Revolução Cultural Chinesa: o que foi, causas e impactos

O que foi a Revolução Cultural Chinesa e quando ocorreu?

A Grande Revolução Cultural Proletária, um período convulso e sem precedentes na história chinesa, representou uma campanha massiva lançada por Mao Zedong. Teve início oficialmente em maio de 1966, estendendo-se por uma década de tumulto e incerteza. O movimento proclamava o objetivo de erradicar elementos revisionistas dentro do Partido Comunista Chinês, visando purificar a ideologia socialista e combater vestígios da antiga sociedade feudal e capitalista. Mao via a necessidade de uma “revolução contínua” para prevenir a restauração do capitalismo e manter a pureza revolucionária, uma preocupação que o acompanhava desde as experiências soviéticas.

O catalisador inicial foi a peça teatral Hai Rui Demitido do Cargo, de Wu Han, interpretada por Mao como uma crítica velada à sua demissão do Grande Salto Adiante. Este evento desencadeou uma onda de críticas ideológicas e expurgos contra figuras proeminentes do Partido e intelectuais. A Revolução Cultural não foi um evento singular, mas uma série de campanhas sobrepostas e ondas de perseguição que se desenrolaram em várias fases, cada uma com suas características e alvos específicos.

A mobilização da juventude, em particular, foi uma estratégia central de Mao. Estudantes universitários e do ensino médio foram incentivados a formar os Guardas Vermelhos, grupos paramilitares que se tornaram os principais executores da vontade revolucionária de Mao. Esses jovens, imbuídos de um fervor ideológico intenso e armados com o Pequeno Livro Vermelho, atacaram figuras de autoridade, destruíram artefatos culturais e espalharam a mensagem de Mao por toda a na nação.

Os alvos da Revolução Cultural eram amplos e frequentemente ambíguos, englobando desde altos funcionários do Partido até intelectuais, professores, artistas e qualquer um considerado “inimigo de classe”. A campanha focou na eliminação dos “Quatro Velhos”: velhas ideias, velha cultura, velhos costumes e velhos hábitos. Isso levou a uma destruição cultural sem precedentes, com templos, livros e obras de arte sendo vandalizados em nome da revolução.

A Revolução Cultural, embora oficialmente declarada terminada em 1969 com o Nono Congresso do Partido, continuou a manifestar-se em distúrbios políticos e sociais até a morte de Mao Zedong em 1976. O período entre 1969 e 1976 foi marcado por lutas internas pelo poder, a ascensão e queda de Lin Biao, e a crescente influência da Gangue dos Quatro, que tentou perpetuar o legado radical de Mao.

A cronologia da Revolução Cultural é complexa, com flutuações entre períodos de violência intensa e relativa estabilidade forçada pelo Exército de Libertação Popular. Inicialmente, as cidades foram os epicentros da agitação, mas a turbulência logo se espalhou para as áreas rurais, afetando todos os estratos da sociedade chinesa. A década foi um período de profunda transformação social e política, cujas cicatrizes ainda ressoam na China contemporânea.

A extensão do impacto da Revolução Cultural é vasta, afetando milhões de vidas através de perseguições, exílios, prisões e mortes. A interrupção da educação, a desorganização econômica e a destruição moral da sociedade deixaram uma marca indelével. Este evento é considerado uma das épocas mais negras e traumáticas da história moderna da China, representando um ponto de inflexão na trajetória do país.

Quais foram as causas ideológicas profundas da Revolução Cultural?

As raízes ideológicas da Revolução Cultural residem profundamente na visão de Mao Zedong sobre a sociedade socialista e os perigos da “restauração capitalista”. Mao acreditava que, mesmo após a revolução e a tomada do poder, as contradições de classe persistiriam. Ele temia que elementos burgueses e revisionistas pudessem se infiltrar no Partido Comunista, minando os fundamentos do socialismo por dentro, como ele percebia ter acontecido na União Soviética após a morte de Stalin.

O conceito maoísta de revolução contínua, um pilar ideológico central, postulava que a luta de classes não terminava com a vitória inicial. Pelo contrário, ela se intensificava sob o socialismo, exigindo purgações periódicas e mobilizações de massa para manter o fervor revolucionário. Esta ideia diferia significativamente das teorias marxistas-leninistas mais ortodoxas que previam um declínio das contradições de classe após o estabelecimento do socialismo.

Mao também nutria uma profunda desconfiança em relação aos intelectuais e à burocracia do Partido. Ele os via como uma elite distanciada, propensa ao elitismo e à perda de contato com as massas. Essa percepção foi exacerbada após o fracasso do Grande Salto Adiante, quando muitos quadros do Partido expressaram dúvidas sobre suas políticas, o que Mao interpretou como uma traição ideológica e uma tentativa de subverter sua autoridade.

A teoria de Mao sobre a “luta entre duas linhas” — a linha proletária revolucionária versus a linha burguesa revisionista — justificava a necessidade de expurgos em massa. Ele argumentava que a linha burguesa estava infiltrada nos mais altos escalões do Partido, representada por figuras como Liu Shaoqi e Deng Xiaoping. A Revolução Cultural foi, ideologicamente, um ataque frontal a essa suposta linha revisionista, buscando reafirmar a ortodoxia maoísta.

O culto à personalidade de Mao, construído meticulosamente ao longo dos anos, forneceu a base para a aceitação de suas dogmas ideológicos pela população. O Pequeno Livro Vermelho, com suas citações de Mao, tornou-se o texto sagrado, a única fonte de verdade. A lealdade a Mao não era apenas política, mas quase religiosa, permitindo que suas ideias fossem propagadas e aceitas sem questionamentos significativos por grande parte da população.

A visão de Mao para uma sociedade ideal era utópica e anti-intelectual, priorizando a prática sobre a teoria e a pureza ideológica sobre a competência técnica. Ele acreditava que o trabalho manual e a reeducação no campo eram essenciais para forjar um novo homem socialista, desprovido de pensamentos “burgueses”. Essa ideologia fomentou um ambiente hostil à expertise e ao conhecimento tradicional, resultando em perseguições em grande escala.

A ênfase na “luta implacável contra o inimigo de classe” transformou a sociedade chinesa em um campo de batalha ideológico, onde qualquer desvio ou crítica podia ser interpretado como um ato de traição. A ideologia de Mao, com sua retórica de purificação e revolução permanente, criou o terreno fértil para a violência e o caos que caracterizaram a década da Revolução Cultural.

Como a luta pelo poder dentro do Partido Comunista Chinês contribuiu para seu início?

A Revolução Cultural, para além de suas proclamações ideológicas, foi intrinsecamente uma luta feroz pelo poder dentro do Partido Comunista Chinês. Mao Zedong, embora ainda líder supremo, havia sido marginalizado em algumas áreas de tomada de decisão após o fracasso catastrófico do Grande Salto Adiante (1958-1962), que resultou em uma fome devastadora. A gestão do dia-a-dia do Estado e do Partido havia sido transferida para figuras mais pragmáticas, como Liu Shaoqi, então Presidente da República Popular da China, e Deng Xiaoping, Secretário-Geral do Partido.

Liu e Deng haviam implementado políticas mais moderadas para recuperar a economia, incluindo incentivos de mercado e maior autonomia para os camponeses. Essas políticas, embora bem-sucedidas em sua recuperação econômica, eram vistas por Mao como um desvio revisionista e um abandono dos princípios socialistas radicais que ele defendia. Mao interpretou as ações de Liu e Deng como uma ameaça direta à sua visão de futuro para a China e à sua própria autoridade.

Mao sentia-se isolado e traído pelos seus camaradas mais próximos que, em sua percepção, estavam seguindo um “caminho capitalista”. Ele usou a Revolução Cultural como um meio para derrubar esses “quartéis-generais burgueses” dentro do Partido. A purga de Peng Dehuai em 1959, que criticou o Grande Salto Adiante, já havia demonstrado a intolerância de Mao à dissidência, mas desta vez o escopo da purga seria infinitamente maior.

A máquina de propaganda de Mao, controlada em grande parte por figuras leais a ele como Lin Biao e Chen Boda, começou a atacar figuras de alto escalão do Partido, mesmo sem nomeá-las inicialmente. Os ataques eram feitos através de artigos e editoriais que criticavam a literatura e a história, como o caso de Hai Rui Demitido do Cargo, uma peça de teatro que supostamente satirizava Mao, atingindo assim indiretamente figuras como Wu Han e, por extensão, o próprio Liu Shaoqi.

A mobilização dos Guardas Vermelhos foi um instrumento chave nesse jogo de poder. Mao encorajou a rebelião contra todas as autoridades estabelecidas, exceto ele próprio. Isso desmantelou as estruturas do Partido e do governo de baixo para cima, expondo Liu Shaoqi, Deng Xiaoping e outros líderes a humilhações públicas e perseguições. Eles foram rotulados como “capitalistas na estrada” e “inimigos do povo”, sendo sistematicamente removidos de seus cargos.

A ascensão de Lin Biao, o então Ministro da Defesa e leal a Mao, é um exemplo claro de como a Revolução Cultural alterou a hierarquia de poder. Lin, ao compilar e promover o Pequeno Livro Vermelho, solidificou sua posição como o sucessor de Mao, substituindo Liu Shaoqi. Essa mudança de guarda no topo do Partido refletiu o sucesso inicial de Mao em reafirmar seu domínio e eliminar seus rivais políticos.

O caos gerado pela Revolução Cultural serviu ao propósito de Mao de destruir as velhas estruturas do Partido que ele considerava corrompidas e de restaurar sua primazia incontestável. Ao desmantelar o aparato governamental e partidário e ao purgar milhares de funcionários, Mao conseguiu reconstruir o sistema à sua imagem, com ele no centro de um culto de personalidade inabalável.

Qual o papel da juventude e dos Guardas Vermelhos em sua eclosão?

A juventude chinesa desempenhou um papel central e devastador na eclosão e desenvolvimento da Revolução Cultural. Mao Zedong, astutamente, percebeu o potencial da energia e do idealismo dos jovens, especialmente aqueles que haviam crescido na era pós-revolucionária e não tinham memória das dificuldades antes de 1949. Ele os viu como uma força pura, não contaminada pelas burocracias e compromissos do Partido.

Em maio de 1966, Mao incitou os estudantes a “bombardear o quartel-general”, uma clara chamada à rebelião contra as autoridades do Partido e do governo. Essa mensagem ressoou profundamente entre os estudantes, que se sentiam alienados pelas escolas elitistas e pela burocracia do Partido. A primeira onda de Guardas Vermelhos surgiu em Pequim, inicialmente composta por filhos de quadros do Partido e membros do Exército de Libertação Popular.

Os Guardas Vermelhos rapidamente se espalharam por todo o país, formando grupos em escolas, universidades e fábricas. Armados com o Pequeno Livro Vermelho e a bênção de Mao, eles se tornaram os executores da revolução. Eles organizavam comícios massivos, promoviam a ideologia de Mao e, o mais importante, atacavam aqueles rotulados como “inimigos de classe”, incluindo professores, intelectuais e antigos membros do Partido.

A participação juvenil foi impulsionada por uma combinação de fervor ideológico genuíno, a promessa de liberdade de ação e, para muitos, a oportunidade de se distinguir e demonstrar lealdade a Mao. A ausência de figuras de autoridade eficazes, devido aos expurgos, criou um vácuo de poder que os Guardas Vermelhos preencheram com violência e arbitraridade. Eles conduziam sessões de crítica, desfilavam figuras públicas com chapéus de burro e placas de “contrarrevolucionário”, e praticavam a tortura e a humilhação.

O governo suspendeu as aulas em todo o país em junho de 1966, permitindo que os Guardas Vermelhos dedicassem tempo integral à “revolução”. Eles viajaram livremente pelo país em trens, sem pagar, espalhando a mensagem revolucionária e realizando “intercâmbios de experiências”. Essa mobilidade irrestrita amplificou o caos e a violência, permitindo que as ações dos Guardas Vermelhos atingissem todos os cantos da China.

A radicalização dos Guardas Vermelhos levou a conflitos internos entre diferentes facções, muitas vezes armadas, que disputavam a interpretação “correta” da ideologia de Mao. Essas lutas internas resultaram em violência generalizada, muitas vezes com mortes e feridos. A “Campanha para Expulsar os Quatro Velhos” foi um exemplo da fúria destrutiva dos Guardas Vermelhos, que saquearam e destruíram inúmeros artefatos históricos e locais culturais.

Eventualmente, a violência dos Guardas Vermelhos tornou-se incontrolável, ameaçando a própria estabilidade social. Mao, tendo usado a juventude para destruir seus rivais, virou-se para o Exército de Libertação Popular para restaurar a ordem. Muitos Guardas Vermelhos foram enviados para as áreas rurais no movimento “Down to the Countryside” (Xiang Shang Shan Xia Xiang), uma forma de desmobilização e reeducação forçada, marcando o declínio de sua influência direta.

De que forma os “Quatro Velhos” se tornaram alvos centrais do movimento?

Os “Quatro Velhos” – velhas ideias, velha cultura, velhos costumes e velhos hábitos – tornaram-se o alvo simbólico e prático da Revolução Cultural. Essa categoria abrangente permitiu aos Guardas Vermelhos justificar a destruição de qualquer elemento da sociedade chinesa que pudesse ser interpretado como um resquício do passado pré-revolucionário. A campanha contra os Quatro Velhos começou em agosto de 1966, imediatamente após a convocação de Mao para a rebelião ideológica.

As velhas ideias incluíam o confucianismo, o budismo, o taoísmo e qualquer outra filosofia que não se alinhasse com o marxismo-leninismo-pensamento de Mao Zedong. Livros antigos, escritos religiosos e até mesmo pensamentos considerados “burgueses” eram condenados e queimados. A busca pela pureza ideológica levou a uma campanha de lavagem cerebral em massa, com a exigência de que todos abraçassem o pensamento de Mao como a única verdade.

A velha cultura foi talvez o alvo mais visível e brutal. Templos, mosteiros, museus, bibliotecas e sítios históricos foram vandalizados e saqueados. Obras de arte inestimáveis, relíquias antigas e monumentos culturais foram destruídos pelos Guardas Vermelhos, que viam nesses objetos os símbolos de uma sociedade exploradora. A Ópera de Pequim, por exemplo, foi completamente reformulada por Jiang Qing, esposa de Mao, para promover peças revolucionárias em detrimento das óperas tradicionais.

Os velhos costumes e velhos hábitos referiam-se a práticas sociais, vestimentas, rituais e até mesmo nomes considerados reacionários ou burgueses. Ruas e edifícios foram renomeados, penteados tradicionais foram cortados à força e roupas “burguesas” foram confiscadas. Casamentos tradicionais e funerais foram condenados, substituídos por cerimônias simplificadas que celebravam a revolução. A vida diária das pessoas foi esquadrinhada e controlada, com a intenção de eliminar qualquer traço de individualismo ou de passado.

Essa campanha de destruição cultural foi impulsionada por um zelo revolucionário fanático entre os jovens, que viam na eliminação dos Quatro Velhos um caminho para purificar a sociedade e construir um futuro socialista. As autoridades locais, desorganizadas e com medo de serem rotuladas como contrarrevolucionárias, muitas vezes não intervieram, permitindo que a destruição prosseguisse sem controle.

A lista de alvos era maleável e podia ser interpretada de forma ampla, permitindo que os Guardas Vermelhos atacassem qualquer coisa que considerassem uma “velharia”. Isso incluiu não apenas objetos e instituições, mas também pessoas que personificavam esses “velhos” elementos – como intelectuais que tinham conhecimento tradicional, artistas que praticavam formas de arte antigas ou qualquer um com conexões familiares ao passado feudal ou capitalista.

A campanha contra os Quatro Velhos representou uma tentativa radical de reescrever a história e o imaginário cultural da China, forçando a nação a abraçar uma nova identidade baseada exclusivamente na ideologia de Mao. A extensão da devastação foi tal que muitas das perdas culturais são irrecuperáveis, deixando um vazio doloroso no patrimônio milenar chinês.

Quais foram as primeiras fases de escalada da violência e da perseguição?

As primeiras fases da Revolução Cultural foram marcadas por uma rápida e alarmante escalada de violência e perseguição, que se manifestou de diversas formas. O movimento começou com uma série de ataques retóricos e ideológicos em maio de 1966, visando principalmente intelectuais e acadêmicos. A crítica à peça Hai Rui Demitido do Cargo logo se expandiu para uma campanha massiva contra figuras consideradas revisionistas dentro da esfera cultural.

Em junho de 1966, a mobilização dos estudantes resultou na formação dos Guardas Vermelhos. O primeiro grande ato de violência ocorreu em agosto, durante o chamado “Verão Vermelho de Pequim”, quando os Guardas Vermelhos, impulsionados pela ideologia de purificação e pela liberdade de agir concedida por Mao, iniciaram a campanha dos Quatro Velhos. Esta fase testemunhou a destruição generalizada de templos, bibliotecas e casas particulares, com objetos de arte sendo queimados ou esmagados nas ruas.

A violência rapidamente se voltou para as pessoas. Professores, diretores de escola e funcionários do Partido foram os primeiros a sofrer ataques físicos. Eles eram arrastados para sessões de “luta” (douzheng hui), onde eram publicamente humilhados, espancados e forçados a fazer autocríticas forçadas. Essas sessões frequentemente resultavam em ferimentos graves ou mortes, transformando os campi universitários e as ruas em campos de terror.

As denúncias e a criação de “listas negras” se tornaram comuns, impulsionadas por um clima de paranóia e desconfiança. Vizinhos denunciavam vizinhos, filhos denunciavam pais, e colegas denunciavam uns aos outros, na esperança de demonstrar sua lealdade à revolução. Aqueles com “históricos familiares” problemáticos, como descendentes de proprietários de terras ou capitalistas, foram particularmente visados, submetidos a discriminação e perseguição sistemática.

A perseguição se estendeu a figuras proeminentes do Partido, culminando na remoção de Liu Shaoqi e Deng Xiaoping de seus cargos. Liu foi publicamente humilhado e morreu sob custódia, enquanto Deng foi enviado para o trabalho manual forçado. A queda desses líderes sinalizou que ninguém estava seguro, intensificando o medo e a obediência às diretrizes radicais dos Guardas Vermelhos e do Grupo da Revolução Cultural Central.

À medida que a violência escalava, surgiram confrontos armados entre diferentes facções de Guardas Vermelhos, cada uma alegando representar a “linha correta” de Mao. Essas batalhas levaram à formação de milícias armadas e ao uso de armas de fogo, exacerbando o caos. Cidades como Chongqing e Wuhan testemunharam batalhas campais, com grande número de mortes e a destruição da infraestrutura urbana.

A fase inicial, de 1966 a 1968, foi um período de anarquia quase total, onde a autoridade civil foi desmantelada e substituída pela ação arbitrária dos grupos de Guardas Vermelhos. A intensidade da violência e a amplitude da perseguição em tão pouco tempo deixaram a sociedade chinesa em um estado de choque profundo e desorientação.

Como a figura de Mao Zedong foi divinizada e manipulada durante o período?

A divinização de Mao Zedong atingiu seu ápice durante a Revolução Cultural, tornando-se uma ferramenta crucial para a manipulação das massas e a consolidação de seu poder. Ele era retratado não apenas como o líder do Partido, mas como uma figura quase messiânica, um gênio inigualável e o “grande timoneiro” que guiaria a China para a verdadeira revolução. Essa exaltação sistemática transformou a lealdade política em devoção religiosa.

O Pequeno Livro Vermelho, formalmente conhecido como “Citações do Presidente Mao Zedong”, desempenhou um papel fundamental nessa divinização. Compilado por Lin Biao, Ministro da Defesa, o livro tornou-se onipresente, sendo impresso em bilhões de cópias e lido em voz alta em escolas, fábricas e campos. Estudar as “citações de Mao” era considerado um ato de fé, e qualquer desvio de seus ensinamentos era visto como uma heresia perigosa.

Imagens e estátuas de Mao eram espalhadas por toda parte, em casas, escritórios e espaços públicos. Canções revolucionárias louvando Mao eram cantadas diariamente, e danças de “lealdade” eram realizadas em sua homenagem. As pessoas realizavam “rituais de bom dia e boa noite”, onde liam passagens do Pequeno Livro Vermelho e pediam orientação ao Presidente Mao, uma prática que se assemelhava a orações religiosas.

A propaganda oficial atribuía a Mao qualidades divinas e infalíveis. Cada sucesso era creditado a sua “brilhante liderança”, enquanto os fracassos eram atribuídos a sabotadores ou a desvios de sua linha ideológica. Essa narrativa criava uma aura de perfeição inatacável ao redor de Mao, tornando impossível qualquer crítica racional às suas políticas ou decisões. A negação da realidade em favor de um dogma foi generalizada.

A manipulação da figura de Mao foi orquestrada pela Gangue dos Quatro, especialmente por Jiang Qing, sua esposa, e por Lin Biao, que se beneficiaram imensamente dessa glorificação. Eles usaram a figura de Mao para legitimar seus próprios ataques aos adversários políticos, alegando que estavam simplesmente seguindo as instruções do Presidente. Isso lhes dava uma autoridade quase ilimitada para perseguir e eliminar qualquer um que representasse uma ameaça.

A população, saturada pela propaganda e aterrorizada pelas consequências de qualquer deslealdade, internalizou essa veneração. A fé em Mao não era apenas um ato político, mas uma questão de sobrevivência. Muitos realmente acreditavam na retórica do culto, enquanto outros a simulavam por medo, mas o resultado foi uma sociedade onde o pensamento crítico foi suprimido e a obediência cega se tornou a norma.

Essa divinização permitiu que Mao lançasse uma campanha tão destrutiva como a Revolução Cultural sem encontrar resistência significativa das massas. Ele era a fonte de toda a verdade e autoridade, e suas ordens eram vistas como a lei suprema, não importa quão arbitrárias ou violentas fossem, moldando profundamente a mentalidade coletiva da época.

Quais foram as principais campanhas e movimentos dentro da Revolução Cultural?

A Revolução Cultural não foi um evento monolítico, mas uma série de campanhas e movimentos distintos, cada um com seus objetivos e alvos específicos, todos sob a égide da ideologia de Mao Zedong. Essas campanhas frequentemente se sobrepunham e evoluíam, intensificando o caos e a incerteza generalizada. A primeira e mais visível foi a campanha contra os “Quatro Velhos”.

A “Campanha para Expulsar os Quatro Velhos” (Po Si Jiu) foi lançada em agosto de 1966 pelos Guardas Vermelhos. Seu objetivo era destruir velhas ideias, velha cultura, velhos costumes e velhos hábitos. Esta campanha resultou na destruição massiva de patrimônio cultural, saques e perseguições a qualquer um que fosse associado a esses “elementos reacionários”.

Outro movimento significativo foi a “Rebelião Proletária”, que incentivava os trabalhadores a se levantarem contra as autoridades do Partido e do governo. Em janeiro de 1967, a “Tomada do Poder” em Xangai por facções revolucionárias levou à formação da “Comuna de Xangai”, que Mao apoiou brevemente antes de optar por “Comitês Revolucionários”, estruturas de poder mais controláveis que integravam o Exército, quadros do Partido e líderes de massas.

A “Campanha para Limpar as Fileiras de Classe” (Qingli Jiedui) foi uma das mais brutais, iniciada em 1968. Seu foco era identificar e eliminar inimigos ocultos dentro do Partido, do governo e das instituições públicas. Milhões de pessoas foram investigadas, torturadas e forçadas a confessar crimes imaginários. Essa campanha resultou em um número imenso de mortes e prisões, purificando as fileiras com violência extrema.

O movimento “Down to the Countryside” (Shang Shan Xia Xiang), ou “Envio da Juventude Educada ao Campo”, foi lançado em 1968-1969 e continuou por anos. Centenas de milhares de jovens urbanos, incluindo muitos ex-Guardas Vermelhos, foram forçados a se mudar para áreas rurais para aprender com os camponeses e serem “reeducados”. Embora apresentada como uma iniciativa ideológica para reduzir as diferenças entre cidade e campo, também serviu para desmobilizar os problemáticos Guardas Vermelhos e reduzir a pressão populacional nas cidades.

A “Campanha para Criticar Lin Biao e Confúcio” (Pi Lin Pi Kong), lançada em 1973, foi um dos últimos grandes movimentos ideológicos da Revolução Cultural. Embora supostamente dirigida contra Lin Biao (que morreu em 1971 em um suposto acidente de avião após uma tentativa de golpe fracassada) e o pensamento confuciano, era na verdade uma manobra política da Gangue dos Quatro para atacar moderados como Zhou Enlai.

Essas campanhas, juntamente com inúmeras outras de menor escala, moldaram o cenário da Revolução Cultural, alternando entre perseguições ideológicas e limpezas políticas, todas destinadas a manter o controle ideológico de Mao e a suprimir qualquer forma de oposição. A constante agitação manteve a sociedade em um estado de perpétua revolução.

Como a educação e a cultura foram completamente desmanteladas?

A Revolução Cultural, em seu fervor anti-intelectual e sua campanha contra os “Quatro Velhos”, causou o desmantelamento quase total dos sistemas de educação e cultura na China. O objetivo era erradicar o pensamento burguês e revisionista, mas o resultado foi uma década de paralisação e uma perda geracional imensa. As universidades e escolas secundárias foram as primeiras a serem atingidas pelo turbilhão revolucionário.

Em junho de 1966, a admissão universitária foi suspensa e as aulas foram interrompidas em todo o país. Os estudantes foram encorajados a “fazer a revolução” em vez de estudar. Os professores, acadêmicos e pesquisadores foram submetidos a humilhações públicas (sessões de “luta”), espancamentos e “reeducação” através do trabalho manual em fazendas ou campos de trabalho. Muitos foram presos, exilados ou cometeram suicídio, devido à pressão insuportável.

O currículo escolar foi drasticamente simplificado, focado quase exclusivamente na ideologia maoísta e na propaganda política. Matérias como história, literatura, ciência e matemática foram consideradas burguesas ou irrelevantes e amplamente negligenciadas ou removidas. O que restou da educação foi a glorificação de Mao Zedong e a exaltação do trabalho manual em detrimento do conhecimento intelectual.

No campo da cultura, a destruição foi igualmente devastadora. A Ópera de Pequim, que era a forma de arte mais popular, foi reformulada por Jiang Qing, esposa de Mao, para produzir “óperas modelo revolucionárias” que promoviam a luta de classes e a ideologia do Partido. Essas poucas óperas se tornaram as únicas formas de entretenimento permitidas, sufocando a diversidade artística.

Milhares de livros foram queimados em praça pública, bibliotecas foram saqueadas e coleções particulares de livros foram destruídas. Obras literárias clássicas chinesas e estrangeiras foram proibidas. A música tradicional, a pintura, a caligrafia e outras formas de arte foram denunciadas como burguesas ou feudais e suprimidas. Artistas e escritores foram perseguidos e impedidos de praticar suas vocações.

Museus, templos, pagodes e outros locais históricos foram vandalizados ou demolidos pelos Guardas Vermelhos durante a campanha dos “Quatro Velhos”. Estátuas budistas foram decapitadas, antigos túmulos imperiais foram profanados e obras de arte de inestimável valor foram destruídas, resultando em uma perda irrevogável do patrimônio cultural chinês acumulado ao longo de milênios.

O desmantelamento da educação e da cultura deixou uma geração perdida, sem acesso a um ensino de qualidade e sem a rica herança cultural de seu próprio país. As consequências dessa década de privação ainda se fazem sentir hoje, com lacunas no conhecimento e um impacto duradouro na capacidade inovadora e artística da nação.

Quais grupos sociais foram mais duramente atingidos e por quê?

A Revolução Cultural, em sua fúria purificadora, atingiu uma vasta gama de grupos sociais, cada um por razões específicas e com consequências devastadoras. Embora a retórica oficial se concentrasse em “inimigos de classe” e “revisionistas”, a definição desses termos era fluidas, tornando quase todos potenciais alvos em algum momento.

Os intelectuais, professores, cientistas e artistas foram os primeiros e mais duramente atingidos. Eles eram vistos como a fonte das “velhas ideias” e da “velha cultura”, e muitos tinham estudado no exterior ou possuíam conhecimento que não se alinhava estritamente com a ideologia maoísta. Foram submetidos a “sessões de luta”, torturas, prisões e reeducação forçada no campo, com a destruição de suas carreiras e, em muitos casos, suas vidas.

Membros de alto escalão do Partido Comunista e do governo, especialmente aqueles que haviam exercido poder significativo ou expressado qualquer tipo de dissidência, foram impiedosamente expurgados. Liu Shaoqi e Deng Xiaoping são os exemplos mais proeminentes, mas centenas de milhares de quadros do Partido em todos os níveis foram depurados, presos ou sentenciados à morte. Eles foram acusados de serem “capitalistas na estrada” ou de trair a revolução.

Pessoas com conexões familiares com a antiga sociedade – como descendentes de proprietários de terras, comerciantes, funcionários do Kuomintang (KMT) ou ex-membros da burguesia – foram sistematicamente perseguidas. Mesmo gerações após a revolução de 1949, seus “maus antecedentes de classe” eram usados para justificar sua discriminação, exploração e violência arbitrária por parte dos Guardas Vermelhos.

Os profissionais religiosos, incluindo monges budistas, padres cristãos e clérigos muçulmanos, foram severamente reprimidos. Templos, igrejas e mesquitas foram destruídos, e as práticas religiosas foram proibidas. A liberdade religiosa foi suprimida em nome do ateísmo revolucionário e da eliminação de superstições.

Aqueles que tinham sido criticados ou punidos em campanhas anteriores, como o Movimento Antidireitista (1957) ou o Grande Salto Adiante, foram novamente visados, muitas vezes com ainda mais violência. Não havia perdão ou reabilitação para aqueles que já haviam sido marcados como “inimigos do povo”, e a Revolução Cultural ofereceu uma nova oportunidade para reviver antigas acusações.

A violência dos Guardas Vermelhos também se manifestou em conflitos intra-sociais, com grupos de trabalhadores e estudantes lutando entre si por questões de poder e interpretações ideológicas. Isso resultou em mortes e ferimentos entre a própria população, mostrando que a violência não distinguia entre os “inimigos” e os “revolucionários” em potencial. A amplitude dos alvos e a ambiguidade das acusações geraram uma atmosfera de terror generalizado.

Qual o impacto da Revolução Cultural na estrutura política do PCCh?

A Revolução Cultural teve um impacto cataclísmico na estrutura política do Partido Comunista Chinês (PCCh), que foi quase completamente desmantelada e, em seguida, reconstruída sob o controle direto de Mao Zedong e do Exército de Libertação Popular. Mao intencionava purgar os “capitalistas na estrada” e a burocracia que ele considerava alienada das massas, mas o processo levou à destruição das instituições governamentais.

A hierarquia do Partido foi dizimada. Milhões de quadros, desde o nível central até o local, foram expurgados, acusados de revisionismo, de serem “agentes do KMT” ou de seguir a “linha capitalista”. Figuras proeminentes como Liu Shaoqi, então Presidente da República, e Deng Xiaoping, Secretário-Geral do Partido, foram publicamente humilhadas e removidas de seus cargos, significando que nenhum cargo era seguro.

As secretarias do Partido, os comitês provinciais e municipais, e os ministérios governamentais foram paralisados ou dissolvidos. Muitos dos que permaneceram no poder foram aqueles que demonstraram lealdade inquestionável a Mao ou à Gangue dos Quatro. O caos administrativo resultante levou a uma profunda desorganização do Estado e à incapacidade de governar eficazmente.

Para preencher o vácuo de poder, foram criados os “Comitês Revolucionários” em todos os níveis. Essas novas estruturas eram compostas por uma “aliança tripla” de representantes do Exército de Libertação Popular, quadros “revolucionários” remanescentes do Partido e representantes das massas (incluindo os Guardas Vermelhos). Na prática, o Exército de Libertação Popular (ELP) dominou esses comitês, assumindo um papel político sem precedentes.

O Nono Congresso do Partido em 1969 marcou a consolidação do poder de Mao e a ascensão de Lin Biao como seu sucessor designado. O Congresso validou os expurgos e a ideologia da Revolução Cultural, formalizando as mudanças drásticas na composição e no controle do PCCh. O Partido foi efetivamente transformado em um instrumento direto da vontade de Mao.

A cultura de lealdade cega e a paranoia ideológica se enraizaram profundamente. A capacidade de criticar ou debater políticas internamente foi destruída, substituída por um clima de medo e auto-censura. A tomada de decisões tornou-se altamente centralizada em torno de Mao, com pouca ou nenhuma consulta a especialistas ou oposição interna.

O legado para o PCCh foi duradouro. Embora tenha se recuperado após a morte de Mao e a ascensão de Deng Xiaoping, a Revolução Cultural deixou uma marca de desconfiança interna, um medo da instabilidade e uma aversão a desvios ideológicos que se refletem na governança do Partido até hoje, com uma ênfase na disciplina e na unidade.

Como o Exército de Libertação Popular se envolveu e qual sua função?

O Exército de Libertação Popular (ELP) desempenhou um papel transformador e multifacetado na Revolução Cultural, inicialmente como um pilar de apoio a Mao Zedong e, posteriormente, como a principal força para restaurar a ordem. Sob a liderança de Lin Biao, o ELP foi fundamental para o lançamento e a sustentação do movimento em suas fases iniciais.

Desde o início da década de 1960, Lin Biao havia promovido o culto à personalidade de Mao dentro do ELP, compilando e distribuindo o Pequeno Livro Vermelho entre os soldados. Essa campanha de endoutrinamento ideológico transformou o exército em um instrumento político leal a Mao, servindo de modelo para a sociedade civil. Quando Mao lançou a Revolução Cultural, o ELP era a única instituição coesa e confiável que ele possuía.

Em 1967, com o caos dos Guardas Vermelhos se tornando incontrolável e ameaçando a estabilidade do Estado, Mao emitiu uma diretriz para o ELP “apoiar as massas de esquerda”. Isso significou que o exército interviria para restaurar a ordem, muitas vezes ao lado de uma facção de Guardas Vermelhos contra outra. No entanto, o ELP também se envolveu em violência direta contra grupos considerados excessivamente radicais ou “contrarrevolucionários”.

O ELP assumiu o controle de vastas áreas da administração civil e das instituições do Partido que haviam sido desmanteladas. Os militares passaram a presidir os “Comitês Revolucionários” que substituíram os antigos governos locais e provinciais. Isso deu ao exército uma influência política sem precedentes e uma presença esmagadora em todos os níveis da sociedade.

A ascensão de Lin Biao foi um reflexo direto do crescente poder do ELP. Ele foi nomeado o único vice-presidente do Partido e o sucessor designado de Mao no Nono Congresso do Partido em 1969. A Constituição do Partido foi alterada para refletir sua posição. A centralidade militar no poder político da China atingiu seu ápice nesse período.

Com o tempo, a presença militar se tornou repressiva. O ELP foi encarregado de desmobilizar os Guardas Vermelhos e de enviar a juventude educada para o campo no movimento “Down to the Countryside”. Eles supervisionaram campanhas de “limpeza”, que resultaram em perseguições, prisões e execuções em massa de milhões de pessoas que eram rotuladas como “inimigos ocultos”.

O poder de Lin Biao, no entanto, gerou desconfiança em Mao, culminando em sua tentativa de fuga e morte em 1971. Sua queda levou a uma redução do papel político do ELP, embora o exército continuasse a ser uma força fundamental de estabilidade e controle. O envolvimento do ELP na Revolução Cultural consolidou sua posição como um pilar essencial do regime, capaz de intervir diretamente na política civil.

De que maneira a economia chinesa foi afetada pelo caos e pela desorganização?

A economia chinesa sofreu um impacto severo e duradouro devido ao caos e à desorganização da Revolução Cultural. Embora Mao argumentasse que a revolução ideológica era necessária para impulsionar a produção, a realidade foi uma década de estagnação e retrocesso em diversos setores. O foco na “luta de classes” e a perseguição de especialistas prejudicaram a produtividade.

A produção industrial foi particularmente atingida. Fábricas e minas foram frequentemente paralisadas por greves, conflitos entre facções de trabalhadores e a perseguição de gerentes e técnicos, que eram acusados de serem “capitalistas” ou “revisionistas”. A busca por metas ideológicas em detrimento da eficiência econômica levou a quedas significativas na produção de aço, carvão e outras indústrias essenciais.

Na agricultura, a situação também foi precária, embora menos afetada diretamente pela violência dos Guardas Vermelhos. A coletivização rigorosa, a politização do trabalho agrícola e a falta de incentivos resultaram em uma produção estagnada. As políticas de Liu Shaoqi e Deng Xiaoping que haviam introduzido elementos de livre mercado, e que haviam ajudado na recuperação pós-Grande Salto Adiante, foram desmanteladas, removendo os estímulos à produtividade.

O sistema de transporte foi gravemente perturbado, especialmente os trens, que eram frequentemente requisitados pelos Guardas Vermelhos para seus “intercâmbios revolucionários”. Isso dificultou o fluxo de mercadorias e suprimentos, impactando tanto a indústria quanto a agricultura e causando escassez em muitas regiões. A infraestrutura logística da nação ficou sobrecarregada e ineficiente.

O comércio exterior e os laços econômicos internacionais foram drasticamente reduzidos. A China se isolou ainda mais do mundo, e a ideologia de auto-suficiência extrema, combinada com a hostilidade a influências externas, limitou as oportunidades de crescimento e desenvolvimento tecnológico. A Revolução Cultural essencialmente fechou a China ao comércio e ao intercâmbio tecnológico com o Ocidente.

A perseguição a intelectuais e especialistas em todas as áreas, incluindo engenheiros, economistas e técnicos, causou uma perda irreparável de conhecimento e experiência. Muitos foram enviados para o trabalho manual no campo, impedindo-os de contribuir com suas habilidades para a economia. A desvalorização do expertise técnico em favor da “pureza ideológica” teve consequências catastróficas para o desenvolvimento.

Embora alguns setores, como a indústria militar, tivessem prioridade e continuassem a se desenvolver em certa medida (notadamente o programa nuclear), o desempenho econômico geral da China durante a Revolução Cultural foi medíocre. As políticas de Deng Xiaoping, implementadas após 1978, foram uma resposta direta à necessidade urgente de reconstruir uma economia dilacerada por uma década de turbulência ideológica e desgoverno.

Quais foram as consequências sociais e psicológicas para a população chinesa?

As consequências sociais e psicológicas da Revolução Cultural para a população chinesa foram profundamente traumáticas e de longo alcance, moldando a mentalidade coletiva e as relações interpessoais por gerações. A década de caos e violência deixou cicatrizes que persistem até hoje, caracterizadas por desconfiança e medo.

A desintegração familiar foi uma das consequências mais dolorosas. Filhos eram encorajados a denunciar pais, irmãos a delatar irmãos, e cônjuges a trair cônjuges por motivos ideológicos. A unidade familiar, pilar da sociedade chinesa, foi gravemente comprometida, gerando uma profunda crise de lealdade e moralidade. Muitas famílias foram destruídas, e os laços de afeto foram corroídos pela paranóia.

A perda de confiança nas instituições e nas pessoas foi generalizada. A arbitrariedade das acusações e a imprevisibilidade da violência criaram um ambiente onde ninguém se sentia seguro. A linha entre amigo e inimigo era fluida, e a necessidade de sobreviver levava muitos a comprometer seus valores e a se conformar às exigências mais radicais.

Uma geração inteira de jovens, os “zhiqing” (jovens educados), foi enviada para o campo no movimento “Down to the Countryside”, perdendo anos cruciais de educação formal e desenvolvimento profissional. Muitos sentiram-se abandonados e marginalizados, enfrentando dificuldades extremas e a desilusão de suas esperanças revolucionárias. O trauma dessa experiência coletiva é um tema recorrente na literatura e nos depoimentos da época.

O trauma psicológico se manifestou em diversos níveis. Milhões sofreram perseguições, torturas, prisões injustas e humilhações públicas. Aqueles que sobreviveram carregam o peso da memória de seus sofrimentos e dos atos que foram forçados a cometer. A dificuldade de processar e discutir abertamente esses eventos ainda hoje contribui para uma amnésia coletiva em algumas esferas.

A destruição da moralidade tradicional e dos valores éticos foi generalizada. A luta de classes e a lealdade ideológica a Mao Zedong foram elevadas acima de todas as outras considerações, incluindo a compaixão e a justiça. Isso levou a uma sociedade onde a brutalidade e a crueldade eram justificadas em nome da revolução, corrompendo o tecido social.

A Revolução Cultural deixou um legado de cinismo e pragmatismo. Muitos que viveram o período se tornaram desiludidos com a ideologia e passaram a priorizar a segurança material e pessoal acima de tudo. Essa mudança de mentalidade teve um impacto profundo na transição da China para uma economia de mercado nas décadas seguintes, com uma busca por estabilidade e prosperidade.

Como a Revolução Cultural impactou as relações internacionais da China?

A Revolução Cultural exerceu um impacto multifacetado e complexo sobre as relações internacionais da China, levando a um período de relativo isolamento, mas também a mudanças estratégicas que redefiniriam seu papel no cenário global. A fúria ideológica interna se estendeu para a diplomacia, com consequências significativas.

No início do movimento, a China adotou uma postura de isolacionismo extremo e militância revolucionária. Os embaixadores foram retirados de quase todos os países, deixando apenas um diplomata de alto escalão em Pequim. As embaixadas chinesas no exterior, por sua vez, se tornaram centros de propaganda revolucionária, com diplomatas muitas vezes vestindo uniformes de Guardas Vermelhos e distribuindo o Pequeno Livro Vermelho.

Isso resultou em incidentes diplomáticos graves. Em 1967, a Embaixada Britânica em Pequim foi invadida e incendiada por uma multidão de Guardas Vermelhos, e vários diplomatas estrangeiros foram atacados. Esses atos de agressão e o fervor antiestrangeiro generalizado causaram a deterioração das relações com muitos países e o aumento da desconfiança internacional em relação à China.

A relação com a União Soviética, já tensa desde a Ruptura Sino-Soviética, piorou drasticamente. A URSS era denunciada como um país “revisionista social-imperialista”, e houve vários confrontos de fronteira, incluindo o incidente do Rio Ussuri em 1969, que quase levou a um conflito em larga escala. Esse antagonismo mútuo empurrou a China a buscar novas alianças estratégicas.

Curiosamente, foi essa hostilidade com a URSS que, ironicamente, abriu caminho para a reaproximação com os Estados Unidos. Mao Zedong e Zhou Enlai, percebendo a ameaça soviética, decidiram buscar um contrapeso na forma de uma aproximação com Washington. O “diplomacia do pingue-pongue” em 1971 e a histórica visita de Richard Nixon à China em 1972 marcaram uma virada espetacular na política externa chinesa.

Apesar do caos interno, a China manteve seu apoio a movimentos revolucionários em todo o Terceiro Mundo, fornecendo ajuda e armamento a grupos guerrilheiros na África, Ásia e América Latina, seguindo sua doutrina de “guerra popular”. Essa política, embora ideologicamente motivada, também serviu para estender a influência chinesa em regiões estratégicas.

A admissão da República Popular da China na Organização das Nações Unidas (ONU) em 1971, substituindo Taiwan, foi um marco importante. Demonstrou o crescente reconhecimento internacional de que a China continental era a única e legítima representante do povo chinês, apesar de sua turbulência interna e comportamento agressivo anterior.

A Revolução Cultural, ao extremo, isolou a China de seus aliados tradicionais e a empurrou para novas configurações geopolíticas. A virada pragmática de Zhou Enlai e Mao Zedong em relação aos EUA, motivada pela realpolitik, lançou as bases para a futura abertura econômica da China e sua eventual ascensão como uma potência global, um contraste surpreendente com sua fase inicial radical.

Qual o papel da “Gangue dos Quatro” no final do período e após a morte de Mao?

A “Gangue dos Quatro” – composta por Jiang Qing (esposa de Mao), Zhang Chunqiao, Yao Wenyuan e Wang Hongwen – emergiu como uma força política dominante no final da Revolução Cultural e desempenhou um papel crucial nos anos que se seguiram à morte de Lin Biao em 1971. Eles eram os principais promotores das políticas radicais de Mao Zedong.

Jiang Qing, em particular, era a figura mais proeminente e vocal do grupo. Ela havia sido a arquiteta cultural da Revolução Cultural desde o início, controlando as artes e o entretenimento através das “óperas modelo revolucionárias”. Com o declínio da saúde de Mao, ela e seus aliados ganharam acesso privilegiado a ele, influenciando suas decisões e usando sua autoridade para seus próprios fins.

Após a queda de Lin Biao, a Gangue dos Quatro preencheu o vácuo de poder na ala radical do Partido. Eles lançaram campanhas como a “Crítica a Lin Biao e Confúcio” (Pi Lin Pi Kong), que, embora nominalmente visasse o falecido Lin Biao e o antigo filósofo, era na verdade um ataque velado a Zhou Enlai e outros moderados que tentavam restaurar a ordem e a produção.

O grupo buscava perpetuar a ideologia e as políticas da Revolução Cultural, opondo-se veementemente a qualquer relaxamento no controle ideológico ou na perseguição de “inimigos de classe”. Eles defendiam a “revolução permanente” e criticavam qualquer tentativa de priorizar o desenvolvimento econômico sobre a pureza ideológica. Essa postura os colocava em conflito direto com facções mais pragmáticas dentro do Partido, lideradas por Zhou Enlai e, posteriormente, por Deng Xiaoping.

A saúde debilitada de Zhou Enlai e a sua morte em janeiro de 1976 abriram uma nova janela de oportunidade para a Gangue dos Quatro. Eles tentaram bloquear a ascensão de Deng Xiaoping, que havia sido reabilitado por Zhou, e conseguiram fazê-lo ser expurgado novamente. Eles esperavam suceder a Mao após sua morte, consolidando o legado radical da Revolução Cultural.

Apesar de sua influência, a Gangue dos Quatro não tinha apoio militar significativo nem a confiança de grande parte do aparato do Partido. Após a morte de Mao em setembro de 1976, eles tentaram um golpe de estado para tomar o poder. No entanto, foram rapidamente presos por uma coalizão de líderes do Partido e militares liderada por Hua Guofeng, sucessor escolhido por Mao, e com o apoio de oficiais leais a Deng Xiaoping.

A prisão da Gangue dos Quatro marcou o fim efetivo da Revolução Cultural e abriu caminho para a ascensão de Deng Xiaoping e as reformas econômicas que se seguiriam. O grupo foi posteriormente julgado e condenado por uma série de crimes, tornando-se o bode expiatório oficial para os excessos e a destruição da Revolução Cultural, um movimento que eles haviam tão ardentemente promovido.

Como a Revolução Cultural chegou ao seu fim oficial?

O fim oficial da Revolução Cultural é geralmente associado a um evento singular: a morte de Mao Zedong em setembro de 1976 e a subsequente prisão da Gangue dos Quatro. Embora o período de violência e caos generalizado tenha diminuído após 1969 com a intervenção do Exército de Libertação Popular, a luta pelo poder e as campanhas ideológicas continuaram, mantendo a tensão e a instabilidade.

A saúde de Mao Zedong vinha declinando há vários anos, e sua morte em 9 de setembro de 1976, removeu a figura central e catalisadora que havia iniciado e sustentado a Revolução Cultural. Sem Mao, os defensores do radicalismo perderam sua fonte suprema de legitimidade e autoridade, desorientando a ala esquerda do Partido.

A sucessão de Mao era uma questão de intensa disputa. Antes de morrer, Mao havia nomeado Hua Guofeng, um moderado de relativa obscuridade, como seu sucessor. Esta decisão surpreendeu a muitos, especialmente a Gangue dos Quatro, que esperavam assumir o controle. Hua, embora um seguidor de Mao, percebeu a necessidade de estabilizar o país e consolidar sua própria autoridade.

Em 6 de outubro de 1976, menos de um mês após a morte de Mao, Hua Guofeng, com o apoio de altos oficiais militares como Ye Jianying e de membros do Partido que haviam sido marginalizados durante a Revolução Cultural, ordenou a prisão de Jiang Qing e dos outros três membros da Gangue dos Quatro. A ação foi rápida e decisiva, pegando o grupo de surpresa e evitando uma guerra civil.

A prisão da Gangue dos Quatro foi anunciada ao público com alívio generalizado, e grandes celebrações ocorreram em todo o país. A mídia oficial rapidamente os denunciou como uma “camarilha contrarrevolucionária” que havia usurpado o poder e causado os excessos da Revolução Cultural, tornando-os os bodes expiatórios oficiais pelos traumas da década.

A remoção da Gangue dos Quatro abriu caminho para a reabilitação de Deng Xiaoping, que havia sido expurgado duas vezes durante a Revolução Cultural. Deng, com sua visão pragmática e foco no desenvolvimento econômico, rapidamente emergiu como o líder de facto da China. Sua ascensão sinalizou uma virada radical para longe da política ideológica de Mao.

Em 1981, o Partido Comunista Chinês emitiu a “Resolução sobre Certas Questões na História de Nosso Partido desde a Fundação da República Popular da China”, que oficialmente condenou a Revolução Cultural como “um erro grave” e “causadora de grandes calamidades para o Partido, o Estado e o povo”. Essa resolução marcou o fim formal e a condenação histórica do período, permitindo que a China iniciasse sua era de reformas e abertura.

Qual foi a avaliação oficial do Partido Comunista Chinês sobre a Revolução Cultural?

A avaliação oficial do Partido Comunista Chinês (PCCh) sobre a Revolução Cultural foi articulada de forma definitiva na “Resolução sobre Certas Questões na História de Nosso Partido desde a Fundação da República Popular da China”, emitida em 1981. Este documento representou um marco crucial na historiografia oficial do Partido, permitindo à China virar a página do passado e focar nas reformas.

A Resolução de 1981 condenou a Revolução Cultural de forma inequívoca, classificando-a como um “erro grave” e “uma catástrofe para o Partido, o Estado e todo o povo”. Reconheceu que o movimento foi “lançado por Mao Zedong, o líder do Partido”, mas culpou principalmente os “grupos contrarrevolucionários” liderados por Lin Biao e a Gangue dos Quatro pelos seus excessos e pela maior parte da violência.

O documento admitiu que Mao cometeu “erros graves”, especialmente em seus últimos anos, mas manteve sua imagem geral como um “grande marxista”, estrategista militar e fundador da República Popular da China. A resolução afirmou que seus “méritos estão acima de seus erros”, uma forma de preservar a legitimidade do Partido, que Mao havia fundado, enquanto condenava a Revolução Cultural.

A Resolução destacou que a Revolução Cultural foi iniciada a partir de uma “avaliação errônea da situação de classe” na China e de uma “superestimação das ameaças revisionistas“. Argumentou que as contradições de classe já não eram as principais contradições na sociedade chinesa após a conclusão da transformação socialista. Essa reinterpretação justificou a mudança para o desenvolvimento econômico.

O documento também reabilitou milhares de funcionários do Partido, intelectuais e cidadãos comuns que foram perseguidos e injustiçados durante a Revolução Cultural. Liu Shaoqi e Deng Xiaoping, entre muitos outros, foram formalmente exonerados de todas as acusações, e suas contribuições para a revolução e construção do socialismo foram reconhecidas.

A avaliação oficial serviu para estabelecer um novo consenso dentro do Partido sob a liderança de Deng Xiaoping, afastando a China do radicalismo maoísta e abrindo caminho para as reformas econômicas e a política de “abertura”. A resolução buscou curar as feridas internas do Partido e unir o país sob uma nova direção, priorizando a estabilidade e o desenvolvimento.

Apesar da condenação oficial, a discussão pública e a pesquisa acadêmica aprofundada sobre a Revolução Cultural permanecem sensíveis na China. A narrativa controlada pelo PCCh visa evitar a deslegitimação completa da era maoísta, mantendo um delicado equilíbrio entre o reconhecimento dos erros e a preservação de sua própria autoridade histórica.

Quais são os legados duradouros da Revolução Cultural para a China moderna?

A Revolução Cultural deixou legados profundos e duradouros que continuam a moldar a China moderna em múltiplos aspectos, desde a política e a economia até a sociedade e a psicologia coletiva. As cicatrizes de uma década de tumulto são ainda visíveis e influenciam as políticas atuais e a memória cultural.

No campo político, um dos legados mais significativos é o medo arraigado do caos e da instabilidade. A experiência da Revolução Cultural reforçou a determinação do Partido Comunista Chinês em manter um controle rigoroso sobre a sociedade e o poder, evitando a todo custo o retorno da anarquia. Isso se traduz em uma aversão à dissidência e à centralização da autoridade.

A ênfase no desenvolvimento econômico, impulsionada por Deng Xiaoping após 1978, é uma resposta direta à estagnação econômica da Revolução Cultural. A busca por prosperidade material e modernização tornou-se a prioridade máxima, e o Partido tem justificado sua legitimidade em grande parte por sua capacidade de entregar crescimento econômico.

A sociedade chinesa ainda lida com o trauma geracional da desconfiança interpessoal. A experiência de denúncias e traições durante o período corroeu os laços sociais e familiares, levando a um certo cinismo e pragmatismo. A falta de uma discussão pública completa e um julgamento moral dos eventos contribui para uma persistente dificuldade em lidar com o passado.

No setor educacional e cultural, a Revolução Cultural causou uma perda irreparável. Muitos intelectuais foram mortos, perseguidos ou tiveram suas carreiras destruídas, criando uma lacuna geracional de conhecimento e talento. A reconstrução do sistema educacional e a revitalização cultural foram lentas e ainda enfrentam desafios na recuperação plena de seu vibrante passado.

A fragilidade institucional exposta pela Revolução Cultural levou a uma maior atenção à construção de sistemas e regulamentações, embora o Partido mantenha a supremacia sobre as instituições. Há um reconhecimento da necessidade de um governo mais eficaz e menos sujeito a caprichos ideológicos, mas a reforma política democrática permanece uma fronteira inexplorada.

A relação entre o Partido e o Exército de Libertação Popular (ELP) também foi remodelada. Embora o ELP tenha tido um papel político proeminente durante a Revolução Cultural, o Partido, sob Deng, reafirmou seu controle absoluto sobre as forças armadas, garantindo que o exército sirva aos interesses do Partido, e não o contrário, como ocorreu com Lin Biao.

O legado mais complexo reside na forma como a China aborda sua própria história. A “Resolução de 1981” estabeleceu uma narrativa oficial que condena a Revolução Cultural enquanto preserva a figura de Mao, criando uma ambiguidade histórica. Isso limita o debate aberto e a reflexão crítica sobre o período, perpetuando certas tensões na identidade nacional chinesa.

Por que a Revolução Cultural continua a ser um tema sensível e complexo na China hoje?

A Revolução Cultural permanece um tema extremamente sensível e complexo na China contemporânea, e essa complexidade é multifacetada, envolvendo memória histórica, legitimidade política e divisões sociais persistentes. O Partido Comunista Chinês (PCCh) exerce um controle rigoroso sobre a narrativa oficial, o que contribui para essa sensibilidade.

A “Resolução sobre Certas Questões na História” de 1981, embora tenha condenado o evento, também buscou um equilíbrio precário: reconhecer os “erros graves” de Mao Zedong sem deslegitimar o Partido que ele fundou. Isso criou uma ambiguidade oficial que impede um exame completo e aberto do período, pois questionar demais a Revolução Cultural poderia levar a questionamentos sobre a própria fundação da República Popular e a liderança do PCCh.

Milhões de pessoas foram vítimas da Revolução Cultural – perseguidas, torturadas, presas, mortas ou tiveram suas vidas viradas de cabeça para baixo. Muitos dos perpetradores, por outro lado, nunca foram totalmente responsabilizados. A ausência de um processo de verdade e reconciliação, semelhante ao que ocorreu em outras nações pós-conflito, significa que as feridas permanecem abertas. Há um medo de que a reabertura completa do passado possa reacender antigas divisões e antagonismos.

As famílias afetadas pelo trauma ainda buscam uma explicação ou um reconhecimento que vai além da narrativa oficial. A memória pessoal e coletiva difere significativamente da versão controlada pelo Estado, e isso gera uma tensão subjacente. Muitos se recusam a esquecer, mas são compelidos a permanecer em silêncio para não desafiar a ortodoxia política.

A Revolução Cultural também é complexa porque não foi um evento monolítico. Havia vítimas e perpetradores em todos os níveis sociais e políticos, e as linhas entre eles eram muitas vezes borradas. Muitos que foram perseguidos em um momento também participaram da perseguição de outros. Essa rede intrincada de relações e culpas torna difícil atribuir responsabilidades de forma simples ou traçar uma linha divisória clara entre o bem e o mal.

A questão da Revolução Cultural está ligada à atual estrutura de poder na China. As reformas de Deng Xiaoping foram uma reação direta ao caos daquele período, e a estabilidade e o crescimento econômico que se seguiram são frequentemente apresentados como prova da necessidade de controle centralizado e ausência de agitação política. O Partido usa o medo do retorno ao caos da Revolução Cultural para justificar a supressão de movimentos democráticos e de dissidência.

Para as gerações mais jovens, que não viveram o período, a Revolução Cultural é muitas vezes apresentada como um evento distante e mal compreendido, com informações limitadas disponíveis em livros didáticos e na mídia. Essa amnésia histórica oficial contribui para a dificuldade de um debate público significativo e para a persistência da sensibilidade do tema na China contemporânea.

Bibliografia

• MacFarquhar, Roderick, and Michael Schoenhals. Mao’s Last Revolution. Harvard University Press, 2006.
• Spence, Jonathan D. The Search for Modern China. W. W. Norton & Company, 1999.
• Dikötter, Frank. The Cultural Revolution: A People’s History, 1962-1976. Bloomsbury Publishing, 2016.
• Vogel, Ezra F. Deng Xiaoping and the Transformation of China. Harvard University Press, 2011.
• Chang, Jung, and Jon Halliday. Mao: The Unknown Story. Alfred A. Knopf, 2005.
• Yang, Jisheng. Tombstone: The Great Chinese Famine, 1958-1962. Farrar, Straus and Giroux, 2012.