as portas para a hegemonia das duas superpotências emergentes, cujas ideologias e interesses conflitantes se chocariam diretamente na península coreana. A libertação foi um prenúncio de uma nova forma de subjugação, dessa vez ideológica, que transformaria uma nação unida em dois países amargamente opostos, com a linha divisória sendo apenas um rabisco apressado num mapa, que se tornaria uma fronteira inabalável.

Por que os EUA e a URSS se envolveram na Coreia?

O envolvimento dos Estados Unidos e da União Soviética na Coreia foi um reflexo direto do início da Guerra Fria e da disputa global por esferas de influência que se seguiu à Segunda Guerra Mundial. Com o fim do conflito mundial, o Japão estava derrotado, e a Coreia, como uma de suas colônias, estava “vaga”. Para os EUA e a URSS, a península não era apenas um pedaço de terra a ser libertado, mas um tabuleiro estratégico no grande jogo ideológico que estava se armando. Para os Estados Unidos, era crucial impedir que a Coreia, geograficamente próxima ao Japão (seu principal aliado na Ásia) e com potencial para ser uma base militar importante, caísse totalmente sob o controle comunista. Já para a União Soviética, estender sua influência na Coreia significava expandir o socialismo e garantir uma zona de segurança em suas fronteiras orientais, além de ter acesso a portos estratégicos.

O vácuo de poder deixado pela saída japonesa foi preenchido por esses dois gigantes com uma velocidade surpreendente. A Coreia era um dos poucos lugares onde as forças soviéticas e americanas estavam fisicamente presentes e se aproximavam. Para evitar um confronto direto e para gerir a rendição das tropas japonesas, foi proposta uma divisão temporária. A lógica por trás dessa divisão era simples: as forças soviéticas aceitariam a rendição japonesa ao norte do Paralelo 38, e as forças americanas fariam o mesmo ao sul. Essa proposta, feita pelos americanos em um mapa de parede de última hora, foi aceita pela União Soviética, talvez por ser um acordo pragmático para evitar atritos imediatos, ou talvez por ver a oportunidade de solidificar sua presença em uma parte da península.

A partir desse ponto, o envolvimento de ambos os países deixou de ser meramente militar e tornou-se profundamente político e ideológico. Cada potência começou a apoiar facções coreanas alinhadas aos seus próprios sistemas políticos. No norte, a União Soviética apoiou os comunistas coreanos, liderados por Kim Il-sung, um guerrilheiro anti-japonês que havia passado anos na URSS. Eles estabeleceram estruturas de poder inspiradas no modelo soviético, com reformas agrárias e nacionalização da indústria. No sul, os Estados Unidos apoiaram os nacionalistas conservadores, que eram anticomunistas, muitos dos quais haviam retornado do exílio, como Syngman Rhee, que se tornaria o primeiro presidente. Os americanos temiam que um governo unificado pró-soviético na Coreia pudesse desestabilizar a região e ameaçar seus interesses no Japão e na Ásia.

Portanto, o envolvimento de EUA e URSS na Coreia não foi apenas sobre a libertação do domínio japonês, mas sobre a projeção de suas ideologias e o estabelecimento de esferas de influência em um mundo que estava rapidamente se bipolarizando. A Coreia se tornou um campo de batalha simbólico (e, mais tarde, literal) para a Guerra Fria, onde as duas superpotências testavam seus limites sem engajamento direto. A divisão temporária, nascida da necessidade militar pós-guerra, rapidamente se solidificou em uma fronteira ideológica, cada lado construindo um estado à sua imagem e semelhança, pavimentando o caminho para um conflito fratricida que selaria a separação da península por décadas.

Qual foi o papel do Paralelo 38 na divisão inicial?

O Paralelo 38, uma linha de latitude que corta a península coreana, não tinha nenhum significado histórico ou cultural para os coreanos antes de 1945. Ele era apenas uma linha arbitrária no mapa, mas que se tornou o símbolo e a realidade física da divisão. Sua escolha foi surpreendente e apressada, feita por oficiais americanos do Departamento de Guerra em agosto de 1945, nas últimas horas da Segunda Guerra Mundial, com o objetivo de demarcar as áreas de operação para a rendição das tropas japonesas na Coreia. O Coronel Charles Bonesteel e o General Dean Rusk foram os responsáveis por traçar essa linha em um mapa de parede, buscando um ponto médio que incluísse a capital, Seul, na zona americana, e que fosse aceitável para os soviéticos.

A ideia original era que essa divisão fosse puramente temporária, uma conveniência logística para facilitar a desocupação japonesa e a transição para um governo coreano independente. As forças soviéticas aceitaram a proposta, e assim, ao norte do Paralelo 38, as tropas soviéticas receberiam a rendição japonesa, enquanto ao sul, as forças americanas fariam o mesmo. No entanto, o que era para ser uma medida provisória rapidamente se transformou em uma fronteira intransponível à medida que as tensões da Guerra Fria se intensificavam. A linha se tornou não apenas uma barreira militar, mas uma muralha ideológica, separando um país que, até então, era unificado por séculos de história, cultura e etnia.

Com o tempo, essa linha arbitrária no mapa se solidificou em uma fronteira militarizada, com patrulhas, postos de controle e um acúmulo de forças de ambos os lados. As potências ocupantes, em vez de facilitarem a unificação, começaram a solidificar governos alinhados aos seus próprios interesses ideológicos: um regime comunista ao norte e um regime capitalista e pró-ocidental ao sul. O Paralelo 38, que era apenas um detalhe técnico, tornou-se o epicentro de uma divisão que, em poucos anos, culminaria em uma guerra civil devastadora, com consequências que duram até hoje. Ele é um lembrete cruel de como decisões aparentemente pequenas, tomadas em momentos de urgência geopolítica, podem ter um impacto gigantesco e irreversível na vida de milhões de pessoas.

Como surgiram os governos rivais no Norte e no Sul?

A emergência de dois governos rivais na Coreia foi um processo gradual, mas implacável, alimentado pelas ideologias opostas dos Estados Unidos e da União Soviética. À medida que o Paralelo 38 se solidificava como uma linha divisória, cada superpotência começou a moldar a parte da Coreia sob seu controle à sua própria imagem. No norte, a União Soviética agiu rapidamente para estabelecer um governo comunista. Eles trouxeram de volta Kim Il-sung, um veterano da guerrilha antijaponesa com laços estreitos com Moscou, e o posicionaram como líder. Sob a tutela soviética, o norte iniciou reformas radicais, como a nacionalização de indústrias, a coletivização de terras e a construção de um estado com base em um sistema de partido único e uma ideologia marxista-leninista adaptada às condições coreanas, o Juche, que viria a se consolidar mais tarde. A ideia era criar uma “Coreia do Povo” que eventualmente unificaria toda a península sob o regime comunista.

No sul, os Estados Unidos enfrentaram um cenário mais complexo, com uma variedade de grupos políticos, de nacionalistas conservadores a esquerdistas. Os americanos, no entanto, priorizaram a criação de um governo anticomunista que pudesse servir como baluarte contra a expansão soviética. Eles apoiaram Syngman Rhee, um nacionalista coreano que havia passado décadas no exílio nos EUA, conhecido por sua retórica fortemente anticomunista e sua visão autoritária. Através de eleições controversas em 1948, boicotadas pelo norte e por muitos sul-coreanos de esquerda, Rhee foi eleito o primeiro presidente da República da Coreia. Seu governo, embora se apresentasse como democrático, rapidamente se tornou autoritário, reprimindo dissidentes e esmagando qualquer oposição de esquerda, muitas vezes com violência, o que só aprofundou a polarização interna.

A formação desses dois governos distintos foi um ponto sem retorno. Em 9 de setembro de 1948, apenas algumas semanas após a proclamação da República da Coreia no sul (15 de agosto de 1948), o norte respondeu com a proclamação da República Popular Democrática da Coreia (RPDC), com Pyongyang como sua capital. Ambos os governos se declaravam como a única autoridade legítima sobre toda a península e se recusavam a reconhecer a legitimidade do outro. Essa situação criou uma dinâmica de dois estados coreanos, cada um com sua própria bandeira, exército, sistema político e líder, mas que viam a unificação como um objetivo supremo, ainda que por meios muito diferentes.

A rivalidade não era apenas política; era ideológica e existencial. Tanto Kim Il-sung quanto Syngman Rhee nutriam o desejo de unificar a Coreia sob seu próprio regime, e estavam dispostos a usar a força para atingir esse objetivo. A retirada gradual das tropas soviéticas e americanas, sem um acordo para a reunificação, deixou a península com dois exércitos armados, treinados e ideologicamente motivados, à beira de um conflito. Essa dualidade, essa divisão institucionalizada de um único povo em dois estados mutuamente antagônicos, pavimentou o caminho para a guerra, transformando uma disputa ideológica em um conflito armado que, embora tecnicamente tenha terminado em 1953, nunca foi verdadeiramente resolvido com um tratado de paz, deixando as duas Coreias em um estado de armistício permanente.

O que levou à Guerra da Coreia em 1950?

A Guerra da Coreia, que irrompeu em 25 de junho de 1950, não foi um evento espontâneo, mas o clímax inevitável de anos de tensão acumulada, ambição de unificação forçada e a efervescência da Guerra Fria. Após a retirada das tropas soviéticas e americanas em 1949, ambos os governos coreanos, liderados por Kim Il-sung no Norte e Syngman Rhee no Sul, viam a unificação da península como seu objetivo primordial. No entanto, cada um queria essa unificação sob seus próprios termos e ideologias. Kim Il-sung, com o apoio tácito de Joseph Stalin na União Soviética e de Mao Tsé-Tung na recém-proclamada República Popular da China, acreditava que uma invasão rápida e decisiva do Sul seria bem-sucedida, contando com o apoio popular de sul-coreanos descontentes com o regime autoritário de Rhee.

O Norte via o Sul como uma colônia do imperialismo americano, e o Sul via o Norte como uma ditadura comunista. A fronteira do Paralelo 38 era palco constante de escaramuças, incursões e provocações militares. As forças armadas de ambos os lados estavam se preparando para a guerra, com o Norte, especialmente, recebendo grande apoio militar e treinamento da União Soviética. Kim Il-sung fez várias viagens a Moscou e Pequim, argumentando que os Estados Unidos não interviriam e que a população sul-coreana se levantaria para apoiar a invasão do Norte, o que facilitaria uma vitória rápida. Ele convenceu Stalin a dar luz verde, garantindo-lhe apoio militar e estratégico, mas com a condição de que a China também apoiasse a empreitada, para evitar um conflito direto com os EUA.

Além das ambições de unificação e da polarização ideológica, a percepção de fraqueza dos Estados Unidos contribuiu para a decisão do Norte. Em janeiro de 1950, o Secretário de Estado americano, Dean Acheson, proferiu um discurso no qual delineou o “perímetro de defesa” dos EUA na Ásia, que incluía o Japão, as Filipinas e as ilhas Aleutas, mas explicitamente omitia a Coreia do Sul. Essa declaração, interpretada por Kim Il-sung e Stalin como um sinal de que os EUA não defenderiam o Sul, foi um fator crucial que os encorajou a prosseguir com o plano de invasão. Acreditavam que uma ação rápida evitaria uma resposta militar americana, ou que, se houvesse, seria mínima.

Portanto, a Guerra da Coreia foi o resultado de uma combinação explosiva: a inimizade intrínseca entre dois regimes coreanos rivais, o desejo de cada um de unificar a península sob sua bandeira, o apoio e a incitação das superpotências da Guerra Fria que buscavam expandir sua influência, e a percepção equivocada da ausência de uma forte reação internacional. Em 25 de junho de 1950, as forças norte-coreanas cruzaram o Paralelo 38 em uma invasão em larga escala e bem-sucedida, pegando o mundo de surpresa e dando início a um dos conflitos mais sangrentos e complexos do século XX, que cimentaria a divisão da Coreia de uma forma que ninguém poderia ter previsto.

Quais foram os principais momentos e atores da Guerra da Coreia?

A Guerra da Coreia, que durou de 1950 a 1953, foi um caldeirão de eventos dramáticos e reviravoltas, com atores cruciais que moldaram seu curso e suas consequências. Tudo começou com a invasão surpresa da Coreia do Norte em 25 de junho de 1950, que pegou a Coreia do Sul e seus aliados de surpresa. As forças norte-coreanas, bem treinadas e equipadas com armamentos soviéticos, avançaram rapidamente, conquistando Seul em poucos dias e empurrando as forças sul-coreanas e os pequenos contingentes americanos que estavam lá para um pequeno perímetro defensivo ao redor da cidade de Pusan, no extremo sul da península. Parecia que a Coreia do Sul seria completamente varrida do mapa em questão de semanas.

No entanto, a resposta internacional foi rápida e decisiva, impulsionada pelos Estados Unidos. A ONU, com o boicote da União Soviética (que estava protestando contra a exclusão da China comunista), conseguiu aprovar uma resolução condenando a agressão norte-coreana e autorizando a formação de uma força multinacional para repelir a invasão. Essa força, composta principalmente por tropas americanas e liderada pelo lendário General Douglas MacArthur, desembarcou na Coreia do Sul. O ponto de virada veio com o desembarque de Inchon em setembro de 1950, uma operação anfíbia audaciosa e arriscada. MacArthur, com essa manobra genial, cortou as linhas de suprimento norte-coreanas e surpreendeu suas tropas, que foram forçadas a recuar desordenadamente, permitindo que as forças da ONU e sul-coreanas retomassem Seul e empurrassem o inimigo de volta para o Norte.

Com a vitória em Inchon, MacArthur, convencido de que poderia unificar a Coreia sob o governo do Sul e erradicar o comunismo na península, decidiu cruzar o Paralelo 38 e avançar em direção ao rio Yalu, a fronteira entre a Coreia do Norte e a China. Essa decisão, apesar dos avisos da China, que se sentia ameaçada pela proximidade das forças americanas em sua fronteira, mudou o curso da guerra. Em outubro de 1950, a China, liderada por Mao Tsé-Tung, interveio maciçamente, enviando centenas de milhares de “voluntários” para apoiar a Coreia do Norte. A intervenção chinesa pegou as forças da ONU de surpresa, fazendo-as recuar rapidamente, com pesadas baixas, e levando à recaptura de Seul pelas forças comunistas, novamente.

A guerra então entrou em um impasse sangrento e brutal, com linhas de frente oscilando em torno do Paralelo 38. Os meses seguintes foram marcados por combates ferozes e ataques e contra-ataques, sem grandes avanços para nenhum dos lados. MacArthur foi demitido pelo Presidente Truman por insubordinação, após defender abertamente o uso de armas nucleares e a expansão da guerra para a China. As negociações de paz começaram em julho de 1951, mas se arrastaram por dois anos, com disputas acaloradas sobre a questão dos prisioneiros de guerra. A guerra de movimento se transformou em uma guerra de trincheiras, um conflito de atrito que causou milhões de mortes, a maioria civis coreanos. Finalmente, em 27 de julho de 1953, um armistício foi assinado, congelando as linhas de batalha perto do Paralelo 38 e estabelecendo uma Zona Desmilitarizada (DMZ), mas sem um tratado de paz formal, deixando a Coreia permanentemente dividida.

Como a intervenção chinesa mudou o curso da guerra?

A intervenção da República Popular da China na Guerra da Coreia foi o momento mais decisivo e dramático do conflito, transformando uma guerra que parecia estar se encaminhando para uma vitória das forças da ONU em um impasse sangrento e, finalmente, cimentando a divisão da península. Quando as tropas da ONU, lideradas pelo General Douglas MacArthur, avançaram para o norte e se aproximaram da fronteira com a China no rio Yalu em outubro de 1950, Pequim emitiu avisos claros de que não toleraria a presença de forças estrangeiras em suas fronteiras. No entanto, MacArthur e o comando americano subestimaram a seriedade dessas ameaças, considerando-as blefes ou exageros, e continuaram o avanço, impulsionados pela crença de que a Coreia do Norte estava à beira da derrota total.

Essa subestimação foi um erro fatal. Em 25 de outubro de 1950, as forças chinesas, oficialmente chamadas de “Voluntários do Povo Chinês”, começaram a cruzar secretamente o rio Yalu em grande número. Essas tropas, embora não tão bem equipadas quanto as americanas, eram vastas em número, experientes em combate de guerrilha e guerra de movimento, e incrivelmente resilientes. A intervenção chinesa pegou as forças da ONU e sul-coreanas completamente de surpresa. Sob o disfarce da noite e explorando o terreno montanhoso, os chineses lançaram ataques maciços que esmagaram as linhas da ONU, forçando uma retirada caótica e humilhante. O General MacArthur havia previsto que as tropas estariam “em casa para o Natal”, mas em vez disso, elas estavam em uma retirada desesperada e congelante.

A intervenção chinesa teve várias consequências imediatas e de longo prazo. Primeiramente, ela salvou a Coreia do Norte da derrota iminente e restaurou a capacidade militar de Pyongyang, garantindo a sobrevivência do regime de Kim Il-sung. Em segundo lugar, ela levou a guerra a um impasse. Depois de recapturar Seul pela segunda vez (em janeiro de 1951), as forças chinesas e norte-coreanas foram eventualmente repelidas de volta ao Paralelo 38 após uma contra-ofensiva da ONU, mas as linhas de batalha se estabilizaram em torno dessa latitude. A guerra de movimento terminou, e o conflito se transformou em uma brutal guerra de atrito e trincheiras, com perdas humanas massivas de ambos os lados, especialmente entre os civis coreanos.

Finalmente, a intervenção chinesa reforçou a bipolarização da Guerra Fria na Ásia. A China, que havia se tornado comunista em 1949, solidificou sua aliança com a União Soviética e a Coreia do Norte, criando um bloco comunista forte na região. A guerra confirmou a divisão permanente da Coreia. Sem a intervenção chinesa, é muito provável que a Coreia tivesse sido reunificada sob o governo anticomunista do Sul. No entanto, com a entrada da China, o cenário mudou drasticamente, garantindo a existência de duas Coreias e uma fronteira militarizada que permanece até hoje, um legado direto da decisão chinesa de defender sua segurança e impedir o avanço de uma potência ocidental em sua fronteira.

O que foi o Armistício de 1953 e por que não houve um tratado de paz?

O Armistício da Guerra da Coreia foi assinado em 27 de julho de 1953, marcando o fim das hostilidades ativas entre as forças da Organização das Nações Unidas (lideradas pelos EUA), a Coreia do Norte e a China. Essencialmente, um armistício é um cessar-fogo, um acordo para parar de lutar, não um tratado de paz que oficialmente encerra o estado de guerra. Imagine um jogo de futebol que termina no empate, mas as equipes se recusam a apertar as mãos ou a reconhecer que o jogo acabou; elas apenas param de jogar a bola e continuam a se encarar à distância, em suas respectivas metades do campo. Foi exatamente isso que aconteceu na Coreia: as armas silenciaram, mas o conflito fundamental e a inimizade ideológica permaneceram.

A principal razão pela qual não houve um tratado de paz foi a completa e irreconciliável falta de confiança e o abismo ideológico entre as partes. Os Estados Unidos e seus aliados, por um lado, e a Coreia do Norte e a China, por outro, não conseguiam chegar a um acordo sobre as condições de um tratado de paz que garantisse a segurança de ambas as partes e, crucialmente, a reunificação da península. As discussões para o armistício já foram extremamente difíceis, arrastando-se por dois anos, com grande parte da disputa centrada na repatriação de prisioneiros de guerra – os comunistas insistiam na repatriação forçada de todos os seus prisioneiros, enquanto a ONU defendia a repatriação voluntária. Essa questão simbolizou a intransigência de ambos os lados em ceder em pontos cruciais.

Sem um tratado de paz, a Península Coreana permanece tecnicamente em estado de guerra. Isso significa que, a qualquer momento, as hostilidades poderiam ser retomadas sem quebrar nenhuma lei internacional formal que as impedisse. O armistício estabeleceu a Zona Desmilitarizada (DMZ), uma faixa de terra de cerca de 4 km de largura que se estende por 250 km de leste a oeste da península, servindo como uma fronteira de facto e uma das fronteiras mais militarizadas do mundo. Essa DMZ, apesar do nome, é um lembrete constante da tensão, com milhões de soldados de ambos os lados e artilharia pesada apontada um para o outro.

A ausência de um tratado de paz é uma fonte de instabilidade contínua na região. Ela permite que a Coreia do Norte justifique sua política de Songun (prioridade militar), seu programa nuclear e balístico como uma medida defensiva contra uma suposta agressão americana e sul-coreana. Para a Coreia do Sul e os EUA, a ausência de um tratado de paz justifica a presença de tropas americanas na Coreia do Sul e a manutenção de uma aliança militar robusta. É uma espécie de “guerra fria” dentro da própria Guerra Fria, uma situação congelada que perdura por mais de 70 anos e que transformou o armistício em um símbolo duradouro da divisão coreana e da incapacidade de se chegar a uma solução pacífica e definitiva para um conflito brutal.

Quais foram as trajetórias econômicas e sociais divergentes pós-guerra?

Após o armistício de 1953, a Coreia do Norte e a Coreia do Sul embarcaram em trajetórias econômicas e sociais que não poderiam ser mais distintas, consolidando ainda mais suas separações e criando dois mundos paralelos em uma única península. A Coreia do Norte, sob a liderança de Kim Il-sung, adotou um modelo de desenvolvimento econômico focado na indústria pesada e na autossuficiência, conhecida como Juche. Inicialmente, o Norte se beneficiou de sua herança industrial do período japonês e do apoio da União Soviética e da China. Nas primeiras décadas pós-guerra, o Norte, de fato, superou economicamente o Sul em alguns indicadores, com uma infraestrutura industrial mais robusta e um sistema de planejamento centralizado que prometia eliminar as desigualdades sociais e garantir o bem-estar da população.

No entanto, essa prosperidade inicial do Norte foi insustentável. O modelo Juche, embora enfatizasse a autossuficiência, levou ao isolamento e à ineficiência. A economia planificada, a falta de inovação tecnológica e a dependência de subsídios externos (que diminuíram drasticamente após o colapso da União Soviética) levaram a um declínio gradual, que se aprofundou com a grande fome da década de 1990, que ceifou a vida de milhões de norte-coreanos. A priorização militar (Songun), que direciona a maior parte dos recursos para o desenvolvimento de armas e para a manutenção de um vasto exército, também contribuiu para a deterioração das condições de vida da população. Hoje, a economia norte-coreana é uma das mais isoladas e empobrecidas do mundo, com grande parte da população vivendo sob severas restrições e escassez.

Em contraste, a Coreia do Sul, sob a tutela dos Estados Unidos e adotando um modelo capitalista e orientado para a exportação, passou por um milagre econômico espetacular. Inicialmente um dos países mais pobres do mundo, o Sul investiu pesadamente em educação, tecnologia e indústria. Com forte apoio governamental e investimento estrangeiro, as empresas sul-coreanas, como Samsung, Hyundai e LG, se tornaram gigantes globais, transformando o país em uma potência econômica e tecnológica. Esse crescimento, conhecido como o “Milagre do Rio Han”, tirou milhões da pobreza, criou uma classe média robusta e elevou o padrão de vida a níveis comparáveis aos de países desenvolvidos. A sociedade sul-coreana passou por uma urbanização acelerada, uma revolução tecnológica e, posteriormente, uma transição para a democracia.

As diferenças socioeconômicas são gritantes e facilmente observáveis até do espaço, onde o Sul brilha com suas luzes e o Norte permanece na escuridão.

Essas trajetórias divergentes não apenas aprofundaram a divisão, mas também criaram duas identidades nacionais distintas, apesar da mesma origem étnica e cultural. O norte se vê como guardião da pureza coreana e da independência contra o imperialismo, enquanto o sul se orgulha de sua modernidade, democracia e sucesso econômico. Essa dicotomia é um dos maiores obstáculos para qualquer forma de reunificação, pois as diferenças sistêmicas e o abismo no nível de vida são tão profundos que a ideia de integrar essas duas sociedades parece uma tarefa hercúlea, quase utópica.

Como a Guerra Fria manteve a divisão e a tensão?

A Guerra Fria, o período de tensões geopolíticas entre os Estados Unidos e a União Soviética que durou do final da Segunda Guerra Mundial até a queda do Muro de Berlim, foi o motor fundamental que não apenas causou a divisão da Coreia, mas também a manteve rigidamente separada e em estado de alta tensão por décadas. A Coreia se tornou, de fato, um dos “hot spots” mais voláteis e emblemáticos da Guerra Fria, um campo de batalha ideológico onde as duas superpotências jogavam seu xadrez geopolítico sem um confronto direto, mas usando nações “procuradoras” para lutar suas guerras. A península, geograficamente estratégica na Ásia Oriental, era um ponto crucial na contenção do comunismo para os EUA e na expansão da influência soviética para a URSS.

A existência de duas Coreias serviu aos interesses de ambas as superpotências. Para a União Soviética e, mais tarde, a China, a Coreia do Norte era um estado-tampão vital e um aliado ideológico na fronteira com o bloco capitalista. Eles forneceram apoio militar, econômico e político a Pyongyang, garantindo que o regime de Kim Il-sung pudesse se sustentar e manter sua postura anticapitalista. Para os Estados Unidos, a Coreia do Sul era um bastião contra a expansão comunista, uma demonstração do sucesso do capitalismo e da democracia na Ásia. A presença militar americana na Coreia do Sul, que permanece até hoje, e o apoio econômico maciço foram elementos-chave para manter o Sul no campo ocidental e para dissuadir qualquer nova agressão do Norte.

Essa dinâmica de patrocínio externo criou uma dependência mútua entre as Coreias e seus respectivos aliados. O Norte não podia se unificar sem o apoio soviético/chinês, e o Sul não podia resistir sem a proteção americana. Cada movimento de um lado era interpretado pelo outro sob a ótica da Guerra Fria, levando a uma espiral de desconfiança, corrida armamentista e paranoia. A Zona Desmilitarizada (DMZ) não era apenas uma fronteira física, mas uma representação visível da Cortina de Ferro na Ásia, uma cicatriz geopolítica que dividia o mundo em dois blocos ideológicos e militares. A propaganda de ambos os lados retratava o outro como um inimigo existencial, infiltrado por espiões e determinado a destruir seu respectivo sistema.

O fim da Guerra Fria com o colapso da União Soviética em 1991 trouxe mudanças sísmicas em outras partes do mundo, com a reunificação da Alemanha sendo o exemplo mais notável. No entanto, na Coreia, a divisão persistiu. Embora a Coreia do Norte tenha perdido seu principal patrono e as relações com a China tenham se tornado mais pragmáticas, o regime de Pyongyang se agarrou ainda mais à sua ideologia Juche e ao desenvolvimento nuclear como garantia de sua sobrevivência. A aliança entre os EUA e a Coreia do Sul, por sua vez, permaneceu forte, justificada pela persistente ameaça nuclear e convencional do Norte. Assim, mesmo após o fim da Guerra Fria global, seu legado e suas tensões continuaram a moldar a realidade da Península Coreana, mantendo duas nações, um povo, em um estado de divisão e confrontação perpétua.

Quais são as principais diferenças ideológicas e políticas entre as Coreias hoje?

As diferenças ideológicas e políticas entre as duas Coreias hoje são tão profundas que quase parecem representar dois universos distintos, apesar de compartilharem uma herança cultural e étnica comum. A Coreia do Norte, formalmente conhecida como República Popular Democrática da Coreia (RPDC), é um estado totalitário, dinástico e unipartidário, rigidamente controlado pelo Partido dos Trabalhadores da Coreia. Sua ideologia oficial é o Juche, que pode ser traduzido como “autossuficiência”. Embora tenha raízes no marxismo-leninismo, o Juche evoluiu para uma doutrina altamente nacionalista e personalista, centrada na adoração ao líder supremo da família Kim, que é visto quase como uma divindade. A Coreia do Norte é, em essência, uma monarquia comunista hereditária, onde a lealdade ao líder e ao estado é absoluta, e qualquer dissidência é brutalmente suprimida.

A Coreia do Sul, ou República da Coreia, por outro lado, é uma democracia presidencialista vibrante e uma economia capitalista de livre mercado. Embora tenha passado por períodos de ditadura militar no século XX, o país fez uma transição bem-sucedida para a democracia plena no final dos anos 1980, com eleições livres, liberdade de expressão (dentro dos limites da legislação de segurança nacional), e um sistema multipartidário. Os valores fundamentais do Sul são a liberdade individual, os direitos humanos, a inovação tecnológica e a integração com a economia global. A sociedade sul-coreana é dinâmica, altamente conectada e influenciada por tendências globais, contrastando dramaticamente com a rigidez e o isolamento do Norte.

Essa discrepância se manifesta em todos os aspectos da vida cotidiana e na governança. Na Coreia do Norte, o estado controla completamente a mídia, a educação e a vida pessoal dos cidadãos. A propaganda é ubíqua, e o acesso a informações externas é severamente restrito. Não há liberdade de ir e vir, de expressão ou de associação, e a economia é centralmente planejada, resultando em escassez crônica e pobreza generalizada. O governo prioriza o desenvolvimento militar, especialmente seus programas de armas nucleares e mísseis balísticos, como uma forma de garantir a sobrevivência do regime e projetar poder, enquanto a população muitas vezes sofre com a falta de recursos básicos.

Em contraste, a Coreia do Sul desfruta de um alto grau de liberdade e prosperidade. Seus cidadãos têm acesso irrestrito à internet e à mídia global, a cultura pop é um motor econômico e social, e há um sistema de saúde e educação robusto. As empresas sul-coreanas são líderes mundiais em tecnologia, e o país é um ator influente na cena global. Essas diferenças ideológicas e políticas não são apenas teóricas; elas se traduzem em estilos de vida, valores e prioridades nacionais diametralmente opostos. A Coreia do Norte é um estado-quartel que reverencia o passado e seu líder, enquanto a Coreia do Sul é uma sociedade voltada para o futuro, que abraça a inovação e os valores democráticos globais. É essa fenda ideológica profunda que, mais do que qualquer linha no mapa, mantém as duas Coreias separadas.

Houve tentativas de reunificação? Por que falharam?

Ao longo das décadas, houve, sim, diversas tentativas e propostas de reunificação da Península Coreana, mas todas elas, sem exceção, esbarraram na intransigência mútua, na profunda desconfiança e nas diferentes visões de futuro que cada lado nutria. Tanto o Norte quanto o Sul, desde o fim da guerra, declararam a reunificação como um objetivo nacional supremo, mas o como e o sob quem sempre foram os nós górdios. A Coreia do Norte sempre defendeu uma reunificação pacífica sob sua própria bandeira socialista, propondo uma “confederação” com o Sul, mas sem abrir mão do controle do Partido dos Trabalhadores ou do seu sistema socialista. Para Pyongyang, a reunificação seria uma “libertação” do Sul do que eles veem como o “domínio imperialista americano”.

No Sul, a postura inicialmente foi de “marcha para o Norte” (unificação pela força), mas com o tempo e o desenvolvimento econômico e democrático, a abordagem mudou para uma reunificação pacífica, mas sob os princípios da liberdade e da democracia, e com o desmantelamento do regime do Norte. Propostas de intercâmbio, diálogo e cooperação foram feitas por Seul, como a “Política do Sol” na virada do milênio, que buscava engajamento e aproximação gradual com o Norte, na esperança de construir confiança e reduzir as tensões. Isso levou a momentos históricos, como as cúpulas intercoreanas, onde os líderes das duas Coreias se encontraram, como a de 2000, 2007 e, mais recentemente, em 2018.

No entanto, todas essas iniciativas falharam por uma série de razões complexas. A principal delas é a questão ideológica fundamental e a segurança existencial de cada regime. Para o Norte, a reunificação nos termos do Sul significaria o fim do regime da família Kim e a desintegração de todo o seu sistema político e social. Para o Sul, a reunificação nos termos do Norte é impensável, pois significaria a perda de sua democracia e liberdade. Além disso, a profunda diferença econômica e social entre as duas Coreias é um abismo. A Coreia do Sul teme o custo astronômico da reunificação e a integração de uma população norte-coreana que viveu em um sistema completamente diferente por sete décadas, sem contato com o mundo exterior.

Outro fator crucial para o fracasso é a influência das potências externas. A China tem um interesse estratégico em manter a Coreia do Norte como um estado-tampão e uma barreira entre si e as tropas americanas na Coreia do Sul. Os Estados Unidos, embora verbalmente apoiem a reunificação pacífica, também têm interesse na estabilidade regional e na manutenção de sua aliança com o Sul, e temem as implicações de um colapso repentino do Norte. A falta de um acordo sobre um tratado de paz e o persistente programa de armas nucleares da Coreia do Norte também são barreiras intransponíveis, que transformam qualquer diálogo sobre reunificação em um exercício de retórica, sem avanços substanciais. Assim, a “reunificação” permanece mais como um sonho distante ou uma ferramenta retórica para ambos os lados, do que um objetivo político tangível no curto ou médio prazo.

Qual o futuro da Península Coreana e as chances de uma unificação?

O futuro da Península Coreana é uma das questões geopolíticas mais complexas e imprevisíveis do século XXI. As chances de uma unificação genuína e pacífica, nos termos que a maioria da comunidade internacional e da Coreia do Sul desejaria, parecem, no momento, bastante remotas. A lacuna econômica, social e, principalmente, ideológica entre o Norte e o Sul tornou-se tão vasta que a ideia de integrar duas sociedades que viveram em realidades completamente separadas por mais de 70 anos é uma tarefa de proporções hercúleas, quase sem precedentes na história moderna. A Coreia do Norte, sob a liderança de Kim Jong-un, mostra pouca inclinação para abrir mão de seu poder ou de seu programa nuclear, que é visto como a garantia de sua sobrevivência.

Há basicamente alguns cenários possíveis, embora todos carreguem consigo enormes desafios e riscos. O primeiro é a manutenção do status quo: a Coreia do Norte continua sendo um estado nuclear isolado, a Coreia do Sul permanece como uma democracia próspera e aliada dos EUA, e a DMZ continua sendo a fronteira mais militarizada do mundo. Esse cenário é o mais provável no curto e médio prazo, pois, apesar das tensões, proporciona uma estranha estabilidade, onde cada lado sabe o que esperar do outro. No entanto, é uma estabilidade frágil, constantemente ameaçada por provocações norte-coreanas ou por uma má leitura de sinais.

O segundo cenário é o de um colapso do regime norte-coreano. Embora seja uma esperança para muitos sul-coreanos e ocidentais, é um cenário altamente perigoso. Um colapso poderia levar a um vácuo de poder, uma crise humanitária massiva, e a um conflito armado para o controle das armas nucleares. A Coreia do Sul, a China e os EUA teriam que gerenciar uma situação explosiva, com o risco de um conflito maior. A China, em particular, teme um fluxo de refugiados e a possibilidade de tropas americanas chegarem à sua fronteira, o que a levaria a intervir. Esse cenário, portanto, embora traga a possibilidade de unificação, seria extremamente custoso e caótico.

Por fim, o terceiro cenário é o de uma unificação pacífica e gradual, talvez através de uma confederação ou de um processo de longo prazo, como o que ocorreu na Alemanha. No entanto, essa é a opção mais idealista e, atualmente, a menos provável. Para que isso acontecesse, o Norte teria que desistir de suas ambições nucleares e seu sistema totalitário, algo que o regime de Kim se recusa a fazer. O Sul, por sua vez, teria que estar disposto a arcar com os enormes custos econômicos da reunificação, o que poderia levar a décadas de dificuldades. A chave para qualquer progresso real reside na construção de confiança mútua e na vontade política de ambos os lados e das potências regionais (EUA, China, Rússia e Japão) de apoiar um processo de paz genuíno. Sem isso, a Coreia continuará sendo uma nação dividida, um espelho das cicatrizes da Guerra Fria que ainda não se curaram.

Lista de Marcos Chave na Divisão Coreana

• 1910-1945: Domínio Colonial Japonês – Unificação forçada da Coreia sob o Império Japonês, suprimindo a identidade coreana e explorando seus recursos.
• Agosto de 1945: Fim da Segunda Guerra Mundial e Divisão do Paralelo 38 – Com a rendição japonesa, EUA e URSS dividem a península para gerenciar a desocupação, sem um plano claro para o futuro da Coreia.
• 1948: Proclamação dos Governos Rivais – A República da Coreia (Sul) é estabelecida em agosto, seguida pela República Popular Democrática da Coreia (Norte) em setembro, ambos se declarando a única autoridade legítima sobre a península.
• 25 de junho de 1950: Início da Guerra da Coreia – Tropas norte-coreanas invadem o Sul em uma tentativa de unificação forçada, dando início a um conflito sangrento e devastador.
• Outubro de 1950: Intervenção Chinesa – Após o avanço das forças da ONU ao norte, a China intervém maciçamente, transformando a guerra em um impasse prolongado.
• 27 de julho de 1953: Assinatura do Armistício de Panmunjom – Fim das hostilidades ativas, mas sem um tratado de paz, deixando a Coreia tecnicamente em estado de guerra e permanentemente dividida pela Zona Desmilitarizada (DMZ).
• Décadas Pós-Guerra: Trajetórias Divergentes – Coreia do Norte segue um modelo totalitário e autárquico (Juche), enquanto a Coreia do Sul se desenvolve como uma democracia capitalista, criando um abismo econômico e social.
• Anos 1990: Crise Econômica e Fome no Norte – Com o colapso da União Soviética, o Norte perde seu principal apoio e enfrenta uma severa crise econômica e fome generalizada.
• Início do Século XXI: Desenvolvimento Nuclear do Norte e Tensão Crescente – Coreia do Norte intensifica seu programa de armas nucleares e mísseis, aumentando a instabilidade regional e complicando qualquer perspectiva de paz ou unificação.
• Cúpulas Intercoreanas e Diplomacia (2000, 2007, 2018) – Momentos de diálogo e tentativa de aproximação, mas que não resultaram em avanços significativos para a unificação devido à persistência das diferenças ideológicas e políticas.