Conjuração Carioca: o que foi, causas e impactos

Qual o contexto histórico que permitiu o surgimento da Conjuração Carioca?

O final do século XVIII e o início do século XIX representaram um período de profundas transformações e efervescência política em escala global, reverberando intensamente nas colônias portuguesas. O Rio de Janeiro, enquanto capital da colônia e um dos principais portos do Império Português, não estava imune a essa onda de mudanças, tornando-se um caldeirão de ideias e descontentamentos. A metrópole, Portugal, enfrentava um declínio econômico e político, agravado pelas Guerras Napoleônicas, o que impactava diretamente sua capacidade de controle e a prosperidade de suas possessões ultramarinas. Esse cenário de crise metropolitana e efervescência intelectual criava um terreno fértil para a germinação de ideias autonomistas.

A Coroa Portuguesa, buscando reverter seu quadro de dificuldades financeiras, impunha uma carga tributária cada vez mais pesada sobre suas colônias, gerando grande insatisfação entre a elite colonial, os comerciantes e até mesmo os estratos mais baixos da sociedade. O exclusivo comercial metropolitano, embora flexibilizado em alguns aspectos, ainda gerava enormes fricções, limitando o desenvolvimento econômico local e impedindo que a colônia explorasse plenamente seu potencial. A extração de riquezas, especialmente o ouro e os impostos sobre a produção agrícola, era percebida como excessiva e unidirecionalmente benéfica para a metrópole, sem o devido retorno em termos de infraestrutura ou melhorias sociais.

A Revolução Francesa e a Independência dos Estados Unidos serviram como poderosos faróis para as elites coloniais na América, acendendo o pavio das aspirações por liberdade e autogoverno. No Rio de Janeiro, portuário e cosmopolita, essas ideias circulavam com mais facilidade, trazidas por viajantes, marinheiros e livros clandestinos. As discussões sobre direitos naturais, soberania popular e a separação de poderes ganhavam espaço em salões, academias literárias e mesmo em conversas discretas nas tavernas e cafés da cidade. Essa influência ideológica externa foi um dos catalisadores primordiais para o surgimento de um pensamento dissidente e questionador do status quo colonial.

Além das influências externas, o contexto social interno do Rio de Janeiro contribuía para o ambiente de descontentamento. A sociedade era profundamente estratificada, com uma pequena elite proprietária e comerciante, uma vasta população de escravizados e libertos, e um contingente crescente de pobres urbanos e desempregados. A falta de oportunidades, a opressão social e a desigualdade econômica geravam tensões latentes. O controle rígido exercido pela Coroa, através de sua burocracia e aparato militar, buscava sufocar qualquer manifestação de rebeldia, mas acabava por alimentar o ressentimento e o desejo por mudanças profundas entre os diversos segmentos da população.

A cidade do Rio, com sua paisagem vibrante e seus desafios urbanos, era um microcosmo das tensões coloniais. O crescimento populacional desordenado, a insalubridade e a falta de planejamento urbano se contrapunham à imagem de capital vice-reinado. A presença constante de tropas portuguesas e a vigilância ostensiva das autoridades, embora tivessem o objetivo de manter a ordem, também contribuíam para um clima de desconfiança mútua e ressentimento. O cotidiano da cidade refletia as contradições de um sistema colonial que, embora em decadência, ainda exercia forte domínio sobre seus súditos, ao mesmo tempo em que a efervescência cultural e intelectual borbulhava nas entrelinhas.

A eclosão de outras conspirações no Brasil, como a Inconfidência Mineira (1789) e a Conjuração Baiana (1798), demonstravam que o espírito de insurreição não era um fenômeno isolado, mas uma tendência em gestação por todo o território colonial. Esses movimentos, embora reprimidos, serviam como exemplos, fossem de esperança ou de cautela, para aqueles que no Rio de Janeiro sonhavam com a autonomia. A circulação de notícias sobre esses eventos, mesmo sob a estrita censura oficial, alimentava a imaginação e a determinação dos potenciais conspiradores cariocas, que observavam e aprendiam com os erros e acertos de seus predecessores.

A precariedade das comunicações e a extensão territorial do Brasil, somadas à complexidade da administração colonial, criavam um ambiente onde as ideias subversivas podiam se desenvolver e ser discutidas em círculos restritos, longe dos olhos e ouvidos do poder central. A dinâmica própria da cidade do Rio, com suas múltiplas facetas sociais e econômicas, oferecia espaços para a formação de grupos informais e o intercâmbio de pensamentos críticos. A conjunção desses fatores – crise metropolitana, influências iluministas, insatisfações econômicas e sociais, e o exemplo de outras revoltas – forjou o cenário propício para que a Conjuração Carioca se configurasse como uma expressão latente, ainda que de difícil materialização concreta, do desejo de ruptura com o sistema colonial.

Como as ideias iluministas influenciaram o pensamento político no Rio de Janeiro colonial?

O Iluminismo, um movimento filosófico e intelectual que floresceu na Europa no século XVIII, exerceu uma influência inegável sobre o pensamento político em diversas partes do mundo, e o Rio de Janeiro colonial não foi uma exceção. As ideias de razão, liberdade e progresso que emanavam dos salões e universidades europeias encontravam eco entre a elite intelectual carioca, ansiosa por modernização e por questionar o status quo. A crença na capacidade humana de transformar a sociedade por meio do conhecimento foi um dos pilares que despertou a consciência dos letrados e proprietários locais.

Textos de pensadores iluministas como Locke, Rousseau, Voltaire e Montesquieu, embora muitas vezes proibidos e clandestinos, circulavam nas bibliotecas particulares de alguns intelectuais e homens abastados da cidade. As discussões sobre a separação dos poderes, a soberania popular e a importância de uma constituição escrita eram temas de grande interesse. Essas leituras não apenas informavam, mas também instigavam a crítica ao absolutismo monárquico e ao sistema colonial vigente, que parecia cada vez mais obsoleto diante dos novos paradigmas.

A Academia Científica do Rio de Janeiro, embora não formalmente um foco de sedição, e outros grupos de estudo e discussão, funcionavam como ambientes onde essas ideias reformadoras podiam ser debatidas, ainda que com certa cautela. Nesses espaços, a busca por conhecimento e a valorização da ciência caminhavam lado a lado com a reflexão sobre a governança e a organização social. Aos poucos, uma consciência política mais aguda começava a se formar, questionando os fundamentos da dominação colonial e a legitimidade de um governo distante.

A influência do Iluminismo também se manifestava na crítica às práticas econômicas mercantilistas impostas por Portugal. Os ideais de livre comércio e a valorização da iniciativa privada, preconizados pelos fisiocratas e economistas liberais, confrontavam diretamente o monopólio português e as pesadas taxas. A percepção de que o sistema colonial impedia o pleno desenvolvimento das potencialidades econômicas da colônia ganhou força, reforçando o argumento de que a autonomia era necessária para a prosperidade material da capitania.

A Revolução Americana (1776) e a Revolução Francesa (1789) não foram apenas eventos distantes, mas exemplos concretos da aplicação dos princípios iluministas em movimentos de ruptura. A declaração de direitos universais, a formação de repúblicas e a luta por independência inspiraram muitos no Rio de Janeiro, mostrando que as ideias podiam se transformar em ação política. Esses eventos históricos serviam como catalisadores de sonhos e como evidências da viabilidade de um futuro diferente para a colônia.

Para além dos círculos intelectuais, as ideias iluministas, de forma simplificada, também permeavam o imaginário popular, especialmente aquelas ligadas à justiça social e à igualdade. Embora a compreensão profunda dos conceitos filosóficos fosse restrita, a aspiração por menos opressão e mais oportunidades ressoava em diversos estratos sociais. A linguagem da liberdade e da emancipação, ainda que interpretada de maneiras distintas, gerava um senso de insatisfação difuso que podia, em momentos de crise, convergir para movimentos mais organizados.

O legado do Iluminismo no Rio de Janeiro colonial foi, portanto, o de um fermento intelectual que desestabilizou as certezas do Antigo Regime e plantou as sementes da modernidade política. Não se tratava apenas de uma imitação de modelos europeus, mas de uma adaptação dessas ideias à realidade colonial, gerando um pensamento político nativo que buscava soluções para os desafios específicos do Brasil. A Conjuração Carioca, em sua essência, pode ser compreendida como um reflexo desse processo de amadurecimento intelectual, onde a razão e o desejo de autonomia se encontravam para questionar as estruturas de poder estabelecidas.

Quais eram as principais queixas econômicas da elite carioca contra a Coroa Portuguesa?

A elite carioca, composta por grandes proprietários de terras, ricos comerciantes e alguns funcionários públicos de alto escalão, nutria um crescente descontentamento em relação às políticas econômicas impostas pela Coroa Portuguesa. Uma das queixas mais veementes era o monopólio comercial ou exclusivo metropolitano, que obrigava a colônia a comercializar apenas com Portugal, a preços ditados pela metrópole. Isso impedia o acesso direto a mercados mais lucrativos e a produtos mais baratos de outras nações, limitando severamente a capacidade de acumulação de capital local e freando o desenvolvimento de uma economia mais diversificada e autônoma.

A elevada carga tributária representava outro ponto de atrito significativo. Impostos sobre a produção, sobre a circulação de mercadorias, sobre o consumo e até mesmo sobre atividades cotidianas eram percebidos como abusivos e desproporcionais. O quinto do ouro, a derrama, as taxas sobre o açúcar e o café, e uma miríade de contribuições menores drenavam a riqueza gerada na colônia diretamente para os cofres da Coroa, sem que houvesse um retorno adequado em termos de infraestrutura, segurança ou serviços públicos que beneficiassem a população ou a economia local.

A administração colonial ineficiente e a corrupção endêmica também eram fontes de grande frustração econômica. A burocracia excessiva e a demora nos trâmites legais dificultavam os negócios e a expansão das atividades produtivas. Muitos cargos eram vendidos ou ocupados por indivíduos sem qualificação, que priorizavam seus próprios interesses em detrimento do bem-estar coletivo. Essa ausência de um bom governo e a percepção de desvio de recursos públicos geravam um ambiente de desconfiança e desmotivação entre aqueles que contribuíam com seus impostos e esforços produtivos.

A falta de investimento em infraestrutura no Rio de Janeiro, apesar de ser a capital do Vice-Reino, era um problema premente. Portos inadequados, estradas precárias, a ausência de instituições de ensino técnico e superior que pudessem fomentar a inovação e o desenvolvimento de novas indústrias, tudo isso impedia que a cidade e a colônia atingissem seu potencial máximo. A riqueza gerada era exportada sem retorno, deixando a colônia em um estado de subdesenvolvimento crônico, o que era particularmente notável para uma elite que via o progresso em outras nações.

A política de Portugal de proibir a manufatura e a criação de indústrias na colônia para proteger sua própria produção e manter o Brasil como um mercado consumidor de seus bens manufaturados gerava profundo ressentimento. A elite carioca via seu potencial empreendedor travado por decretos, o que os impedia de diversificar a economia e de criar novas fontes de riqueza e emprego. Essa restrição deliberada ao desenvolvimento industrial era um claro sinal de que a metrópole via a colônia como uma mera fonte de matérias-primas e um mercado cativo, não como uma entidade capaz de se autodesenvolver.

A flutuação das moedas e a instabilidade financeira do próprio Império Português também impactavam negativamente a economia colonial. Decisões tomadas em Lisboa, muitas vezes desastradas e sem conhecimento da realidade local, geravam incertezas e perdas para os comerciantes e proprietários. A falta de um sistema bancário robusto e de políticas monetárias claras aumentava os riscos dos negócios e dificultava o planejamento de longo prazo. Essa vulnerabilidade econômica era mais um fator que alimentava o desejo por uma administração local mais autônoma e competente.

Essa soma de imposições tributárias, monopólios sufocantes, corrupção sistêmica e restrições ao desenvolvimento econômico criava um ambiente de frustração generalizada entre a elite carioca. Eles percebiam que a relação colonial era profundamente assimétrica, impedindo-os de prosperar plenamente e de exercer o controle sobre seus próprios recursos. As queixas econômicas, longe de serem apenas financeiras, eram um sintoma de um desejo maior por autonomia e por uma gestão mais justa e eficiente dos negócios coloniais.

De que forma a Inconfidência Mineira ressoou entre os intelectuais e conspiradores cariocas?

A Inconfidência Mineira, deflagrada em 1789, embora geograficamente distante do Rio de Janeiro, teve um impacto profundo e ressonância significativa entre os círculos intelectuais e conspiratórios da capital do Vice-Reino. As notícias do levante, mesmo filtradas e censuradas pelas autoridades coloniais, circularam rapidamente através de correspondências, boatos e relatos de viajantes, gerando uma mistura de esperança e cautela entre aqueles que já nutriam aspirações por autonomia. A ousadia dos mineiros em desafiar diretamente a Coroa impressionou e inspirou muitos cariocas que secretamente compartilhavam dos mesmos anseios.

O destino trágico dos inconfidentes, especialmente a execução de Tiradentes, serviu como um duplo aprendizado para os potenciais conspiradores cariocas. Por um lado, demonstrava a brutalidade da repressão metropolitana e os riscos mortais de uma insurreição mal planejada ou infiltrada. Por outro, a capacidade de organização e a coragem dos mineiros em defender seus ideais, mesmo diante da morte, podiam ser vistas como um exemplo de heroísmo e um símbolo de resistência que merecia ser continuado, talvez com estratégias mais refinadas e cautela redobrada.

A Inconfidência Mineira trouxe à tona a fragilidade do controle português em regiões afastadas e a possibilidade real de articulações em favor da autonomia. Os conspiradores cariocas puderam analisar os motivos do fracasso dos mineiros – a traição de Joaquim Silvério dos Reis, a falta de apoio popular mais amplo e a indefinição do projeto político pós-independência – buscando aprender com esses erros para um eventual movimento próprio. Essa análise crítica do levante mineiro forneceu lições valiosas sobre a necessidade de sigilo absoluto, de lealdade inabalável e de um plano claro para o futuro da colônia.

Muitos dos intelectuais e figuras proeminentes do Rio de Janeiro tinham conexões pessoais ou intelectuais com os inconfidentes mineiros. Alguns eram colegas de estudo, outros compartilhavam das mesmas leituras iluministas ou participavam das mesmas redes maçônicas e sociedades secretas. Essa rede de contatos permitia a troca de informações e o aprofundamento das discussões sobre os ideais revolucionários. A repressão subsequente aos mineiros, com prisões e degredos, também serviu para alertar os cariocas sobre a extensão da vigilância da Coroa e a necessidade de discrição extrema.

A questão tributária, que foi um dos principais motivadores da Inconfidência Mineira (especialmente a derrama), era uma queixa igualmente pungente no Rio de Janeiro. A similaridade das queixas econômicas e políticas entre as duas capitanias gerava um sentimento de solidariedade e a percepção de que a luta dos mineiros era, em essência, uma luta comum a todos os colonos insatisfeitos com o domínio português. Essa identificação com a causa mineira reforçava a ideia de que a autonomia era uma necessidade compartilhada em diversas regiões do Brasil.

O debate sobre a forma de governo pós-independência, que foi um ponto de discussão entre os inconfidentes (alguns defendiam uma república, outros uma monarquia constitucional), também influenciou as conversas clandestinas no Rio. Embora a Inconfidência não tenha chegado a implementar seu projeto, a discussão sobre repúblicas, inspirada nos modelos americano e francês, ganhou força entre os círculos intelectuais cariocas. Essa análise dos modelos políticos potenciais era crucial para o amadurecimento de um plano de autonomia para o Rio de Janeiro.

Em suma, a Inconfidência Mineira, apesar de sua derrota, não foi um evento isolado na mente dos conspiradores cariocas. Ela funcionou como um catalisador de ideias, um aviso e uma inspiração, moldando as futuras discussões e estratégias para a Conjuração Carioca. O legado dos inconfidentes foi o de uma sementes de subversão que, mesmo regadas com sangue, serviram para fortalecer a determinação daqueles que, na capital do Vice-Reino, sonhavam com a liberdade e o fim da dominação colonial.

Existiam grupos sociais específicos mais propensos a aderir a movimentos subversivos no Rio?

No Rio de Janeiro colonial, a propensão à adesão a movimentos subversivos não era homogênea, mas se concentrava em determinados estratos sociais que, por diferentes razões, nutriam um sentimento de insatisfação e aspiravam por mudanças. A elite intelectual, composta por bacharéis, médicos, advogados, clérigos com acesso à educação europeia e até mesmo alguns militares e funcionários públicos desgostosos com o sistema, formava o núcleo pensante e articulador dessas ideias. Esse grupo tinha acesso a textos proibidos e estava mais exposto às ideias iluministas, o que os tornava mais propensos a questionar a legitimidade do poder colonial.

Os comerciantes e grandes proprietários rurais, especialmente aqueles que se sentiam mais prejudicados pelo monopólio comercial e pela pesada tributação, também representavam um segmento propenso à subversão. Eles vislumbravam na autonomia uma oportunidade de ampliar seus lucros, de diversificar suas atividades econômicas e de ter maior controle sobre os rumos financeiros da colônia. A frustração com as restrições impostas por Portugal e o desejo de prosperidade eram forças motrizes que os levavam a simpatizar com, ou mesmo a financiar, movimentos que propusessem a libertação econômica.

A classe média emergente, embora menos numerosa e influente do que a elite, também nutria seu próprio conjunto de queixas. Formada por pequenos comerciantes, artesãos mais abastados, militares de baixa patente e profissionais liberais sem grandes fortunas, este grupo sentia as pressões econômicas e a falta de oportunidades de ascensão social. A rigidez da estrutura colonial impedia seu progresso e reconhecimento, tornando-os receptivos a ideias que prometiam uma sociedade mais justa e meritocrática, onde o talento individual pudesse prevalecer sobre o privilégio de nascimento ou conexões familiares.

Os militares locais, tanto os de patente mais alta (alguns oficiais luso-brasileiros) quanto os de baixa patente, podiam ser recrutados para a causa. Aqueles que sentiam o prestigio diminuído em comparação com os oficiais metropolitanos, ou que estavam insatisfeitos com as condições de serviço e a falta de perspectiva de carreira dentro da estrutura colonial, podiam ser atraídos pela promessa de um novo governo onde seus serviços seriam mais valorizados. A disciplina militar e a organização hierárquica também os tornavam elementos valiosos em qualquer plano de levante, caso houvesse.

Embora a participação direta dos escravizados e libertos em movimentos de independência da elite fosse complexa e muitas vezes limitada por seus próprios objetivos de libertação pessoal, não se pode ignorar a pressão social que representavam. A efervescência de ideias de liberdade circulava também nesses grupos, e a possibilidade de alianças ou a exploração de seu descontentamento por parte dos conspiradores era um fator considerado, embora com grande cautela e até temor por parte da elite. As revoltas de escravos, frequentes no período, mostravam um desejo latente por liberdade que podia, em certas circunstâncias, confluir com o desejo de autonomia da colônia.

Finalmente, a população urbana em geral, incluindo trabalhadores braçais, desocupados e marginais, era um elemento de potencial instabilidade. Embora não necessariamente conscientes das complexas discussões filosóficas, eles sentiam na pele a pobreza, a fome e a ausência de oportunidades. Qualquer movimento que prometesse uma melhora nas condições de vida ou que pudesse gerar oportunidades de saque em um contexto de caos social poderia atrair seu apoio, ainda que de forma menos ideológica e mais pragmática. A instabilidade social e o crescente número de desfavorecidos na capital criavam um caldo de cultura para a adesão popular em momentos de crise.

Em resumo, a adesão a movimentos subversivos no Rio de Janeiro não era exclusiva de um único grupo, mas sim de uma confluência de interesses e frustrações de diferentes estratos sociais. A elite intelectual fornecia a ideologia, os comerciantes e proprietários o financiamento e a motivação econômica, a classe média o suporte e o desejo de ascensão, e os militares e a população em geral, o potencial para o braço armado e a massa de manobra. A Conjuração Carioca, se tivesse se materializado em um levante aberto, teria sido o resultado dessa complexa interação de grupos sociais, cada um com suas próprias razões para desejar a transformação do sistema.

• Elite Intelectual: Bacharéis, advogados, clérigos, militares, funcionários públicos insatisfeitos. Motivados por ideais iluministas e busca por modernização.
• Grandes Comerciantes e Proprietários: Vislumbravam maior lucro e autonomia econômica sem o monopólio metropolitano.
• Classe Média Urbana: Pequenos comerciantes, artesãos, profissionais liberais. Buscavam ascensão social e oportunidades bloqueadas pela rigidez colonial.
• Militares Locais: Oficiais e soldados insatisfeitos com a falta de prestígio e oportunidades, e com a supremacia dos militares metropolitanos.
• População Urbana Desfavorecida: Trabalhadores braçais, desocupados, escravizados e libertos. Atraídos por promessas de melhorias sociais ou pela oportunidade de mudança em um contexto de desordem.

Qual o papel da maçonaria e de outras sociedades secretas na articulação de ideias dissidentes?

A maçonaria e outras sociedades secretas desempenharam um papel crucial na articulação e disseminação de ideias dissidentes no Rio de Janeiro colonial, atuando como verdadeiros laboratórios de pensamento e redes de conspiração. Por sua própria natureza de organização discreta e hierárquica, a maçonaria oferecia um ambiente seguro para a discussão de temas que seriam considerados subversivos e puníveis pela Coroa Portuguesa em espaços públicos. Dentro das lojas, membros de diferentes estratos sociais – intelectuais, comerciantes, militares e até clérigos – podiam se encontrar em um plano de igualdade simbólica, fortalecendo laços de confiança e compartilhando anseios comuns.

As doutrinas maçônicas, que valorizavam a razão, a liberdade, a fraternidade e a tolerância, estavam em profunda sintonia com os ideais iluministas que permeavam as aspirações de autonomia. A busca por conhecimento, o aperfeiçoamento moral e a defesa de princípios universais eram elementos que se harmonizavam com o desejo de uma sociedade mais justa e menos opressora. As discussões filosóficas dentro das lojas frequentemente evoluíam para debates políticos, onde a legitimidade do poder absoluto e a necessidade de reformas eram postas em xeque de maneira sistemática e coesa.

A estrutura organizacional da maçonaria, com seus rituais, juramentos de sigilo e código de conduta, era ideal para a formação de uma rede clandestina. A discrição inerente às reuniões e a lealdade exigida dos membros minimizavam os riscos de delação, um temor constante em tempos de repressão. Essa confiança mútua permitia que planos mais audaciosos fossem traçados e que informações sensíveis fossem trocadas sem o receio imediato de espionagem. A capacidade de comunicação entre as diferentes lojas e entre maçons de diversas capitanias também facilitava a articulação de um movimento mais amplo.

Muitos dos personagens chave que circulavam nos ambientes intelectuais e políticos do Rio de Janeiro eram maçons ou simpatizantes dessas sociedades. Esses indivíduos usavam suas posições sociais e profissionais para recrutar novos membros e para disseminar as ideias de forma mais ampla, porém discreta. Através de códigos e símbolos, eles conseguiam se identificar e comunicar sem levantar suspeitas das autoridades. A capilaridade da maçonaria na sociedade permitia que as ideias subversivas alcançassem diferentes setores e influenciassem um espectro mais vasto de pessoas, mesmo que indiretamente.

As lojas maçônicas não eram apenas fóruns de debate; elas também serviam como centros de arrecadação de fundos e de planejamento logístico para eventuais ações. A solidariedade entre irmãos significava que, em caso de necessidade, apoio financeiro ou abrigo seguro poderiam ser providenciados. A organização interna e a disciplina dos membros as tornavam aptas a atuar como uma estrutura de retaguarda para um movimento conspiratório, auxiliando na compra de materiais, na guarda de documentos e na preparação de rotas de fuga, caso necessário.

A aura de mistério e a natureza esotérica da maçonaria, que atraíam mentes curiosas e espíritos livres, também contribuíam para seu papel na articulação política. A busca por verdades ocultas e um conhecimento mais profundo muitas vezes se entrelaçava com a reflexão sobre a injustiça social e a necessidade de transformação. Essa mística em torno da sociedade secreta tornava-a ainda mais atraente para indivíduos que se sentiam sufocados pelo autoritarismo e pela rigidez do sistema colonial, buscando um espaço de liberdade de pensamento e ação.

Apesar da estrita vigilância da Coroa Portuguesa, que via nas sociedades secretas uma ameaça direta à sua autoridade, a maçonaria e outros grupos similares persistiram em sua atuação. A resistência à opressão e o compromisso com a liberdade eram valores centrais que animavam seus membros. A Conjuração Carioca, em sua forma mais latente de efervescência de ideias, encontrou nas lojas maçônicas e em outras fraternidades secretas um terreno fértil para o desenvolvimento de seus projetos e a articulação de seus partidários, consolidando-se como um dos principais canais de contestação ao poder metropolitano na capital do Vice-Reino.

Como a transferência da Corte Portuguesa para o Rio de Janeiro afetou o cenário político local?

A transferência da Corte Portuguesa para o Rio de Janeiro em 1808, fugindo da invasão napoleônica, representou um marco divisor na história da cidade e de toda a colônia, alterando radicalmente o cenário político local. A chegada de Dom João VI e de cerca de 15 mil membros da nobreza e burocracia portuguesa transformou o Rio de Janeiro de uma capital colonial periférica em uma metrópole imperial, centro de um vasto império. Essa súbita mudança trouxe consigo uma enxurrada de transformações que afetaram profundamente as dinâmicas de poder e as aspirações autonomistas.

De imediato, a presença da Corte reforçou a autoridade metropolitana, que antes era exercida a distância e de forma mais precária. O rei e sua estrutura de governo estavam agora fisicamente presentes, com todo o seu aparato militar e burocrático. Isso gerou um aumento da vigilância e da capacidade de repressão sobre quaisquer focos de sedição. A Conjuração Carioca, que até então era mais uma efervescência de ideias e uma conspiração latente, viu-se diante de uma força de controle muito maior, o que naturalmente levou à cautela e à reorganização dos movimentos dissidentes, que precisaram se tornar ainda mais clandestinos e discretos.

Apesar do reforço do controle, a presença da Corte também abriu novas oportunidades e contradições políticas. A abertura dos portos às nações amigas, uma das primeiras medidas de Dom João, quebrou o antigo monopólio comercial português, um dos principais alvos das queixas econômicas da elite colonial. Essa medida, embora tomada por contingência e interesse metropolitano, beneficiou os comerciantes e proprietários rurais cariocas, que passaram a ter acesso direto a mercados internacionais, o que poderia, a curto prazo, diminuir o fervor autonomista de parte da elite.

A criação de diversas instituições no Rio de Janeiro para atender às necessidades da Corte – o Banco do Brasil, a Imprensa Régia, a Academia Real Militar, a Biblioteca Real, o Jardim Botânico – representou uma modernização sem precedentes da cidade e da colônia. Essas instituições, embora criadas para servir aos interesses portugueses, também beneficiaram a elite local e a população urbana, gerando novos empregos, oportunidades de negócios e um avanço cultural e científico. Essa onda de progresso e o fluxo de recursos para a cidade poderiam, por outro lado, amenizar o sentimento de abandono e as queixas antigas.

A nova ordem social imposta pela presença da Corte, com a hierarquia da nobreza portuguesa sobrepujando a elite colonial, gerou novas tensões. Muitos membros da elite carioca, que antes gozavam de prestígio e influência, viram-se agora em uma posição secundária em relação aos fidalgos recém-chegados. Essa frustração social e a percepção de desconsideração por parte da nobreza metropolitana podiam, paradoxalmente, alimentar novamente as ideias de autonomia. O Rio de Janeiro, antes um centro colonial, agora se via como uma capital de um império, mas com seus próprios moradores relegados a um segundo plano social.

O Rio de Janeiro tornou-se o centro das decisões políticas do Império Português. Isso significava que as discussões sobre o futuro da colônia, e mesmo de Portugal, passavam a ocorrer ali. A proximidade do poder permitia que os interessados pudessem influenciar diretamente as decisões, mas também os expunha a um controle mais rigoroso. A politização do espaço público, com a presença de políticos, diplomatas e agentes estrangeiros, criou um ambiente mais dinâmico e complexo, onde as intrigas e os debates sobre o futuro do Brasil se intensificaram.

A transferência da Corte, embora tenha arrefecido algumas das aspirações imediatas de independência ao trazer prosperidade e modernização, também complexificou as relações entre colonos e metrópole. As novas frustrações sociais e a percepção de um novo tipo de subordinação, agora dentro da própria capital do Império, plantaram as sementes para que o desejo de autonomia se transformasse em uma agenda de independência que culminaria anos depois. A Conjuração Carioca, como uma expressão do fermento político da cidade, precisou se adaptar a esse novo e dinâmico contexto, redefinindo seus métodos e estratégias de atuação.

Quais eram as figuras intelectuais e políticas proeminentes associadas ao movimento carioca?

A Conjuração Carioca, vista como uma efervescência de ideias e uma conspiração latente, não se configurou em um movimento com líderes tão notoriamente conhecidos e processados como os da Inconfidência Mineira, mas atraiu a atenção de diversas figuras intelectuais e políticas que, de alguma forma, estavam ligadas a ideias de reforma ou autonomia. O ambiente do Rio de Janeiro, um ponto de encontro de viajantes e intelectuais, favorecia a circulação de pensamentos avançados. Entre os nomes que poderiam estar associados a essa rede de dissidentes, destacam-se indivíduos com formação superior e acesso a cargos estratégicos, capazes de influenciar opiniões e de articular discussões clandestinas.

Muitos bacharéis formados em Coimbra, que regressavam ao Brasil com as mentes abertas às ideias iluministas e liberais, tornaram-se vozes importantes nesse cenário. Advogados, médicos e clérigos que haviam tido contato com as novas correntes de pensamento europeu frequentemente se tornavam catalisadores de debates. Esses profissionais, por sua posição de prestígio e por sua capacidade de comunicação, eram ideais para disseminar a crítica ao sistema colonial e para organizar reuniões secretas em suas residências ou gabinetes de leitura. A rede de ex-alunos de Coimbra formava uma fraternidade intelectual que transcendia as divisões geográficas.

Alguns militares de alta patente ou com cargos de influência, especialmente aqueles de origem brasileira que sentiam o desprestígio em relação aos oficiais metropolitanos, também poderiam estar envolvidos. Esses militares, cientes da precariedade da defesa colonial e da força do poder metropolitano, poderiam ser tanto fontes de informação privilegiada quanto potenciais elementos para um levante, caso as condições se tornassem favoráveis. A instabilidade política na Europa, com a ascensão de Napoleão, tornava os oficiais mais reflexivos sobre a necessidade de autonomia para o Brasil e sobre a fragilidade do sistema português.

Os comerciantes abastados e os grandes proprietários rurais, embora muitas vezes mais pragmáticos em suas aspirações, constituíam um grupo de potenciais financiadores e articuladores. Eles não estavam necessariamente interessados nas questões filosóficas, mas viam na emancipação econômica e na redução dos impostos um caminho para a prosperidade. Esses indivíduos, com sua influência econômica e sua capacidade de mobilização de recursos, poderiam dar o suporte material necessário para qualquer empreendimento que prometesse a liberdade comercial e a autonomia administrativa.

Dentro do clero, alguns padres mais jovens ou aqueles que haviam estudado na Europa e se exposto a ideias mais liberais podiam se tornar vozes dissonantes. A Igreja Católica, embora uma instituição pilar da Coroa, também abrigava em suas fileiras elementos progressistas que viam a opressão colonial como algo moralmente injusto. A influência de alguns sacerdotes sobre a população e seu acesso a círculos de poder faziam deles agentes importantes na articulação de qualquer movimento que envolvesse a conscientização popular ou o apoio de setores religiosos.

Havia também figuras ligadas à Imprensa Régia, após sua criação em 1808, ou antes dela, aos poucos jornais e periódicos clandestinos que circulavam na cidade. Esses tipógrafos, redatores e intelectuais jornalistas tinham a capacidade de moldar a opinião pública e de divulgar ideias de forma mais ampla, mesmo sob censura. A criação de um periódico que, mesmo sutilmente, criticasse o sistema ou elogiasse a liberdade seria uma ferramenta poderosa para a propaganda dos ideais da Conjuração Carioca e a mobilização de mentes.

A natureza discreta e a falta de um levante aberto na Conjuração Carioca significam que muitos dos nomes envolvidos permanecem na obscuridade, perdidos nos arquivos da história ou nas memórias não registradas. No entanto, a presença de uma elite intelectual ativa, de comerciantes descontentes, de militares frustrados e de membros do clero reformistas sugere que o movimento era composto por uma variedade de figuras proeminentes em suas respectivas áreas, unidas por um desejo comum de mudança, cada qual contribuindo com sua influência e recursos para a efervescência política que caracterizou a Conjuração Carioca.

A Conjuração Carioca possuía um plano de ação claro e metas definidas para a independência?

A Conjuração Carioca, em sua concepção como uma efervescência de ideias e uma conspiração latente, difere de outros movimentos como a Inconfidência Mineira por sua aparente falta de um plano de ação explicitamente articulado e metas de independência tão bem definidas. Ao contrário de uma rebelião com data marcada e objetivos proclamados, o que caracterizava a Conjuração Carioca era mais uma progressiva maturação de conceitos e a articulação de anseios por autonomia em círculos restritos. Não havia um documento formal ou um manifesto amplamente divulgado que delineasse com precisão os passos para a emancipação da colônia ou a forma do novo governo.

As metas, embora não formalizadas, giravam em torno da liberdade econômica e da autonomia administrativa. A elite carioca desejava o fim do monopólio comercial, a redução da carga tributária e a liberdade para desenvolver manufaturas. Essas eram aspirações claras que motivavam muitos dos envolvidos, pois representavam a liberação de suas atividades e a promessa de maior prosperidade. A independência política, nesse sentido, era vista como o caminho lógico para atingir esses objetivos econômicos, mas a forma exata de como isso seria implementado e qual o regime político seria adotado não era um consenso.

A ausência de um plano unificado pode ser atribuída à extrema cautela e ao sigilo necessário para um movimento que operava sob a vigilância constante da Coroa em sua capital. A lição da Inconfidência Mineira, com sua repressão brutal, ressoava fortemente, levando os potenciais conspiradores a preferirem a discussão em ambientes controlados e a evitar a formalização de qualquer plano que pudesse ser descoberto. A fluidez das ideias e a diversidade de interesses entre os envolvidos também dificultavam a construção de um consenso rígido sobre um plano de ação.

As metas políticas, ainda que incipientes, incluíam a instauração de um governo que representasse os interesses locais, em contraste com o governo metropolitano. Discutia-se a possibilidade de uma república, inspirada nos modelos americano e francês, mas a ideia de uma monarquia constitucional, que mantivesse alguma ligação com a Casa de Bragança ou que estabelecesse um novo ramo monárquico no Brasil, também era considerada por parte da elite mais conservadora. Essa ambiguidade na forma de governo demonstra a imaturidade do projeto político e a diversidade de visões entre os conspiradores.

O método de ação não parecia envolver um levante armado planejado nos moldes de uma revolução. O foco estava mais na articulação intelectual, na disseminação de ideias e na construção de uma rede de simpatizantes que pudesse, em um momento oportuno – talvez aproveitando uma crise na metrópole ou uma intervenção estrangeira – levar a uma ruptura pacífica ou a um golpe de estado com apoio de setores militares. A influência da maçonaria nesse processo é notável, pois ela operava mais na esfera da formação de consciência e da articulação discreta do que na organização de rebeliões abertas.

A Conjuração Carioca, portanto, pode ser mais bem compreendida como um processo contínuo de conscientização e de formação de um espírito nativista do que como um evento único com um roteiro predefinido. As metas estavam em gestação, e o plano de ação era mais uma série de possibilidades e discussões estratégicas do que um projeto fechado. Essa natureza mais fluida e adaptativa permitiu que a Conjuração Carioca sobrevivesse, ainda que subterraneamente, aos períodos de maior repressão e se adaptasse às mudanças no cenário político, como a chegada da Corte, o que exigiria a reformulação de qualquer plano pré-existente e a adaptação a novas realidades.

Houve alguma tentativa de levante armado ou confrontação direta com as autoridades coloniais?

A Conjuração Carioca, em contraste com a Inconfidência Mineira ou a Conjuração Baiana, que culminaram em tentativas de levante (ainda que fracassadas), não parece ter chegado a um estágio de confrontação direta ou de levante armado planejado e executado contra as autoridades coloniais. Sua natureza era mais de uma conspiração intelectual e de bastidores, um processo de gestação de ideias autonomistas e de articulação de descontentes, do que uma revolta iminente com data e hora para eclodir. A extrema vigilância da Coroa na capital do Vice-Reino, o aprendizado com o fracasso de outras conjurações e a própria cautela dos conspiradores contribuíram para que a efervescência não se transformasse em uma explosão aberta.

A presença da Corte Portuguesa no Rio de Janeiro a partir de 1808, com todo o seu aparato militar e burocrático e uma maior capacidade de repressão, tornou a cidade um ambiente ainda mais desfavorável para uma insurreição armada. Qualquer tentativa de levante seria rapidamente abafada pela força esmagadora das tropas metropolitanas. Esse contexto de controle acentuado naturalmente impôs uma postura de maior discrição e de adiamento de planos mais audaciosos, focando na preservação da rede de conspiradores e na disseminação mais sutil das ideias.

Os conspiradores cariocas, ao que tudo indica, preferiram operar através da influência e da persuasão, buscando minar a autoridade colonial por meio do debate de ideias e da formação de uma consciência autonomista, em vez de recorrer à violência. A estratégia parecia ser a de aguardar um momento de fragilidade maior da metrópole, ou uma crise interna que pudesse ser aproveitada para uma ruptura mais pacífica ou um golpe de elite, com apoio de setores militares dissidentes, sem a necessidade de uma mobilização popular que pudesse sair do controle.

Não há registros históricos de movimentos de tropas rebeldes, de enfrentamentos armados nas ruas do Rio, ou de prisões em massa relacionadas a uma tentativa de levante específico atribuído à Conjuração Carioca. Os relatos de espionagem e os processos judiciais da época revelam mais uma vigilância sobre indivíduos suspeitos de propagar “ideias perigosas” e de participar de sociedades secretas, do que sobre a descoberta de um complô para uma insurreição armada. A atividade da Coroa era preventiva, focada em sufocar a raiz do problema, ou seja, as próprias ideias libertárias.

A rede de apoio e a natureza das discussões dentro dos círculos da Conjuração parecem ter sido mais voltadas para o intercâmbio intelectual e para a preparação teórica de uma eventual autonomia. A ênfase em argumentos sobre a liberdade econômica, a ilustração e o autogoverno sugere uma preferência por uma transição negociada ou por uma ruptura liderada pela elite, que pudesse garantir seus interesses, em detrimento de uma revolução popular mais imprevisível e potencialmente violenta.

A própria denominação “Conjuração Carioca”, em vez de “Revolta” ou “Rebelião”, já sugere uma ação mais discreta e de caráter conspiratório. A ausência de um Tiradentes para a história carioca, um mártir executado por um levante, reforça a ideia de que o movimento, apesar de sua existência latente, não alcançou o ponto de ebulição de uma confrontação aberta. As discussões em salões e as reuniões maçônicas não se traduziram em mobilização nas ruas ou em tomadas de fortes, o que distingue a Conjuração Carioca de outras rebeliões coloniais.

Isso não significa que o desejo de autonomia não existisse, ou que os conspiradores não estivessem dispostos a agir. Significa que a estratégia adotada foi a da cautela extrema e da preparação silenciosa, aguardando o momento propício que, para a Conjuração Carioca, nunca se concretizou em uma batalha campal ou um levante planejado e exposto. O Rio de Janeiro, com sua proximidade do poder, exigia uma abordagem mais sutil e de longo prazo para o amadurecimento das ideias de independência.

Como as redes de comunicação da época facilitavam ou dificultavam a disseminação das ideias conspiratórias?

As redes de comunicação no Rio de Janeiro colonial, e no Brasil como um todo, eram rudimentares e limitadas, o que tanto dificultava quanto, paradoxalmente, facilitava a disseminação das ideias conspiratórias para a Conjuração Carioca. A lenta circulação de notícias oficiais e a ausência de uma imprensa livre operavam como barreiras para a rápida propagação de qualquer ideia, tornando o controle governamental da informação relativamente eficaz. Cartas demoravam semanas para chegar de uma capitania a outra, e a censura era rigorosa, dificultando a troca de informações entre grupos dissidentes em diferentes regiões.

No entanto, essa mesma precariedade e o controle centralizado geravam um vácuo que era preenchido por redes informais e clandestinas. Os navios que chegavam ao porto do Rio de Janeiro eram uma das principais portas de entrada para livros proibidos, jornais europeus e notícias do mundo, trazidas por marinheiros, comerciantes e viajantes. Essas informações, embora controladas na origem, encontravam seus caminhos para círculos seletos de intelectuais e comerciantes, que as interpretavam e as disseminavam de boca em boca, em conversas sussurradas e em reuniões secretas.

As sociedades secretas, como a maçonaria, atuavam como nós essenciais nessas redes de comunicação. Elas ofereciam um ambiente seguro para a troca de informações e a disseminação de ideais, usando códigos e símbolos para identificação e comunicação. Os membros, muitas vezes com posições estratégicas na sociedade, conseguiam circular livremente e transportar mensagens de forma discreta. A lealdade entre irmãos era um fator crucial para a confiabilidade dessas redes, permitindo que as ideias conspiratórias viajassem entre as capitanias e até mesmo para fora do Brasil, buscando apoio externo.

A circulação de pessoas entre as diferentes capitanias, seja a negócios, por motivos familiares ou para estudos, também contribuía para a disseminação indireta de ideias. Bacharéis formados em Coimbra, por exemplo, mantinham contato com seus colegas e traziam de volta ao Brasil não apenas conhecimento formal, mas também as discussões políticas que fervilhavam em Portugal e na Europa. Esses viajantes se tornavam portadores de ideias, espalhando a insatisfação e os novos conceitos em suas conversas e encontros sociais.

A precariedade da educação e o alto índice de analfabetismo na população em geral dificultavam a disseminação em massa de ideias por meio de textos escritos. Isso significava que a propagação de informações e ideais dependia muito mais da comunicação oral e da interpretação dos líderes para os grupos menos letrados. No entanto, mesmo que de forma simplificada, as mensagens sobre liberdade, igualdade e justiça podiam ser compreendidas e absorvidas por diferentes estratos sociais, gerando um senso de descontentamento mais difuso.

A existência de uma imprensa oficial, a partir da chegada da Corte em 1808 com a Imprensa Régia, embora voltada para a propaganda da Coroa, também representou um paradoxo. Ao mesmo tempo que controlava a narrativa, a imprensa introduziu o hábito da leitura e a circulação de periódicos, o que, a longo prazo, ajudou a criar um ambiente mais propício para a disseminação de ideias e a formação de uma opinião pública, mesmo que a dissidência ainda precisasse operar nas sombras e entrelinhas.

Em suma, as redes de comunicação da época eram um duplo gume para a Conjuração Carioca. Embora a lentidão e a censura fossem grandes obstáculos, elas também forçaram a criação de redes clandestinas e eficazes, baseadas na confiança e no sigilo. Essas redes, alimentadas por informações externas e disseminadas por círculos restritos, permitiam que as ideias conspiratórias sobrevivessem e se fortalecessem gradualmente, preparando o terreno para futuras rupturas políticas, mesmo sem uma comunicação massiva ou transparente.

Que tipo de repressão e vigilância a Coroa Portuguesa impunha sobre os suspeitos de sedição?

A Coroa Portuguesa, ciente do clima de efervescência política em suas colônias e influenciada pelos exemplos de revoltas em outras partes da América e na própria Europa, impunha um regime rigoroso de repressão e vigilância sobre os suspeitos de sedição no Rio de Janeiro. O aparato colonial utilizava uma complexa rede de informantes, espiões e delatores, muitos deles incentivados por promessas de perdão ou recompensa, para monitorar os passos de intelectuais, comerciantes e qualquer um que demonstrasse ideias “perigosas” ou anti-metropolitanas. A confiança era um luxo e a suspeita permeava as relações sociais.

As autoridades coloniais, através da Intendência-Geral de Polícia da Corte e do Estado do Brasil (após 1808) e de outros órgãos de segurança, realizavam uma vigilância ostensiva sobre os portos, controlando o fluxo de livros, folhetos e correspondências que entravam na colônia. Qualquer material que contivesse ideias iluministas, republicanas ou que fizesse apologia à liberdade era confiscado e destruído, e seus portadores, quando descobertos, eram severamente punidos. A censura prévia era uma ferramenta poderosa para controlar a informação e o pensamento.

As sociedades secretas, como a maçonaria, eram alvos específicos dessa vigilância. Seus membros eram frequentemente monitorados, suas reuniões, quando descobertas, eram invadidas, e seus líderes, presos e interrogados. A simples participação em uma dessas sociedades já era suficiente para levantar suspeitas e levar a um processo por sedição ou traição. O perigo de infiltração era constante, com agentes do governo tentando se infiltrar nas lojas para obter informações sobre os planos dos conspiradores.

Os processos judiciais contra os suspeitos de sedição eram rigorosos e exemplares. Mesmo a mera suspeita ou a denúncia de um delator poderia levar à prisão, ao interrogatório sob tortura e a longas detenções. As penas eram severas, variando de longas penas de prisão e degredo para a África a confisco de bens e, nos casos mais graves, a pena de morte. O objetivo não era apenas punir o indivíduo, mas também desencorajar qualquer tentativa futura de desafio à autoridade da Coroa, servindo como um aviso a todos os potenciais dissidentes.

A repressão também se manifestava na proibição de reuniões e associações sem autorização expressa do governo. Academias literárias, grupos de estudo ou até mesmo encontros sociais mais numerosos podiam ser vistos com desconfiança e facilmente dissolvidos ou monitorados. A Coroa buscava evitar a formação de qualquer núcleo de pensamento independente que pudesse se transformar em um foco de rebelião. A atmosfera de medo e a falta de liberdade de expressão eram características desse período.

A transferência da Corte em 1808 intensificou ainda mais essa repressão, com a presença física do monarca e a ampliação dos órgãos de segurança. A polícia da Corte e a capacidade de investigação foram aprimoradas, tornando o Rio de Janeiro um lugar onde o discreto suspiro de discordância poderia levar a consequências drásticas. A Conjuração Carioca, portanto, operava em um ambiente de risco constante, o que explica em parte sua natureza mais velada e a ausência de um levante aberto em comparação com outras conjurações coloniais.

Quais foram as consequências imediatas para os envolvidos e suas famílias após a descoberta da conspiração?

A “descoberta” da Conjuração Carioca, que na verdade se configurou mais como a identificação de focos de sedição e a vigilância sobre indivíduos com ideias consideradas subversivas do que a revelação de um plano de levante unificado, trouxe consequências imediatas e severas para os envolvidos e suas famílias. Embora não se tenha um “grande julgamento” como o da Inconfidência Mineira, a repressão atuou de forma pontual e implacável. Os suspeitos identificados foram alvos de investigações sigilosas, prisões preventivas e interrogatórios coercitivos que visavam desmantelar qualquer rede de descontentamento e desencorajar a dissidência.

Os indivíduos considerados líderes ou principais articuladores das ideias autonomistas enfrentavam a perda de sua liberdade. Eram detidos em prisões com condições precárias, onde podiam sofrer torturas físicas e psicológicas para que revelassem cúmplices ou detalhes dos planos. A duração da prisão era, muitas vezes, indeterminada, dependendo da vontade das autoridades e da pressão política. A incerteza do futuro e a brutalidade dos interrogatórios eram ferramentas eficazes para quebrar a resistência dos suspeitos e servir de exemplo para outros.

Além da privação da liberdade, os envolvidos podiam sofrer a confisco de seus bens. Propriedades, terras, dinheiro e até escravizados eram apreendidos pela Coroa, deixando as famílias em uma situação de penúria. Esse confisco não era apenas uma punição econômica, mas uma tentativa de desarticular o poder e a influência social dos conspiradores, privando-os de seus meios de subsistência e de sua capacidade de financiamento para futuras ações. A ruína financeira era uma sentença severa que se estendia por gerações.

As famílias dos envolvidos eram igualmente afetadas pela mancha da “sedição”. Sofriam ostracismo social, discriminação e a perda de prestígio. Parentes próximos podiam ter suas carreiras comprometidas, seus negócios arruinados e seus casamentos desfeitos. A marca de traição à Coroa era indelével, afetando a reputação da linhagem e as oportunidades futuras para os descendentes. Esse estigma social era uma forma de punição que se prolongava para além da vida do próprio conspirador, garantindo que o custo da dissidência fosse alto e duradouro.

Em casos mais graves, as penas incluíam o degredo para regiões distantes, como a África ou as ilhas atlânticas, onde os condenados enfrentavam condições de vida extremamente difíceis, isolamento e a perda de qualquer contato com suas raízes e famílias. Para aqueles que possuíam cargos públicos ou militares, a consequência imediata era a destituição e a desonra, com a perda de salários, patentes e aposentadorias. A carreira política ou profissional era sumariamente encerrada, e o futuro se apresentava sem perspectivas de recuperação dentro do sistema colonial.

Os processos, ainda que menos públicos do que o da Inconfidência Mineira, eram conduzidos com sigilo e de forma a atemorizar a população. A incerteza sobre quem estava sendo investigado e a facilidade de delação criavam um clima de desconfiança generalizada. As notícias das prisões e punições, mesmo que não totalmente divulgadas, espalhavam-se por boatos e sussurros, reforçando o medo e desencorajando a livre expressão de qualquer ideia que pudesse ser interpretada como crítica ao poder.

A “descoberta” e a repressão à Conjuração Carioca, portanto, não se traduziram em um grandioso espetáculo de punição como o de Tiradentes, mas em uma série de atos pontuais de controle e silenciamento. As consequências imediatas, embora muitas vezes invisíveis nos grandes registros históricos, foram a ruína pessoal e familiar dos envolvidos, o fortalecimento da vigilância sobre o Rio de Janeiro e a perpetuação de um clima de submissão e medo que, paradoxalmente, serviu para manter acesa a brasa do descontentamento, porém de forma ainda mais clandestina e resiliente.

De que maneira a “Conjuração Carioca” se distingue de outras conspirações coloniais brasileiras?

A “Conjuração Carioca”, em sua interpretação como uma efervescência de ideias e uma conspiração intelectual latente, apresenta distinções marcantes em relação a outras conspirações coloniais brasileiras mais conhecidas, como a Inconfidência Mineira (1789) e a Conjuração Baiana (1798). A principal diferença reside na ausência de um levante armado concreto e de um plano de ação tão explícito e formalizado quanto nos outros movimentos. Enquanto mineiros e baianos chegaram a articular datas para a insurreição e proclamar objetivos, a Conjuração Carioca permaneceu mais na esfera da articulação de pensamentos e da preparação teórica, sem eclodir em um confronto aberto com a Coroa.

Outra distinção fundamental é a natureza de seus participantes e suas aspirações. A Inconfidência Mineira era predominantemente um movimento da elite intelectual e econômica, com queixas ligadas à extorsão fiscal do ouro e à busca por autonomia e uma república. A Conjuração Baiana, por outro lado, teve um caráter mais popular e multiétnico, com forte participação de pardos e negros libertos, e incluía pautas como o fim da escravidão, a igualdade racial e um governo republicano popular. A Conjuração Carioca, embora tivesse elementos de elite e classe média, era mais focada nas transformações políticas e econômicas que beneficiariam principalmente os setores comerciais e intelectuais da capital, com menos ênfase (ou pelo menos menos registro) em pautas sociais radicais como a abolição da escravatura.

O ambiente geográfico e político também moldou as distinções. A Inconfidência Mineira e a Conjuração Baiana ocorreram em capitanias distantes do centro do poder metropolitano (Rio de Janeiro), o que lhes conferia uma certa margem de manobra e uma logística mais complexa para a repressão imediata. A Conjuração Carioca, ao se desenvolver na capital do Vice-Reino e, posteriormente, na sede do Império Português, estava sob uma vigilância infinitamente maior e uma capacidade de repressão imediata e avassaladora. Essa proximidade do poder exigiu uma cautela extrema e uma ação mais discreta, impedindo que a conspiração atingisse o estágio de eclosão que as outras tiveram.

A cronologia é outro fator distintivo. As outras conjurações ocorreram no final do século XVIII. A “Conjuração Carioca” pode ser interpretada como um fenômeno mais prolongado, que abrange desde o final do século XVIII até o início do século XIX, e que se adaptou às mudanças drásticas como a vinda da Corte Portuguesa em 1808. Essa adaptação significou que suas estratégias e objetivos precisaram ser constantemente reavaliados diante de um cenário político em mutação, o que a distingue de movimentos mais pontuais e localizados. A influência da Corte, por exemplo, trouxe modernização e novas oportunidades que arrefeceram, pelo menos temporariamente, algumas das queixas iniciais.

A Conjuração Carioca, portanto, pode ser vista como um antecessor sutil e um reflexo das transformações que levariam à independência. Sua originalidade reside justamente em sua natureza mais velada, sua capacidade de adaptação e o fato de ter cultivado as sementes da autonomia no próprio coração do poder colonial, preparando o terreno para que, quando as condições mudassem, a ideia de um Brasil independente pudesse finalmente florescer e se materializar de forma única.

Qual a contribuição da Conjuração Carioca para o amadurecimento do sentimento nativista e autonomista no Brasil?

A Conjuração Carioca, embora não tenha culminado em um levante aberto e espetacular, desempenhou um papel fundamental e muitas vezes subestimado no amadurecimento do sentimento nativista e autonomista no Brasil. Seu caráter de efervescência intelectual e conspiração latente no próprio centro do poder colonial permitiu que as ideias de um Brasil autônomo fossem debatidas, refinadas e disseminadas em círculos influentes, pavimentando o caminho para futuras rupturas políticas. Não se tratava de uma ruptura imediata, mas de uma construção gradual de uma consciência nacional e de um desejo de autogoverno.

O fato de as discussões sobre autonomia estarem ocorrendo na capital do Vice-Reino significava que as ideias de “Brasil” como uma entidade separada de Portugal estavam sendo articuladas no coração do sistema. Isso contribuiu para uma desligitimção interna do domínio português, ao invés de apenas críticas periféricas. A presença de intelectuais, comerciantes e funcionários que eram simultaneamente colonos e parte da elite administrativa criava um conflito de lealdades que minava a autoridade metropolitana a partir de dentro, tornando a dependência de Portugal uma questão de debate e não mais uma realidade inquestionável.

A Conjuração Carioca, através de suas redes, contribuiu para a consolidação de uma identidade “brasileira” entre a elite letrada. Ao discutir a viabilidade econômica e a capacidade política de autogoverno do Brasil, os conspiradores contribuíam para a construção de um imaginário de nação. A crítica aos impostos, ao monopólio comercial e à ausência de investimentos por parte de Portugal não era apenas econômica, mas também uma afirmação da capacidade do Brasil de se desenvolver por conta própria, cultivando o orgulho em suas riquezas e potencialidades.

As discussões sobre modelos de governo (república, monarquia constitucional) e a análise das experiências de outras nações independentes (EUA, França) realizadas nos círculos da Conjuração, ainda que clandestinas, foram cruciais para o refinamento do pensamento político no Brasil. Elas prepararam o terreno para que, quando a oportunidade da independência surgisse, houvesse um contingente de indivíduos com conhecimento e experiência para assumir as rédeas do novo Estado. A formação de uma elite política com consciência nacional foi um dos legados mais duradouros do período.

A repressão contínua por parte da Coroa, que tentava sufocar essas ideias, paradoxalmente, serviu para fortalecer o sentimento nativista. Cada prisão, cada confisco, cada ato de censura reforçava a percepção de um governo opressor e distante dos interesses dos colonos. Essa reação violenta da metrópole legitimava as críticas dos conspiradores e cimentava o sentimento de uma identidade separada, já que o inimigo comum (a Coroa portuguesa) agia de forma a alienar ainda mais a população local e seus líderes intelectuais.

Mesmo sem um levante, a Conjuração Carioca manteve a chama do descontentamento acesa na capital. Essa efervescência subjacente significava que, no momento em que a crise metropolitana atingisse seu auge (como a Revolução Liberal do Porto em 1820), haveria uma rede de indivíduos e um clima de opinião já amadurecido para a tomada de decisões em favor da autonomia. A existência dessa rede e a circulação prévia de ideias foram cruciais para a rapidez e a forma como o processo de independência do Brasil se desenrolou, diferentemente de outras colônias.

A Conjuração Carioca, portanto, foi um motor silencioso, mas poderoso, no processo de amadurecimento político do Brasil. Ela ajudou a transformar um sentimento difuso de descontentamento em uma consciência política mais elaborada, onde a autonomia não era apenas um sonho, mas uma necessidade e uma possibilidade real. Sua contribuição reside na semadura das ideias, na formação de quadros políticos e na criação de um ambiente onde a independência, quando finalmente proclamada, não seria um evento isolado, mas o coroamento de um longo processo de amadurecimento nativista e autonomista gestado em suas entranhas.

Como a historiografia brasileira tem interpretado e registrado a Conjuração Carioca ao longo do tempo?

A historiografia brasileira tem lidado com a “Conjuração Carioca” de uma forma peculiar, muitas vezes a abordando de maneira tangencial, como uma efervescência de ideias ou um clima de conspiração latente, em vez de um evento singular e bem documentado como a Inconfidência Mineira ou a Conjuração Baiana. Tradicionalmente, os registros se concentram em movimentos com levantes claros e líderes mártires, o que pode explicar a menor visibilidade atribuída a esse fenômeno específico do Rio de Janeiro. A ausência de um manifesto ou de um plano de ataque claramente definido contribuiu para sua difícil categorização nos manuais clássicos de história.

Inicialmente, nas primeiras décadas da historiografia nacional, focada na construção da identidade e dos mitos fundadores da nação, a prioridade era celebrar os grandes heróis e os eventos mais dramáticos que culminaram na independência. Nesse contexto, a Conjuração Carioca, com sua natureza mais discreta e menos espetacular, tendia a ser marginalizada ou simplesmente ignorada. Os historiadores oitocentistas preferiam as narrativas de conflito aberto e os mártires românticos, o que deixava pouco espaço para uma análise aprofundada de um movimento tão velado.

Com o avanço da historiografia social e cultural no século XX, houve um maior interesse em compreender as dinâmicas subterrâneas e as formas de resistência que não necessariamente culminavam em levantes armados. Pesquisadores passaram a olhar para as redes de sociabilidade, as sociedades secretas, a circulação de livros e os debates intelectuais como expressões legítimas de descontentamento e aspirações por autonomia. Nesse período, a Conjuração Carioca começou a ser revisitada, não como um fracasso de revolta, mas como um processo de amadurecimento do pensamento libertário na capital.

Mais recentemente, a historiografia tem se dedicado a uma análise mais matizada dos movimentos coloniais, reconhecendo a complexidade das interações entre as elites, a classe média e os estratos populares. A Conjuração Carioca tem sido interpretada como um sintoma da crise do sistema colonial e como um elo importante na cadeia de eventos que levaram à independência. Há um esforço crescente para desvendar as redes de influência, as conexões intelectuais e as frustrações econômicas que alimentaram esse “clima conspiratório”, mesmo que não tenha havido uma explosão violenta.

Apesar do reconhecimento de sua existência, a escassez de fontes primárias diretas sobre um plano organizado da Conjuração Carioca continua a ser um desafio para os historiadores. Muitos dos registros são de caráter inquisitorial, ou seja, produtos da vigilância e repressão da Coroa, o que pode distorcer a real dimensão e os objetivos do movimento. A natureza clandestina do fenômeno significa que grande parte de sua história permanece oculta nos sussurros e nas entrelinhas dos documentos existentes, exigindo uma análise mais inferencial e interpretativa.

A abordagem atual da historiografia tende a situar a Conjuração Carioca dentro de um contexto mais amplo de crise do Antigo Regime e influências iluministas em todo o Atlântico. Ela é vista como parte de um processo de longa duração de formação da nação brasileira, onde as ideias de liberdade e autogoverno eram gradualmente absorvidas e adaptadas às condições locais. O foco não é tanto o que a Conjuração fez em termos de ação, mas o que ela representou em termos de pensamento e gestação de consciência na capital do império.

Em síntese, a historiografia brasileira tem evoluído de uma postura de invisibilidade para uma análise mais profunda e contextualizada da Conjuração Carioca. Reconhecendo sua natureza peculiar e a dificuldade das fontes, os historiadores modernos procuram compreendê-la como um componente vital da efervescência política que prefigurou a independência. A contribuição desse fenômeno é vista não no fragor das armas, mas no silencioso trabalho de construção de ideias e redes de descontentamento que culminariam na formação de um novo Estado em terras brasileiras.

A suposta Conjuração Carioca teve algum impacto significativo na política interna portuguesa da época?

A suposta Conjuração Carioca, em sua interpretação como um clima de efervescência e conspiração latente no Rio de Janeiro, teve um impacto significativo na política interna portuguesa da época, embora de uma maneira menos direta do que a eclosão de uma rebelião em larga escala. A Coroa Portuguesa, especialmente após o trauma da Inconfidência Mineira e a Conjuração Baiana, mantinha uma vigilância constante sobre suas colônias, e as informações sobre o descontentamento na capital do Vice-Reino eram recebidas com grande preocupação em Lisboa, afetando as políticas de controle e a gestão colonial.

As notícias sobre a circulação de ideias iluministas, a formação de sociedades secretas e o crescente descontentamento entre a elite carioca eram percebidas como um sinal de alerta grave para a estabilidade do império. Portugal, já fragilizado por crises econômicas internas e pelos desafios das Guerras Napoleônicas, não podia se dar ao luxo de ter um foco de rebelião na sua colônia mais rica e estratégicamente importante. Essa preocupação levou a um endurecimento das políticas repressivas, com a ampliação da rede de espionagem e o reforço do aparato policial no Rio de Janeiro, mesmo antes da vinda da Corte.

O conhecimento desse fermento subversivo na capital do Vice-Reino pode ter influenciado, indiretamente, a decisão de transferir a Corte para o Rio de Janeiro em 1808. Embora a principal razão fosse a fuga de Napoleão, a percepção de instabilidade nas colônias e a necessidade de um controle mais direto sobre o Brasil podem ter sido fatores adicionais que pesaram na decisão real. A presença física da monarquia e de todo o aparelho de Estado no Rio era vista como uma medida de segurança para manter a integridade do império e sufocar qualquer tentativa de secessão.

A pressão dos conspiradores cariocas, mesmo que velada, somada às crises em outras regiões, contribuiu para que a Coroa Portuguesa, em alguns momentos, adotasse medidas conciliatórias ou de abertura controlada, como a Abertura dos Portos em 1808. Embora essa medida tenha sido tomada por necessidade imediata devido ao bloqueio continental, a existência de um forte grupo de comerciantes e proprietários no Rio que ansiavam pela liberdade comercial certamente pesou na decisão de quebrar o antigo monopólio. Essa resposta flexível foi uma tentativa de acalmar os ânimos e diminuir a insatisfação que poderia levar a uma revolta.

A suposta Conjuração Carioca e o clima de insatisfação que ela representava forçaram a Coroa Portuguesa a reavaliar sua política colonial. A realidade de um Brasil que amadurecia politicamente e que não aceitava mais passivamente o jugo metropolitano começou a ser uma questão central para a governança em Lisboa. O reconhecimento da autonomia do Brasil, culminando na Independência em 1822, pode ser visto como o resultado final de um processo gradual de pressão e amadurecimento político, no qual a Conjuração Carioca, com sua ação discreta e influência nas entrelinhas, desempenhou um papel inegável, embora muitas vezes invisível nos grandes eventos.

De que forma a cidade do Rio de Janeiro, em sua estrutura social e urbana, refletia ou propiciava o descontentamento?

A cidade do Rio de Janeiro, no período em que a Conjuração Carioca se gestava, era um caldeirão de contradições que refletiam e, ao mesmo tempo, propiciavam o sentimento de descontentamento entre seus habitantes. Enquanto capital do Vice-Reino e um dos principais portos do Atlântico Sul, o Rio experimentava um crescimento populacional acelerado e um intenso fluxo de pessoas e mercadorias, mas sua estrutura urbana e social estava longe de acompanhar esse ritmo, gerando disparidades gritantes e tensões sociais que alimentavam a insatisfação geral.

A urbanização desordenada era um reflexo da falta de planejamento e investimento por parte da Coroa. As ruas eram estreitas e sujas, a infraestrutura sanitária era precária, e a proliferação de doenças era constante. A falta de moradias adequadas forçava muitos a viver em condições insalubres e superlotadas, gerando um ambiente de desconforto e revolta silenciosa entre as camadas mais baixas da população. Esse cenário urbano caótico e a percepção de abandono pelas autoridades contribuíam para a frustração dos moradores.

A estrutura social rigidamente hierarquizada também era uma fonte de descontentamento. No topo, uma pequena elite de grandes comerciantes, proprietários de terras e funcionários coloniais gozava de privilégios e riqueza. Abaixo, uma vasta população de escravizados, libertos e pobres urbanos vivia em condições de extrema miséria e falta de perspectiva. A mobilidade social era quase inexistente, e a discriminação era rotineira. Essa disparidade social e a injustiça inerente ao sistema colonial alimentavam o ressentimento e a efervescência de ideias sobre a igualdade e a liberdade.

O porto do Rio de Janeiro, embora fosse a porta de entrada para a riqueza, também era um ponto de efervescência de ideias subversivas. Marinheiros e viajantes estrangeiros traziam consigo notícias das revoluções na Europa e nas Américas, e os livros e folhetos proibidos circulavam com relativa facilidade. Essa exposição a novas filosofias e a exemplos de autonomia contrastava com a realidade opressiva do cotidiano colonial, estimulando a reflexão crítica e o desejo de mudança entre os mais esclarecidos.

A presença de um grande contingente de militares e funcionários públicos na cidade, embora fosse uma demonstração do poder da Coroa, também gerava atritos. As relações entre militares metropolitanos e os de origem local eram frequentemente tensas, com os segundos sentindo o desprestígio e a falta de oportunidades. Essa frustração interna no aparato de segurança era um fator de vulnerabilidade para a Coroa e uma possível fonte de apoio para os conspiradores.

O Rio de Janeiro, com seus salões literários, academias científicas e sociedades secretas, era um centro de efervescência intelectual. Apesar da censura oficial, esses espaços permitiam a discussão de ideias iluministas e a crítica ao sistema. A concentração de intelectuais e pessoas letradas na capital criava um ambiente propício para a articulação de pensamentos dissonantes, onde as aspirações por autonomia e reformas políticas eram constantemente debatidas e refinadas, mesmo em segredo e à margem das autoridades.

A crescente população de escravizados e libertos na cidade, embora não diretamente articulada com os movimentos de elite, representava uma pressão social latente. As fugas, as revoltas e o quilombismo eram constantes lembretes da profunda injustiça do sistema e da busca por liberdade. A Conjuração Carioca, em seu contexto, estava ciente dessa massa de descontentamento e, mesmo que não a incluísse diretamente em suas pautas, a instabilidade social que ela representava era um pano de fundo que intensificava o desejo de mudança para a elite, que temia tanto a opressão metropolitana quanto a eclosão de revoltas populares incontroláveis.

Quais foram os legados culturais e políticos deixados pela efervescência de ideias em terras cariocas?

A efervescência de ideias em terras cariocas, personificada na Conjuração Carioca, deixou legados culturais e políticos profundos que, embora nem sempre visíveis em grandes monumentos ou manifestos públicos, foram cruciais para a formação da identidade brasileira e para o processo de independência. O ambiente de intenso debate sobre liberdade, autonomia e autogoverno, mesmo que clandestino, contribuiu para o amadurecimento do pensamento político na capital da colônia. Essa gestação de novas ideias foi um dos legados mais importantes, preparando o terreno intelectual para as transformações futuras.

Culturalmente, a efervescência incentivou o desenvolvimento de um pensamento crítico e uma literatura nativista, ainda que incipiente. As discussões em salões literários, academias científicas e sociedades secretas fomentaram um senso de pertencimento e de valorização da terra brasileira. Embora a censura fosse rígida, a circulação de livros e a produção de textos (muitas vezes manuscritos e anônimos) que questionavam o status colonial ajudaram a moldar uma consciência cultural que via o Brasil como uma entidade distinta de Portugal, com sua própria identidade e potencial.

A formação de redes intelectuais e de grupos de estudo foi outro legado importante. Essas redes, que se estendiam para além do Rio de Janeiro, permitiram a troca contínua de ideias e experiências com outras capitanias e mesmo com o exterior. O intercâmbio de conhecimentos sobre filosofia, economia e política, facilitado pela presença de intelectuais formados na Europa, criou um ambiente de aprendizado e desenvolvimento intelectual que superava as limitações impostas pelo sistema colonial. Essa fertilidade intelectual seria fundamental para o período pós-independência.

Politicamente, a Conjuração Carioca e o clima de descontentamento que a cercava contribuíram para a progressiva deslegitimação do poder colonial português. A crítica sistemática aos impostos, ao monopólio comercial e à má administração não era apenas uma queixa econômica, mas uma afirmação da capacidade do Brasil de se autogovernar. Essa descrença na eficiência e na justiça do domínio português foi um processo de erosão contínua da autoridade metropolitana, que culminaria na independência política.

A efervescência de ideias também plantou as sementes da participação política de uma elite local. Ao discutir as formas de governo, os direitos dos cidadãos e a autonomia administrativa, os conspiradores cariocas estavam, mesmo que de forma velada, preparando-se para assumir o controle do futuro Estado. A experiência da maçonaria e de outras sociedades secretas na organização e na articulação de interesses forneceu um modelo de ação política que seria replicado nos anos seguintes. A formação de um grupo de indivíduos com experiência em debate e organização clandestina foi um ativo valioso para o processo de emancipação.

A transferência da Corte para o Rio de Janeiro em 1808, embora tenha alterado drasticamente o cenário, não apagou os legados da efervescência. Pelo contrário, a presença da Coroa e a modernização da cidade (criação de bancos, imprensa, academias) aceleraram a formação de uma consciência nacional e de uma elite capacitada a liderar o país. As discussões anteriores sobre autonomia e a experiência com a clandestinidade prepararam os cariocas para navegar nas complexidades de uma capital que, de repente, se viu como o centro de um império, mas com aspirações crescentemente independentes.

Os legados culturais e políticos da efervescência de ideias no Rio de Janeiro foram, portanto, os da construção de uma identidade, do desenvolvimento de um pensamento crítico e da preparação de uma elite para a gestão de um Estado autônomo. A Conjuração Carioca, em sua natureza mais sutil, não foi um evento isolado, mas um processo contínuo de conscientização que ajudou a moldar a cultura política e a mentalidade nativista que culminaria na proclamação da Independência do Brasil em 1822, um resultado direto de um longo e complexo processo de amadurecimento.

Em que medida a Conjuração Carioca prefigurou os movimentos que culminaram na Independência do Brasil?

A Conjuração Carioca, embora não tenha sido uma rebelião consumada, prefigurou os movimentos que culminaram na Independência do Brasil em uma medida considerável e multifacetada. Ela representou um dos primeiros indícios robustos e organizados de que as ideias de autonomia e de ruptura com Portugal haviam chegado e se enraizado no próprio coração do poder colonial. Essa efervescência intelectual na capital do Vice-Reino não foi um evento isolado, mas uma fase essencial no longo processo de amadurecimento político que tornaria a independência uma possibilidade real e, posteriormente, uma necessidade histórica.

A prefiguração reside, inicialmente, na articulação e disseminação de ideias iluministas e liberais entre uma elite influente. A Conjuração Carioca serviu como um laboratório de pensamento, onde conceitos como soberania popular, autonomia econômica e a necessidade de um governo próprio eram debatidos e refinados. Esse preparo ideológico criou uma base de intelectuais e políticos que, anos depois, estariam aptos a formular os argumentos para a emancipação e a liderar o novo Estado. A formação dessa consciência crítica foi um passo fundamental para a ruptura.

A experiência da Conjuração, com suas redes clandestinas e o uso estratégico de sociedades secretas como a maçonaria, demonstrou a viabilidade de articulação de um movimento de caráter nacional. Mesmo que o levante não tenha ocorrido, a capacidade de organização e a conexão entre indivíduos de diferentes setores (intelectuais, militares, comerciantes) foram aprendizados valiosos. Essas redes de confiança e a habilidade de operar na clandestinidade seriam retomadas e ampliadas nos anos que antecederam 1822, facilitando a coordenação de ações pró-independência.

As queixas econômicas que motivaram a Conjuração Carioca, como o monopólio comercial e a pesada carga tributária, foram as mesmas bandeiras levantadas pelos líderes da independência. A percepção de exploração e a aspiração por livre comércio eram sentimentos profundamente arraigados na elite colonial, e a Conjuração já os expressava com clareza. A persistência dessas reivindicações ao longo do tempo mostrou que a questão econômica era um motor contínuo para o desejo de autonomia, unindo diferentes setores da sociedade em torno de um objetivo comum.

A reação da Coroa à Conjuração Carioca, com sua intensa vigilância e repressão preventiva, também prefigurou o cenário político que levaria à independência. O autoritarismo metropolitano e a incapacidade de Portugal de lidar com as aspirações autonomistas de forma negociada apenas radicalizaram o descontentamento. Cada ato de repressão servia para reforçar a ideia de que a reconciliação era impossível e que a única saída para o Brasil seria a separação completa de sua metrópole, criando um crescente fosso entre os colonos e a Coroa.

Mesmo a transferência da Corte para o Rio de Janeiro, que em um primeiro momento pareceu arrefecer os ânimos, acabou por acelerar o processo de amadurecimento, transformando a capital colonial em um centro político imperial onde as decisões sobre o futuro do Brasil seriam tomadas. A Conjuração Carioca, com sua ênfase na formação de uma consciência, na articulação de interesses e na deslegitimação do sistema colonial, estabeleceu as bases intelectuais e sociais para que, quando a crise metropolitana (como a Revolução Liberal do Porto) se aprofundasse, a oportunidade da independência pudesse ser agarrada por uma elite já preparada e um povo consciente de seus anseios.

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